Sinopse Delírio 2008
Yeye
omon ejá e a fé que deságua no mar (Delírio da Zona Oeste -
2008)
"...Aiocá é o reino das
terras misteriosas da felicidade e da liberdade, imagem das
terras natais da África, saudades dos dias livres na
floresta."
(Jorge Amado,1956;137)
JUSTIFICATIVA
Existem correntes absolutamente contrárias à associação entre
Yemanjá e Nossa Senhora - esta questão tem sido bastante
discutida entre várias concepções no âmbito do Candomblé. O
sincretismo vem de uma época em que havia a necessidade de os
escravos protegerem o culto a seus deuses da perseguição
católica; entretanto a sua manutenção até os dias correntes
deve-se a uma série de outros fatores, dentre eles, a idéia de
que o sincretismo, de certa maneira, absolve a consciência
daqueles que são seguidores de outras religiões, mas
freqüentam os terreiros de magia. Por outro lado, para o
próprio Candomblé, o sincretismo viabiliza a conquista de novos
fiéis, que encontram aí um ponto de identificação entre os
conceitos cristãos adquiridos ao longo da vida e a fascinante
religiosidade africana.
O Candomblé, corretamente entendido, não é um tipo de
expressão ou manifestação folclórica, mas, sim, uma
religião, cujas raízes estão arraigadas desde tempos mais
remotos, em terras muito distantes, transmitida de geração a
geração através da oralidade; não participando deste processo
o típico maniqueísmo de outras organizações religiosas, como
a Igreja Católica. Nos cultos africanos, inexistem os
tradicionais conflitos entre o bem e o mal, o certo e o errado e,
principalmente, as noções de pecado e de condenação eterna,
intimamente associados aos conceitos judaico-cristãos.
Nesse processo de sincretismo, a própria imagem de Yemanjá,
deusa da mitologia africana, passou por um tipo de aculturação
obrigatória e necessária, pois em África, a deusa é
representada habitualmente pela escultura em madeira de uma
mulher obesa, cujos volumosos seios são apoiados pelas próprias
mãos; simbolizando a grande mãe que amamenta e cria seus filhos
com generosidade. O sincretismo entre Yemanjá e as diversas
imagens de Nossa Senhora fez surgir uma figura cuja aparência
assume padrões estéticos de cunho eurocêntrico - uma mulher
alva, de formas delicadas, cabelos lisos e longos, cujo semblante
parece evocar uma santidade distante das preocupações terrenas.
A distorção gradativa levou também ao aparecimento de outros
seres mitológicos, como as sedutoras sereias - inspiração da
cultura greco-romana - , ou mulheres indígenas sensuais -
graças à influência da cultura tupi-guarani.
Yemanjá, com todas as suas formas, representações e
simbologias, tornou-se a mais tropical de todas as deusas
africanas, devido à capacidade de seu culto integrar as mais
diferentes camadas sociais em torno da fé. Suas festividades
não possuem precedentes na história religiosa ocidental quanto
à popularidade. É um fenômeno cultural que somente um universo
miscigenado como o Brasil, poderia suportar e fazer fluir nas
mais variadas concepções. Entretanto, em todas as suas
representações, Yemanjá na verdade é o mito que relaciona a
maternidade à proteção e às águas.
As festas em homenagem à Rainha do Mar, como todas as festas
baianas, tornaram-se um grande acontecimento turístico-cultural,
onde a religiosidade se confunde com alegria e prazer; os
atabaques misturam-se com a música dos trio-elétricos; os
orixás envolvem-se com os foliões e os fiéis deixam-se levar
pelos tambores do Axé. Uma mistura de sagrado e profano, de
realidade e misticismo, de pedidos e agradecimentos. E muito mais
que isso, seu culto tornou-se um tipo de "ritual de
passagem", um elo entre o desejo e a realização, entre o
passado e o futuro, o material e o espiritual. Muitos
participantes de suas festas sequer possuem uma imagem
pré-definida da deusa, mas nem por isso, deixam de prestar-lhe
homenagens, como se isso fizesse parte das regras para que se
tenha uma vida melhor.
