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Sinopse São Clemente 2008

O Clemente João VI no Rio: a Redescoberta do Brasil... (São Clemente - 2008)

Sinopse

Para valorizar por via popular, a celebração dos 200 anos da chegada da Família Real ao Brasil, o Prefeito da cidade do Rio de Janeiro encomendou, e a São Clemente aceitou fazer uma Entrada Régia ou Desfile Triunfal sobre o período Joanino: “O clemente João VI no Rio: a redescoberta do Brasil...”

(“Entrada Régia para Sua Alteza Real D. João VI, de cognome O Clemente, na Corte Cari-Oca da Marquês de Sapucaí, porque Deus é brasileiro, ora pois pois...”)

E vamos fazê-lo no molde muito popular no tempo da Família Real no Brasil, já deveras publicado em 1747, pelo arquiteto e engenheiro do Rei de Franca, Monsieur Anèdèe François Frezier, na mui respeitável obra “Tratado dos Fogos de Artifício para Entrada Regia”, a quem o Carnaval Carioca muito deve, pois segundo o autor, o “desfile-espetáculo bem concebido, tem que satisfazer o espírito e o olhar; por isso, alem do talento dos pirotécnicos, deve haver o apoio dos arquitetos, pintores, escultores e sobretudo por pessoas de Letras (o caso deste que vos escreve, Milton Cunha), que sabem apresentar de um modo agradável os temas objetos das festas , utilizando acontecimentos históricos e invenções da fabula, animando-os através de emblemas, divisas e inscrições”.

A partir daí, urge saber que há notícia de deslumbrantes Entradas Régias (Joyeuse Entrée) na Europa deste tempo, verdadeiros festivais de arte efêmera, nas quais o brilho e a ostentação dos cortejos terrestres, com ruas engalanadas por arcos de triunfo, panejamentos, e cortejos aquáticos, com o transporte fluvial e todos os  demais atavios inerentes, ambos iluminados pelos fogos de artifício, constituiram-se (e voltam à moda, agora) “nos mais significativos conjuntos de festividades laicas, pela brilhante magnificência produzida para afirmação política através da arte efêmera, afirmação de temas como o bom governo, a justiça eqüitativa do príncipe, a exaltação dinástica, a legitimação da figura do rei, e a celebração das virtudes dos soberanos, sempre com soluções cenográficas”.

E já que a Monarquia é um teatro, e o Carnaval também é uma arte efêmera,

Prólogo:

Toda a Entrada Régia aqui apresentada, é meio tãn-tan, produto da loucura de uma mãe, primeiríssima em devaneios lúdicos. Esta Maria “vai com as outras”, era atormentada por Napoleão; pelo amor imensurável ao seu pimpolho, miúdo regente e futuro grande monarca,; e pelo temor de perder a coroa e o que era pior, a cabeça (pois ouvia falar de uma rainha francesa que.... bem, deixa pra lá).

Um:

Abrimos com A Pirotecnia das Bodas, quando aconteceu o artifício dos fogos, que desenhou as Safiras Azuladas no céu português, durante o casamento de D. João, Príncipe Regente, homem brando e sagaz, precavido e por vezes impulsivo, muito afável, mas também obstinado, Orgulho da Casa dos Braganças, com a Infanta Carlota Joaquina, orgulho da Casa dos Borbouns. Foi nesta noite que os sábios cientistas da Universidade de Coimbra fizeram cintilar em 1785, através de revolucionária e originalíssima técnica (já que apresentada pela primeira vez em Entradas Regias), a Pirotecnia com Gás Inflamável.

Sendo a mais efêmera das artes efêmeras, pelo caráter não palpável, fugaz e quase sobrenatural, os fogos eram espetáculos com características próprias, ao mesmo nível de teatro, com aspecto profano de encenação. Era um espaço de liberdade criativa, já que, depois de recolhida a procissão para a igreja, era acompanhado de tambores, atabales e charamelas.

Dois:

Em seguida vem o Carro do Triunfo “1808, A verdadeira Descoberta do Brasil! Chegou quem estava faltando”, com o desembarque dos sangue-azul, no Império dos Sangue-bom, os Cari-Ocas. Desembarcando no Rio aos oito de março, junto com a Família Real chegaram, além de todo o tesouro português (pratas, jóias, louças, roupas, livros, manuscritos, mapas, etc), cerca de quinze mil pessoas da aristocracia, que traziam na bagagem, para deixar de herança para esta terra de orgulhos, o orgulho lusitano.

Eram 8 naus, 3 fragatas, 2 brigues, uma escuna e uma charrua de mantimentos, além de 21 navios comerciais. A mudança da sede da monarquia portuguesa para a sua colônia americana era um assunto recorrente nas discussões da Corte e sua vinda para as terras do carnaval, foi uma inteligente e feliz manobra política de D. João. E, graças a São Jorge Guerreiro, acabou com três séculos de atraso para o Brasil. Os recém-chegados eram um povo bem diferente, pessoas meio esquisitas, e todas “sissi” (se sentindo).

