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Versando Nogueira nos cem anos do ritmo que é nó na madeira (Cubango - 2017)
Presidente: Olivier Pelé
Carnavalesco: Cid Carvalho Sinopse: Fábio Fabato Estrutura do enredo: 1) Cem anos de luta pela sobrevivência; 2) Cem anos de forças inspiradoras; 3) Cem anos de amores e dissabores; 4) Cem anos de espírito de celebração. “O samba é nó na madeira, é jaqueira, mangueira, salgueiro, tamarindeira, árvores de frutos melodiosos que, durante um século, danaram de versar de modos incontáveis sobre o Brasil grande e miscigenado. Ninguém aguenta a força de um samba, não. É também, modéstia à parte, uma nogueira, ou melhor, um certo Nogueira que agora se exibe, e cá misturo os gêneros masculino e feminino ao tratar deste tronco aqui, forte e boêmio, que enxergou lá longe e do alto o tamanho do ritmo casamenteiro de favela com asfalto. Eu mesmo, João Nogueira, sambista de calçada da melhor cepa, lenha na fogueira acesa no limiar dos altos e baixos da cidade, vivi quase 60 dos 100 anos do samba, mas retratei de alma sua história inteirinha. Hoje, o ritmo mira o espelho e enxerga no reflexo seu próprio antepassado de lutas e glória, na carona de inspiração minha. Se a mim, logo cedo, faltou o velho, também o samba se ressentiu da falta de pai presente a todo tempo, mesmo misturado de fundo e alma em sua formação. Seguiu marginal, levando porrada do poder vigente, correndo do camburão, mas foi assim crescendo, se criando sozinho, beijando poetas a perder de vista, habituado com o adverso, este que em tantas e tantas machucou seus versos. Samba que vem de negros antepassados, de escravos acorrentados, cujo som, sob a luz do cativeiro, embalava até mesmo o sorriso de algumas sinhás. Ê, vida voa, vai no tempo, vai. E aí o danado – tão morro quanto cidade –, ganhou a alta sociedade e, faceiro de tudo, já até frequenta o Municipal. Bate lata, bate bumbo, bate surdo, tamborim. O samba nasce desse jeito, espécie de luz que chega de repente e atinge o coração do poeta com a rapidez de uma estrela. Cadente, incandescente, ardente. Acende a mente, o coração e a quem mais puder contaminar com a sua flechada certeira. O poder da criação é assim, emerge de uma força maior que nos guia, talvez pulsante desde os batuques ancestrais no terreiro e na senzala dos açoites. E desafia a ciência dos homens, a matemática das coisas, como um sol que se esparrama ou o mar que leva consigo o pó de nossos dias. Eu preferi viver ao lado da poesia, o que sempre quis, e somente Deus conseguiria julgar se esta escolha foi – ou não – entre todas a mais feliz. Peço a ele que me ajude nos questionamentos do porvir. Sim, já sei na pele que o corpo a morte leva, mas o nome, o nosso nome é a obra quem imortaliza. E por isso sigo vivo, pois a brisa sempre traz de volta a luz forte da minha música – mesmo que num radinho de pilha qualquer ou no último dos vinis, talvez arranhado e rascante, como a voz a mim destinada pela vida –, e cisma de me iluminar pra lá de além da morte. Agô! Agô, todos os Orixás! Num batucajé que vai ao longe, eu canto pro meu pai, pras filhas e filhos de santo, para tantas religiões em conversa constante através do ritmo guri de cem primaveras. O samba é das forças guerreiras, da mineira Clara, filha de Ogum com Iansã, ser de luz, abençoada pelo menino Deus como sabiá. E é também mulher de carne e osso, que derruba marmanjos apenas no charme. Ajude-me a encontrar – rogo-lhe –, Maria Rita, que andava gingando com laço de fita, cabrocha bonita, de corpo escultural. Por onde andará? Sambei na cidade com meu cordão, mas pra mim foi só metade, faltou a sua mão. Eu, hein, Rosa?, penso cá que nestes sambas estou me derretendo demais por estas pequenas, forçando demais as cordas. Que coisa indecorosa! Afinal, houve ainda, lembro bem, aquela morena