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Ó Praça Onze, tu és imortal… E o teu passado cantaremos
SINOPSE ENREDO 2021

Ó Praça Onze, tu és imortal… E o teu passado cantaremos

Mosquitos, caranguejos, plantas retorcidas, folhas apodrecidas, solo impermeável e uma área que vivia alagada. Um verdadeiro pântano! Assim era a região conhecida como “Mangue de São Diogo”, localizada no atual bairro da Cidade Nova, no Rio de Janeiro, que mais tarde abrigaria uma das praças mais icônicas da nossa cultura: a Praça Onze.

Esta região, mesmo desde a chegada dos primeiros portugueses ao Brasil, era um manguezal, cujo solo era impróprio para a construção de casas ou até mesmo para o plantio. Tal cenário mudaria com a transferência da família real portuguesa para o Brasil.

Fugindo do Imperador francês Napoleão Bonaparte, o Príncipe-Regente de Portugal Dom João VI, sua mãe, a Rainha Maria I, e toda a corte real, se instalariam no Rio de Janeiro, em 1808. Aí começaria a ser tratado o destino da futura Praça Onze, que se desenvolveria após a intervenção da Família Real, já a partir de 1810. Assim, vias começaram a ser pavimentadas cruzando a área de mangue que ligava o centro da cidade e o porto até a região da Quinta da Boa Vista, onde se instalaria a família real portuguesa.
Em 1835, já durante o período regencial, o Governo Imperial iniciou a construção de um estreito canal na região para receber a água da chuva e dos riachos que desaguavam no caminho, que ficava constantemente alagadiço. O caminho aterrado sobre o pântano era conhecido como Rua das Lanternas, porque por ali costumavam passar, em noites escuras, as procissões de lanternas luminosas, a pé, em carruagens, em berlindas ou a cavalo, como uma marcha “aux flambeaux”.

Finalmente seria construído um rocio, em quadratura, na Rua do Aterrado, outrora Rua das Lanternas. Conhecido como Praça de São Salvador, mas logo batizado de Rocio Pequeno, nele foram plantadas algumas casuarinas, árvores exóticas vindas da Ásia. Aos poucos o pequeno quadrilátero se integrava à paisagem urbana do Rio de Janeiro. Por ali passavam carruagens, cavaleiros e escravos que conduziam seus senhores em berlindas ou cadeiras. Assim era o embrião da Praça Onze na primeira metade do século XIX.

O Segundo Reinado, durante a regência do Imperador Dom Pedro II, marcaria profundamente o Largo do Rocio Pequeno, que começaria a se beneficiar dos impactos ocasionados pelos melhoramentos urbanos ocorridos a partir da metade do século XIX. Seguindo a política urbanista da época, em 1948 foi instalada a primeira benfeitoria no centro do quadrilátero: um chafariz de estilo neoclássico projetado pelo arquiteto Grandjean de Montigny. Apesar de sua beleza ímpar, seu objetivo era abastecer as casas e estabelecimentos comerciais que começavam a surgir no entorno do local.

Nesse contexto de mudanças, o banqueiro e industrial Irineu Evangelista de Sousa, o “Barão de Mauá”, um dos pioneiros da industrialização no país, iniciaria uma série de empreendimentos que fariam com que a capital do Império se modernizasse e, com ela, a região do Rocio Pequeno. Assim, na década de 1850, foram realizados alguns melhoramentos urbanos, como a construção dos trilhos dos bondes, do sistema de saneamento e a instalação de fábricas, como a Companhia Estadual de Gás, mais conhecida como a “Fábrica de Gás de Mauá”.

Na década de 1860, o Brasil se viu envolvido em um conflito internacional: A Guerra da Tríplice Aliança, que duraria de 1864 a 1870. Em novembro de 1864 o Paraguai, sob a ordem de Solano López, aprisionou o navio mercante brasileiro “Marquês de Olinda”, que navegava pelo Rio Paraguai rumo a Cuiabá e, logo após, invadiu a cidade de Dourados, ambas no Mato Grosso, dando início ao conflito armado.

Em 11 de junho de 1865 o Almirante Tamandaré comandaria a Marinha de Guerra Imperial na batalha decisiva para os rumos da guerra, conhecida como a “Batalha do Riachuelo”. Cerca de um mês depois, em 4 de julho de 1865, em homenagem aos heróis de Riachuelo, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro assinaria um decreto que mudaria o nome do Largo do Rocio Pequeno para o nome que seria eternizado: Praça 11 de Junho, Praça Onze ou, simplesmente, Praça XI.