A corte enfeitada, encontrava engalanadas flora e fauna, numa quase-mata deslumbrante, e encontrava um povo isoneiro numa quase-cidade impressionantemente modesta (só 46 ruas, 4 travessas. 6 becos e 19 largos, e o que é pior, sem padaria, sem padaria...), que ainda tinha muito por crescer e aparecer, mas já se sentia a mais charmosa da Colônia. Era a verdadeira descoberta do Brasil, que estava então, começando a entrar no mapa. Como se não bastassem índios e negros, abriam-se alas para a portuguesada... Os moradores da Rua do Rosário e da Rua Direita receberam aviso para ornarem a frente das suas casas com colchas e para alcatifarem as ruas com areia, folhas e flores no caminho para a catedral. O Rio de Janeiro celebrou com oito dias de luminárias a chegada de D. João.

Três:

Tudo de bom! Chafarizes, pontes, calçadas, estradas, iluminação publica, aparência das casas, limpeza das ruas, mercados, matadouros, festas públicas, tudo a cargo da Intendência da Polícia. Mas Entrada Régia sem Palácio não dá, pois o povo gosta é de luxo (e parece que os monarcas também), portanto despachem-se: é hora de irmos todos aos Panejamentos, florais e esculturas do ritual do Beija-Mão no Palácio de São Cristóvão, um casarão sobre uma colina, da qual se tinha uma boa vista da baía de Guanabara, o que fez o Príncipe-Regente exclamar: “tão belo como este, lá não há” e decidiu transformá-lo em Residência Real, já que o comerciante “mui amigo” português, Elias Antonio Lopes, como manifestação de suas boas vindas à Corte,doou a sua propriedade ao Príncipe-Regente D. João. Tão querido, o Elias! Uma felicidade, tudo acontecendo na hora perfeita. A área da Quinta estava cercada por manguezais, o que fazia com que a comunicação por terra com o Rio de Janeiro fosse difícil, mas não impossível. Rapidamente (Príncipe-Regente que se preze é bem rápido), os trechos alagadiços foram aterrados e os caminhos por terra melhorados. Imagina se eles iam patinar na lama? Nem pensar... Quem gosta de miséria é intelectual, não Corte. Mas como todos gostam de sexo, a miscigenação foi total, já que não existe pecado do lado debaixo do Equador.

Quatro:

Como navegar é preciso, das águas límpidas da Baía de Guanabara, emergem Os portos abertos às Nações Amigas, o segundo momento flutuante desta Régia Entrada. A política administrativa de D. João, visava implantar um Império que demonstrasse poder, exibisse prestígio e garantisse segurança aos seus súditos. Resumindo, pelo mar chegava o sonho de um Império luso-americano, com sede no Rio de Janeiro. Tudo aconselhado pelo Conde de Linhares, o Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, que entre os ministros era uma estrela, o mais com a cara do Brasil: cheio de idéias mirabolantes, querendo fazer tudo de uma vez só. Esta parte do espelho d"agua (dos Portos e do Linhares), é vigiada de perto pela Academia Real dos Guardas-Marinhas, atuais Fuzileiros Navais do Brasil (o nome vem da arma que estas forças usavam inicialmente, o fuzil), descendentes do Terço da Armada da Coroa de Portugal. Todo esta capacidade e poder militar garantiam a pretensão de expandir as fronteiras. Sabe o Oiapoque? Coisa do João. Depois ele foi pro Chuí...

Cinco:

Nas ruas, areias coloridas, flores espalhadas, bandeirolas, obeliscos, pirâmides, e arcos do triunfo davam ao Rio de Janeiro um aspecto inesperado e até improvável. Com tantos elementos, a corte portuguesa, passageiramente estacionada nos trópicos montava um cenário nunca visto. No Palácio do Rio de Janeiro, aos dezesseis de dezembro de mil oitocentos e quinze, pompa e circunstância, neste momento muito chique pro Brasil: afirmada sua unidade, o país deixava de ser colônia e virava integrante do Reino-Unido.

Mas além disso, elevando sua nova morada de vice-reinado colonial para a categoria de reino autônomo, João também colocava mais uma denominação em seu título, que já não era pequeno. Agora, ele era, pela Graça de Deus, Príncipe-Real-Regente de Portugal, Brasil e Algarves, daquém e dalém-mar; senhor da Guiné, em África, e senhor da Conquista, Navegação e Comércio, na Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia. Ufa! Com um nome destes, pra quê este quinto momento da Entrada Régia? Nem precisava desta encenação das Companhias Dramática, de Canto e Dança do Real Teatro São João. Mas que o Rio virou a capital desta imensidão toda, lá isto é verdade. A sede do vasto Reino Unido era aqui. Ta bom ou quer mais?

Tem mais.... as melhorias militares, administrativas, culturais e urbanas realizadas por D. João são um verdadeiro trabalho de aformoseamento do Rio de Janeiro. Ele tomou um “banho de loja”.