Os deuses africanos jamais reconheceram o sentido do profano. Sua
intimidade com os homens sempre foi tão latente que, ao longo da
História, reis viraram deuses e deuses sempre foram humanizados.
Toda a religiosidade africana, até mesmo nos rituais fúnebres,
sempre esteve envolta por batuques e cantigas, de forma festiva e
espontânea. Não haveria de ser a Festa de Yemanjá, em pleno
país do carnaval, que se afastaria de suas raízes festivas para
se espelhar do "melancolismo" sagrado do Cristianismo.
Por isso as "procissões" que conduzem os presentes,
destinados à Yemanjá, para o oceano, seja na Bahia, no Rio de
Janeiro ou em qualquer outro lugar do Brasil, têm adquirido cada
vez mais características tão populares, coloridas e divertidas:
porque, para o africano, a vida é sempre uma grande
comemoração, e cultuar seus deuses é uma eterna celebração.
Sendo assim, neste clima de festa e sincretismo, o GRÊMIO
RECREATIVO ESCOLA DE SAMBA DELÍRIO DA ZONA OESTE traz para a
avenida das ilusões, uma homenagem à mitologia africana,
representada pela mais popular de suas deusas e pela fé
miscigenada, misturada e diversificada de seus seguidores,
transformando a "procissão" em desfile carnavalesco,
ou carnavalizando o cortejo de Yemanjá, não esquecendo jamais,
que o desfile de uma escola de samba nada mais é que um
verdadeiro cortejo religioso. Seria irrelevante qualquer
tentativa de definir o mito, ou descrever suas lendas e origens.
Isso não é importante quando a simbologia se faz muito maior
que qualquer explicação, e torna-se incomensurável. Nosso
compromisso não será com a História, mas com o sentimento de
celebração, de comemoração, pois para nós, no Carnaval nada
é pecado... e tudo é sagrado!
Comissão de Carnaval
SINOPSE
Na trajetória do tumbeiro, a caravela dos pavores, surgiu uma
odisséia de bravura que selou o destino de quem lutou para
vencer o inferno sobre as ondas do mar. O amordaçado negro
yorubá, arrancado de suas terras e lançado ao violento bailado
do oceano, com o sentimento acorrentado a ferros, poderia perder
até mesmo a vida, mas jamais a fé em seus deuses. Nem mesmo o
banzo seria capaz de ferir-lhe o sagrado e, nesse elo dourado com
o divino, trouxe da África a devoção e a confiança.
Emboscado, aprisionado e vendido como cativo por traficantes,
ocorria-lhe na alma agarrar-se à mãe de todas as mães, àquela
que jamais faltaria a um filho e que, de modo algum, permitiria
que sua vida naufragasse no abismo do tenebroso mar. Yeye Omon
Ejá!
Da mitologia africana, arrastada pelos porões do desespero,
desembarcou em terras de palmeiras e dendezeiros, aquela mãe
yorubana, cujos filhos são peixes; exuberante na fé do
escravizado.
Do medo da perseguição, pelos portões das senzalas e por trás
de cortinas de chita, escondeu o negro sua fé. Mas a deusa mãe
precisava ser venerada - e então disfarçada. Firmados foram os
votos de fé dos escravos ao manto azul da Virgem Santíssima,
mas dedicados, em verdade, à Rainha dos Mares.
Yeye Omon Ejá se transformou em Yemanjá... E entre os toques de
atabaques, danças e cantigas, fumaça de folhas queimadas, o
culto tomou forma, cresceu e espalhou-se. Vários nomes foram
invocados: Yassabá, Yauntò, Yassessu, Yatogun, Yaogunté...
Todas as Yás eram ela, ao mesmo tempo, em apenas uma mulher,
mãe e deusa.