Após a guerra, muitos empresários resolveram arrecadar recursos para a construção de monumentos ao Imperador pela vitória na Guerra da Tríplice Aliança. O Imperador, no entanto, declinou, e sugeriu a criação de escolas públicas com o recurso arrecadado, chamadas de “escolas do Imperador”. Assim, em 1972 seria criada a primeira escola pública de ensino básico a funcionar em prédio próprio do município, batizada de Escola de São Sebastião, em homenagem ao padroeiro do Rio de Janeiro.

Já em 1888, também nas imediações da Praça Onze, e um ano antes do fim do regime monárquico no Brasil, o suíço Joseph Villiger fundaria a “Manufactura de Cerveja Brahma Villiger & Companhia”, que deu origem a uma das cervejas mais tradicionais do país cuja sede ficava nas imediações da Praça Onze. A cervejaria passaria a movimentar o comércio de bebidas na capital do Império e os bares da Praça Onze.

Assim, no arrebol do regime monárquico no Brasil, era a Praça Onze um quadrilátero circundado por vinte e uma casuarinas, e cercada por frades de pedra ligados por correntes de ferro. Ao centro, um chafariz e, ao fundo, a primeira das oito escolas do Imperador. O bonde já era movido à eletricidade, em uma época em que ainda não havia automóveis. A industrialização impulsionava a praça. Bons tempos aqueles…

No alvorecer do período republicano, a capital do Brasil passaria a ser o principal centro comercial e financeiro do país, legado da industrialização ocorrida nas últimas décadas do Segundo Reinado. A cidade começava a se tornar cosmopolita e a Praça Onze era um extrato dessas mudanças sociais e econômicas.

Os grandes casarões da praça começaram a ficar desabitados porque as camadas mais prósperas da população iniciavam o deslocamento do Centro para a Zona Sul. Desse modo, os casarões passaram a ser ocupados por cortiços, barracos e fábricas, dando início às alfaiatarias, tecelagens, fábricas de bolsas e guarda-chuvas, lojas de ourives, de artesanato e pequenas manufaturas.

Os mascates, precursores dos atuais camelôs – ambulantes que carregavam diversos tipos de mercadorias nos ombros – eram parte integrante do cenário da praça. O cafezinho havia se tornado costume popular e fazia parte da rotina dos diversos botequins e cafés da praça, como o Botequim Capitólio e o Café Jeremias, dois dos mais importantes à época. Era o comércio efervescendo a região.

Os fins de semana eram reservados para o lazer. Nos dias de sol, a bandinha da Polícia tocava músicas clássicas e populares no coreto da praça. Já os bondes ficavam apinhados de gente se deslocando para as praias poluídas da Praça XV ou da Ponta do Caju, envoltos em toalhas de banho e levando farnel para os piqueniques.

A vida noturna também era agitada e proporcionava lazer aos mais diversos públicos. Para o público geral, os cinemas eram um excelente programa já no início do século XX, destacando-se o Cinema Praça Onze e o Centenário. Os botequins também recebiam trabalhadores ao final do dia. Já para um público mais “seleto”, as “polacas” ofereciam seus serviços nos cabarés. Os atentos pincéis de Lazar Segal e Di Cavalcanti não deixaram de retratar a rotina das “polacas da Zona do Mangue”.

No início do século XX, a Praça Onze era uma verdadeira Torre de Babel: uma completa miscelânea de povos e culturas. Era o local mais cosmopolita do da capital do país, ocupado por cariocas, estrangeiros vindos da Europa e do Oriente Médio e por negros alforriados.

Os imigrantes portugueses comercializavam tecidos e gêneros alimentícios. Já os libaneses, sírios e judeus introduziram novos hábitos, mercadorias e novas formas de comércio na região. A região chegou a reunir a maior concentração judaica da cidade até então. Ainda havia ciganos do leste europeu, entre outros. Todos trazendo seus costumes, tradições e religiões.

Os negros alforriados vindos das fazendas de café do Vale do Paraíba chegavam pela ferrovia. Já os baianos chegavam pelos navios que atracavam no porto. Estabeleceram moradia nas regiões próximas ao centro da cidade, onde a habitação era mais barata. Assim, muitos encontraram abrigo na Praça Onze. Com eles vieram os traços de sua cultura, a capoeira e o candomblé, transformando o local no primeiro reduto da cultura negra na cidade: a Pequena África.