Seis:

Gente de todas as cores transformavam a vida carioca num contínuo verão. Esta nossa “vocação para o turismo” vem daí: das Missões artísticas e outras viagens pitorescas. Eram pessoas que desembarcavam de todas as partes do mundo, e o Rio passou a ser um ponto de encontro dos estrangeiros que achavam os cariocas “tão bonzinhos…”.  Idéias e coisas de outros lugares circulavam por aqui pois nunca o Brasil parecera tão atraente aos olhos de cientistas e viajantes de todo o mundo, como nos anos em que a corte portuguesa esteve entre nós. Maravilhas naturais promoviam o desenvolvimento.

A vinda da Missão Francesa foi negociada pelo Conde da Barca, e chegou ao Rio em 1816. Ulalá, cherry! Arrasô no bocú (arrasou no beaucoup). Dentre seus vários e ilustres integrantes estavam: Joachin Lebreton (Nesta Entrada Regia representado por Ricardo Almeida Gomes), que tinha sido secretário da Classe de Belas Artes do Instituto de França e era considerado o chefe do grupo, Jean-Baptiste Debret (aqui representado por Fábio Santos), "pintor de história"; Nicolas Antoine Taunay (aqui representado por Edward Moraes), designado apenas como pintor; Auguste Taunay, escultor; e o arquiteto Grandjean de Montigny (nesta Entrada Regia interpretado por Mauro Quintaes), ao qual se devem projetos arquitetônicos e urbanísticos em escalas até mesmo ousadas e, através do ensino acadêmico, a oficialização do neoclassicismo, formando discípulos que a este dariam continuidade. Grandjean elaborou vários projetos para o Rio de Janeiro, contando-se, o da sede da Escola Real das Artes, da Primeira Praça do Comércio e os de ornamentações de rua para festejos oficiais. Eles eram os "amigos do rei".

Sete:

As damas cobertas de pedraria, a música do gênio nacional, o padre mulato José Maurício, tudo fazia dessa corte um espetáculo à parte, um "carnaval perpétuo", pronta para protagonizar nos últimos anos de Brasil, A aclamação do Rei e suas despedidas saudosas.  Pois aos seis de fevereiro de mil oitocentos e dezoito, acontece a festa de Coroação de D. João VI como rei do Reino-Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

Um rei que soube combinar dois predicados: um de caráter, a bondade, e outro de inteligência, o senso prático de governar. As festas duraram vários dias. Havia luminárias, fogos de artifício, cavalhadas, encamisadas, corridas de touros, cortejos e desfiles, arrumação de tropa. os carros e danças foram ainda mais requintados. O corpo do comércio contribuiu com um carro de triunfo à romana. Um outro carro representava "o triunfo do Rio de Janeiro. A descrição minuciosa desses festejos passaram a ocupar páginas e páginas da Gazeta do Rio de Janeiro, o primeiro periódico a circular no Brasil. Mas como nem tudo é festa nesta vida, é chegada a hora da partida, repleta de lirismo.

Triste ao saber que ía se tornar o Rei de Portugal e deixar o Rio de Janeiro, dizem que João chegou a chorar, e para o destino, ingrato, disse: “dei-te uma sardinha e recebi uma tainha...”. Deixando um Brasil maior do que encontrara., o grande monarca dos laços de união Luso-Carioca, dizia adeus à cidade que mais se transformara durante sua estada, virando a metrópole do Brasil, e cuja população manteria para sempre uma calorosa afeição pelo rei e seus descendentes; a cidade que ele escolhera para ser sua; a cidade que lhe dera abrigo no momento de aflição; que fora transformada em vitrine do progresso, preponderante palco de grandiosas cerimônias; agora triplicada, pois são 150 mil habitantes na despedida emocionada.

No cais, além de sua maior e melhor herança, o jovem Pedro I, vejam, tomados de melancolia, os chapéus, luvas, leques, flores artificiais, perfumes, sabonetes, biombos, cofres, espelhos, bibelôs, papel de parede, quadros, escrivaninhas, instrumentos musicais, relógios de parede, móveis requintados, licores, livros, brinquedos, carruagens, seges, traquitanas, cabeleireiros, costureiras, aluguéis caríssimos, livrarias, joalherias, tabacarias, confeitarias, casas de pasto, hotéis, hospedarias, frangos-assado, champagnes, chácaras, e palacetes, que acenam para o vulto majestoso na proa da embarcação, já de costas para o Catete, Botafogo, Igreja do Carmo e Largo do Paço. Rumo à velha Europa, João, sucessivamente Duque de Bragança, Príncipe do Brasil, Príncipe Regente de Portugal, Príncipe Real do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, Rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, Rei de Portugal e Imperador Titular do Brasil, nunca mais verá as luxuosas procissões vigorosas de juventude, seus banhos de mar, seu Carnaval: a festa popular negra, com os brancos entrando na folia de lançar bolas de cera, cheias de água, que agora sabemos, são lágrimas de gratidão da população ao seu eterno

D. João VI,

Rei Simpático e Gente-Boa dos Cariocas,

O Clemente clementiano de Coração,

Neste Bi-Centenário da Redescoberta do Brasil,

Nas terras de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Carnavalesco - Milton Cunha