O amor materno derramou-se e escorreu pelas tortuosas estradas da
crendice, alcançando o coração do estranho homem branco,
tocando-lhe a alma e fazendo-se divina. Sua tez clareou como o
dia, e de cabelos longos ao vento, vestido azul cintilante, a
mãe tornou-se o espelho d'água onde se refletiu a imagem da
Santa Maria Mãe de Deus. "Rogai por nós pecadores!"
Era Maria das Graças e das Dores, da Conceição, dos Navegantes
e também dos amores; doravante, era todas as Marias em apenas um
semblante. De suas mãos caem pétalas, de suas mãos caem
pérolas.
Yemanjá, Rainha do Mar, também virou mulher-peixe e foi em um
rio cantar. Como se já não bastasse tantos nomes, alguém ainda
a chamou Janaína, mas também Iara, e Inaê. Linda sereia, pele
morena que a luz da lua enfeita, beleza sem igual deitada na
areia.
Desde então, espalhada pela multidão nas suas mais variadas
formas de representação, aparece nos sonhos dos mais simples
pescadores, aos ventos do oceano, acompanhando pelos mares os
bravos jangadeiros, as jangadas e os saveiros. Acalenta ainda os
amores perdidos no mar. Ampara as mães na hora da morte, mas
também no fascinante momento de dar à luz um ser, diante das
preces em louvor aos seus encantos. Acolhe as virgens com suas
cartas de amor exalando rosas, harmoniza e perpetua os sagrados
laços do matrimônio. Sempre estende suas mãos, sejam negras ou
brancas, sobre a cabeça dos jovens aprendizes, em nome da
educação e da sabedoria, e habita o coração dos filhos
pródigos, saudosos de suas mães, onde para sempre faz moradia.
Nessa associação entre a religiosidade e as tradições
populares, de natureza folclórica ou mística, nas festas de
santos e padroeiras, o ponto mais deslumbrante é justamente
aquele em que o lúdico se torna real no coração de quem tem
fé. E não importa fé em quê e nem como se deve tê-la, mas
simplesmente crer. Com o passar dos tempos, e dos ventos,
Yemanjá assumiu tantas formas diferentes e passou a representar
tantos simbolismos, que conseguiu unir em torno de si as mais
variadas crenças, as mais variadas formas de fé, e os mais
diversos tipos de homenagens. E é neste momento que o Navio
Negreiro que arrastou o mito pelas águas da desventura, cede
espaço para o Barco das Oferendas, no vasto oceano da fé, em um
préstito de caboclas e sereias, golfinhos e baleias.
Seja nos terreiros de Umbanda e Candomblé, seja nas areias da
praia, de janeiro a dezembro, do Rio Vermelho em Salvador à
praia de Copacabana, de mãe-preta a mulher-peixe; Yemanjá é a
mais brasileira de todas as africanas, a mais maravilhosa de
todas as baianas, senhora dos corações aflitos e esperançosos,
homenageada e presenteada de todas as formas: nos barquinhos e
balaios, flores e perfumes, doces e frutas, velas e fitas,
espelhos e pentes, no batuque dos ogãs, nas pernadas da
capoeira, ao som dos Filhos de Gandhi, no cheiro dos defumadores,
no gingado dos afoxés, no penacho dos caboclos e cachimbo dos
pretos-velhos, nos manjares dos erês, no pulinho sobre sete
ondas, no estourar do champanhe - por um mundo melhor, cheio de
paz, amor, sucesso, prosperidade e proteção. Porque na verdade
o que importa mesmo não é o mito, mas a fé que se tem nele!
Salve a fé que deságua no mar! Salve os devotos de Yemanjá!
Enredo: Arthur Reiy
Desenvolvimento: Comissão de Carnaval
Revisão de texto: Jacqueline Luppo
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http://www.pelotas.com.br/festaiemanja/
http://www.visiteabahia.com.br/visite/salvador/cultural/festaspopulares/iindex.php?id=20
http://www.festadeiemanjamercadao.com.br/
http://marieclaire.globo.com/edic/ed105/rep_salvador1.htm
http://www.brazilonboard.com/ssa/3606.asp