substantiva, pimenta demais pro meu vatapá. Ardeu, foi embora, e me restou de consolo apenas o antigo violão molhado de pranto até dizer chega. Ardeu muito, ardeu pra danar. Meu coração parou e tudo, desacreditou no melhor dos verbos. Eis que a moçoila, pasme!, resolveu querer voltar. Mas aí, não teve jeito, Inês já era morta, mortinha da Silva, do lado de cá. Jogo de versador é na retranca, mas qualquer um se embevece com brincos de um ouro, porte de dama, uma bela cigana. E esta tal leitora de destinos cabou que levou meu dinheiro, mas sem perceber retirou meu veleiro lá do fundo do mar. Aliás, esse mar é meu e coisa de todo sambista: joga a rede e vêm no arrastão amores e lagosta que só Deus dá. Espere, oh, nega, nosso dia inda chega. Ah, se chega... O samba tem dessas, que é prum batuque à mesa e em roda, sem querer e por tabela, em acordes retratar. Foi nestas rodas, tome nota, que o ritmo encorpou. Ele é pai e filho dos encontros, dos furdunços e marafos, do espírito de celebração. É por isso que eu vivo no Clube do Samba, com esta gente bamba em que eu me amarro de montão. Ali tem povo de Madureira, Vila Isabel e do meu Méier, onde hoje impero como centro cultural. Sem contar o pessoal boêmio do Alcazar, em Copacabana, da Mangueira, Leblon, Ipanema e até da Vintém, lá pra longe da Brasil. Labareda no olhar, pulei de bloco em bloco, com samba, amor e tradição jorrando de todos os poros – assim gravei minha verdade. Certa feita, fui a um baile no Elite, Orquestra Tabajara, trombone, sax, pistom. De quebra, teve até Lupicínio na voz do bom e velho Jamelão. Papa-fina, também sou desses, em cima do chão ou embaixo do céu, samba não tem mistério ou vergonhas, festa e mistura, e a minha é de preto com vermelho – rubro-negro sim, senhor, você sabe... Com a licença de Wilson Baptista e Jorge de Castro, troquei Rubens, Dequinha e Pavão, lendas do tricampeonato dos 50, pelos deuses Zico, Adílio e Adão. Somos todos flamenguistas, não almoçamos nem jantamos em dia de derrota, os autores haveriam de concordar com este meu afã autoral de fanatismo, não é mesmo? Mas nenhuma roda, bloco ou clube eu cantei mais que um grêmio liderado por certo homem de um braço só, azul de poesia, branco da paz, beijo apaixonado de Oswaldo Cruz em Madureira. Grêmio, não. Escola. Mulher como as que os sambistas cantam, só que esta a maior de todas. Eu sei, Portela, a filosofia de todo poeta é ter um porto seguro. Foste o meu. Meu filho amado – e aqui caminho para encerrar este testamento musicado dedicado a você –, fiz desta agremiação a verdadeira rainha do meu carnaval, para quem abri a janela do peito e, admirado, me percebi no próprio céu. Hoje, cá de cima, faço o samba centenário se olhar além do espelho em suas mil faces que o tempo ali guardou. Vim cumprir a missão final que me foi confiada por Deus e deixar em seu colo este relicário de obras – minha fortuna pessoal –, com o pedido de que toque em frente tão sublime história: ‘se o meu pai foi espelho em minha vida, quero ser pro meu filho espelho seu’, eternizei. Que assim seja. Diogo, um beijo do seu pai e até para sempre. João Nogueira” Músicas de João Nogueira com ou sem parceiros que inspiraram o texto: Nó na madeira E lá vou eu (Mensageiro) Espelho Apoteose do samba Do jeito que o rei mandou O poder da criação As forças da natureza Quem sabe é Deus Súplica Batucajé Mineira Um ser de luz Maria Rita* Morrendo verso em verso Eu, hein, Rosa? Pimenta no vatapá Batendo a porta Bela cigana Das 200 pra lá Espere, oh, nega! Clube do samba Labareda** Rio, samba, amor e Tradição Baile no Elite Samba rubro-negro*** O homem de um braço só Sonho de bamba Eu sei, Portela Além do espelho *Samba de Luiz Grande **Samba de Jorge Simas e Paulo Cesar Feital *** Samba de Wilson Baptista e Jorge de Castro |
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