Nessa época, existia uma senhora muito respeitada na comunidade negra, que recebia negros recém-chegados à Praça Onze. Era a baiana Hilária Batista de Almeida, mais conhecida como Tia Ciata, que promovia festas de cunho religioso e rodas de samba em sua casa. Ela seria fundamental para o surgimento do samba e, posteriormente, das Escolas de Samba. Em sua casa surgiram composições históricas e compositores de talento, como Donga, que compôs “Pelo telefone” em parceria com Mauro de Oliveira, primeiro samba oficialmente gravado, em 1917.

Como bem disse o jornalista Marco Melo, “a Praça Onze era um local de acolhimento e o epicentro de um sistema complexo de relações, que envolvia grupos de distintas religiões, condições financeiras, nacionalidades e etnias. O samba surge como produto de engajamento e entrosamento entre eles. Pessoas que se frequentavam, se ouviam, se cruzavam nas ruas, nos mercados, nas saídas e entradas das sinagogas, nas igrejas e nos terreiros”. (Melo, Marco, O Globo)

Muitos músicos populares, como Donga, começaram a compor em casas como a Sociedade Familiar Dançante e Carnavalesca Kananga do Japão, criada a partir de um rancho carnavalesco, em 1911, na Praça Onze. O local acolheu nomes que se eternizariam na história – Sinhô, Almirante, Pixinguinha, João da Baiana, entre outros. Lá, Elisete Cardoso “estreou” aos cinco anos, em 1925, acompanhada por um pianista ao cantar a marchinha “Zizinha”.

Mas o samba, gênero musical criado na Praça Onze, não seria o único símbolo genuíno da cultura que começava a criar raízes na Pequena África. As escolas de samba também fincariam raízes no local, que abrigaria os primeiros desfiles. Em 1928 um grupo de sambistas do bairro vizinho do Estácio criaria, em 12 de agosto, a Deixa Falar.

Seus fundadores, Ismael Silva, Nilton Bastos, Oswaldo Barcelos, Mano Edgar, Mano Rubem, entre outros, se inspiraram nos ranchos carnavalescos, também compostos por negros das camadas mais populares da sociedade carioca. A Deixa Falar desfilou por quatro anos a partir de 1929, sempre sofrendo forte influência dos ranchos, altaneiros e mais identificados com a cultura negra do grupo baiano yorubá.

Nos subúrbios da cidade, outras escolas surgiram e existem até hoje, como a Estação Primeira de Mangueira, a Unidos da Tijuca e a Quem nos faz é o Capricho (posteriormente Vai como Pode e atualmente Portela). Estas escolas realmente conseguiram transformar o sonho dos negros estacianos em realidade, nos redutos dos negros bantos.

Na década de 1920, seriam realizados os primeiros desfiles não oficiais na Praça Onze. A elas se juntariam a Vizinha Faladeira – escola mais popular e rica da década de 1930 –, Cada Ano sai Melhor, Azul e Branco do Salgueiro, entre outras. Tudo de maneira espontânea e amadora. Nada ainda que se comparasse aos corsos, às grandes sociedades e aos ranchos, que no início do século XX alegravam os foliões e ocupavam o principal palco do carnaval: a Avenida Central, atual Rio Branco.

O primeiro desfile extraoficial foi realizado em 1932, organizado pelo jornal “O Mundo Sportivo”, dirigido pelo jornalista Mário Filho. A divulgação do evento pela imprensa atraiu um grande número de espectadores que assistiram aos desfiles na Praça Onze sem saber a proporção que o espetáculo tomaria no futuro. A Mangueira foi a primeira vencedora do concurso.

Nesses primeiros anos, como as agremiações possuíam poucas centenas de integrantes, seus desfiles duravam cerca de dez minutos, bem diferente do desfile atual. A sua identidade também começava a se formar, ainda muito inspirada nos ranchos e nas grandes sociedades. Aos poucos iam surgindo os elementos que marcariam o ritmo e a identidade das escolas: comissão de frente uniformizada, surdos, tamborins e alegorias.

