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Samba-Enredo
ENREDO 2013

Samba-Enredo

Sou eu! Sou o canto do sambista, a paixão do folião, a emoção transparecida de quem colore o asfalto de ilusão.

Sou o desabafo melódico de um povo, que aguarda ansiosamente o Carnaval chegar para, na avenida, extravasar através de meus versos, rimas e poesia.

Já decantei tantas histórias, exaltei os mais sublimes personagens, detalhei os matizes de inúmeros paraísos, dei o tom em muitos devaneios carnavalizados... Travesti-me nas mais diversas obras-primas, até hoje algumas delas na boca do povo tantos carnavais depois da apoteose que proporcionei. Outras infelizmente foram esquecidas após a passagem do Momo.

Antes de despontar na folia, o desfile era representado por sambas-exaltação, em nada relacionados com o enredo apresentado. Outra característica destas obras eram os versos de improviso inventados entre os refrões, pelos quais os "improvisadores" eram os responsáveis. São estes os pais dos puxadores que hoje me seguram na avenida.

Há controvérsias a respeito de quando apareci pela primeira vez no Carnaval. Há quem diga que nasci através da genialidade de Paulo da Portela em 1939, quando o enredo "Teste ao Samba" ganhou pela primeira vez uma letra de acordo com o conteúdo do desfile. O meu formato seria consolidado sete anos depois.

Meu poeta maior, o homem que com mais carinho e genialidade me tratou, foi Silas de Oliveira. Junto com Mano Décio da Viola, compôs para o Prazer da Serrinha em 1946 "Conferência de São Francisco", também conhecido como "Paz Universal", sugestivamente um ano depois do fim da guerra. Mas o presidente da escola, na hora do desfile, ousou me trocar por um samba de terreiro, o que revoltou os componentes que criariam no ano seguinte o Império Serrano, a agremiação que mais obras-primas me brindou.

Em meados do século passado, minhas obras eram consideradas "lençóis", por cobrir inteiramente o enredo, geralmente patriota naquela época. Minha poesia era mais extensa, épica e ufanista e o andamento mais cadenciado. Ajudei a consagrar a bateria do Mestre André, cuja batuta era responsável pelas primeiras "paradinhas". Silas de Oliveira, nos anos 60, teceria a colorida aquarela embalada pelo tradicional "lalalaiá" imperiano. A força da mulher também apareceria na construção de meus versos, com Dona Ivone Lara superando todas as adversidades machistas. E minhas estrofes receberiam termos africanos graças à Academia situada no morro do Salgueiro.

Até que, no Carnaval de 1968, pela primeira vez meus hinos estariam todos reunidos em disco, em ritual seguido até hoje. Tanto o antigo bolachão quanto o atual CD são presentes de Natal certos. Por isso que o folião passou a chegar na avenida sabendo meus versos e melodias de cor. O fim dos 60 marca minha popularização definitiva. Martinho na Vila Isabel propõe um formato moderno, com andamento mais acelerado. E o Salgueiro consagraria a força de meus refrões. Até hoje, eles aparecem em estádios do mundo inteiro. Por todos os cantos, ecoa um "olelê, olalá...", explodindo os corações na maior felicidade.

As disputas nas quadras são sempre dramáticas, carregadas de tensão. As alas de compositores se fortalecem, na busca do meu melhor para representar seus respectivos pavilhões. Após tantos cortes e dezenas de concorrentes, o resultado final ora é comemorado, ora é lamentado. Houve obras minhas derrotadas que, antigamente, eram regravadas por sambistas renomados e algumas fizeram muito sucesso. Pena que, hoje em dia, nem sempre o meu melhor triunfe, pois as escolas buscam premiar atualmente parcerias de melhor poder aquisitivo. E alguns enredos patrocinados limitaram minhas letras, com algumas delas tendo merchandisings inseridos. Por conta disso, minha qualidade poética e melódica decaiu nos últimos anos. Pelo menos a Internet ajudou a propagar tantas obras que, outrora, mergulhariam eternamente no limbo do esquecimento... além, é claro, de me proporcionar a oportunidade de aparecer também nesta folia via web, o Carnaval Virtual. Sinal dos novos tempos!

Assim me tornei a trilha definitiva de uma escola de samba. Ao som do apito, o mestre de bateria rege a sinfonia da ópera carnavalizada, comandada por guerreiros que me dão o ritmo. O cavaquinhista acerta meu tom e o intérprete, juntamente com seus cantores de apoio, me sustentam durante todo o desfile. Aliás, a minha voz oficial passou a ser denominada "intérprete", desde quando Jamelão, o mais belo timbre de meu gênero, qualificou como pejorativo o termo "puxador". Antigamente não havia tantos cantores no carro de som como se têm hoje. Louvo também os diretores de harmonia, responsáveis pelo embalar de meu canto.

Sou o porta-voz da garra, da harmonia e da apoteose do Carnaval. Todos os anos passo e deixo a minha marca no coração de cada folião. Sou o brado de uma gente guerreira, otimista e festeira. Sou a pureza em forma de canção. Sou a explosão de alegria.

Eu sou o samba-enredo.

Oh, melodia! Oh, melodia triunfal! Sublime festa de um povo, orgulho do nosso Carnaval. (Mangueira - 1968)

Autor do Enredo: Marco Maciel