Em 1941 a prefeitura da cidade determinou a demolição da Praça Onze para a construção da Avenida Presidente Vargas. Estava decretado o fim da praça mais cosmopolita do Rio de janeiro, berço do samba e da memória da cultura genuinamente nacional. Grande Otelo e Herivelton Martins comporiam uma canção em forma de protesto: “Vão acabar com a Praça Onze”. A música, em ritmo de samba, faria sucesso na voz do Trio de Ouro, à época formado por Dalva de Oliveira, Herivelto Martins e Nilo Chagas:

“Vão acabar com a Praça Onze
Não vai haver mais Escola de Samba, não vai
Chora o tamborim
Chora o morro inteiro
Favela, Salgueiro
Mangueira, Estação Primeira
Guardai os vossos pandeiros, guardai
Porque a Escola de Samba não sai
Adeus, minha Praça Onze, adeus
Já sabemos que vais desaparecer
Leva contigo a nossa recordação
Mas ficarás eternamente em nosso coração
E algum dia nova praça nós teremos
E o teu passado cantaremos”
(Herivelto Martins e Grande Otelo)

No ano de 1942 ainda seria realizado o último desfile de escolas de samba na saudosa praça, mas seu destino já estava traçado. A Portela seria aclamada campeã pela comissão julgadora em um desfile disputado entre vinte e duas escolas. Mas a extinção da praça não significou o fim das escolas de samba, como supunha a letra da canção. Muito menos apagaria a marca da miscigenação que é a cultura brasileira.

Hoje, da famosa praça, só resta um pequeno jardim na pista central da Avenida Presidente Vargas, onde se encontra o Monumento a Zumbi dos Palmares e uma estação de metrô. Vaga lembrança de um mosaico de culturas que aqui chegaram, se moldaram e transformaram definitivamente a cultura popular brasileira, a Praça Onze simbolizava a alma Rio antigo, formada por brancos e negros, brasileiros e imigrantes.

Nela foram reunidas, aleatoriamente, as condições para que, nas camadas mais populares da sociedade, cantores e compositores criassem os símbolos que melhor representam a cultura brasileira: o samba e os desfiles das escolas de samba, patrimônio imaterial brasileiro, que deram seus primeiros passos na Praça Onze.

Os desfiles das escolas de samba se deslocariam para outros locais até chegarem à Rua Marquês de Sapucaí, onde em 1984 seria construído o seu palco definitivo: o Sambódromo carioca. Dois anos antes, em 1982, num desfile antológico, o Império Serrano, que não desfilou na Praça Onze pois não havia sido criado, faria uma homenagem à famosa praça e aos primeiros desfiles. A letra revelava:

“[…] Ó Praça Onze, tu és imortal,
Teus braços embalaram o samba,
A sua apoteose é triunfal […]”.
(Beto Sem Braço e Aluísio Machado)

É com grande honra que a Cupincha de Campo Grande presta essa singela homenagem aos mascates, sambistas, baianas, trabalhadores e artistas humildes, anônimos ou famosos, das mais diversas etnias e credos religiosos, que criaram um dos pilares da cultura e identidade do Brasil: o samba e suas escolas. “Ó Praça Onze, tu és imortal […] e o teu passado cantaremos”.

Bibliografia:

Araújo, Hiram. Carnaval, seis milênios de história. Gryphus. 2000.
Caldeira, Jorge. Mauá: empresário do império. Companhia das Letras. 1995.
Doratioto, Francisco. Maldita Guerra. Companhia das Letras. 2002.
Malamud, Samuel. Recordando a Praça Onze. Livraria Kosmos Editora. 1988.
Melo, Marco. História da Praça onze – da Família Real a Berço do Samba. Site “O Globo”. Disponível em: https://diariodorio.com/historia-da-praca-onze/#:~:text=A%20Pra%C3%A7a%20Onze%20de%20Junho%20ganhou,ap%C3%B3s%20a%20Guerra%20do%20Paraguai.&text=%E2%80%9CA%20Pra%C3%A7a%20Onze%20era%20um,engajamento%20e%20entrosamento%20entre%20eles.
Moura, Roberto. Tia Ciata e a pequena África no Rio de Janeiro. 1995.
Músicas/canções:

Bumbum, paticumbum, prugurundum – Império Serrano 1982. Beto Sem Braço e Aluísio Machado.
Praça Onze. Herivelto Martins e Grande Otelo.
Autores do enredo: Carlos Augusto e César Maia