PRINCIPAL    EQUIPE    LIVRO DE VISITAS    LINKS    ARQUIVO DE ATUALIZAÇÕES    ARQUIVO DE COLUNAS    CONTATO

Solano das Artes

ENREDO 2012

Solano das Artes

AUTOR: Milton dos Santos Batista Junior

O GRESV Sereno de Cachoeiro apresenta em 2012 o enredo "Solano das Artes", uma justa homenagem ao poeta, folclorista, ator e artista plástico Solano Trindade, um brasileiro que lutou incessantemente pela valorização da cultura popular, em especial a de raiz afro-brasileira.

Negro, filho do sapateiro Manoel Abílio e da quituteira Emerenciana, Solano nasceu em Recife no dia 24 de julho de 1908. Ainda criança acompanhava o pai na dança do bumba-meu-boi, do pastoril e do maracatu. Sua mãe lhe ensinou o gosto pela literatura de cordel e poesia romântica.

Em 1930 começa a sua militância pela igualdade, escrevendo seus primeiros poemas de temática afro. Em 1934, numa época marcada pela releitura da questão racial, motivada pela publicação de Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, participa do I e do II Congresso Negro de Salvador, na Bahia. Dois anos depois funda a Frente Negra Pernambucana e o Centro de Cultura Afro-Brasileiro.

Solano morou em Belo Horizonte, em 1940, e depois em Pelotas, no Rio Grande do Sul, onde fundou o Grupo de Arte Popular, com o poeta Balduíno Oliveira. Ali lançou a semente de um teatro novo, baseado na cultura e arte popular. Infelizmente, uma enchente destruiu todo o material do grupo. Solano não desistiu e foi para o Rio de Janeiro. Lá ele passa a freqüentar o Café Vermelhinho, reduto de poetas, jornalistas, atores de teatro e intelectuais de esquerda. Suas idéias fazem sucesso e Solano então se filia ao Partido Comunista. Em 1944, publica seu livro "Poemas de uma vida simples", onde se destaca seu famoso poema "Tem gente com fome" (Trem sujo da Leopoldina), , musicado e gravado pelo grupo Secos e Molhados, sendo censurado pelo regime militar, sendo regravada por Ney Matogrosso em 1980. Solano chegou a ser preso pelo governo Dutra. Saiu da prisão mais fortalecido, apesar dos olhos tristonhos. E continuou a semear sonhos.

Atuou em peças de teatro de grande sucesso, como "Orfeu da Conceição". Como ator, trabalhou nos filmes "Agulha no Palheiro", "Mistérios da Ilha de Vênus" e "Santo Milagroso". Fundou o Teatro Experimental Negro, atacado pela elite nordestina, e o Teatro Popular Brasileiro, que levou para a Europa um teatro cheio de música, poesia e cores, com influência das danças populares, como o Maracatu. Com o TPB, Solano denunciou o racismo e fez da arte uma forma de faze o mundo ouvir a voz do negro brasileiro.

De volta ao Brasil, Solano é convidado pelo escultor Assis a se apresentar na cidade de Embu, no estado de São Paulo, para onde leva todo o seu grupo. Solano se apaixonou pela cidade e se muda para lá, transformando sua casa em ponto de acolhida para artistas de vários lugares que para lá se dirigiam. Juntos criam a feira de artesanato que revolucionou a cidade. A feira cresce e a arte se espalha pelo Embu: artesãos, pintores, escultores, cantores, poetas, artistas de rua... o Embu acolhe a todos na pessoa de Solano.

Com o passar dos anos, vão-se os amigos e o TPB acaba por falta de incentivos. Solano fica só com sua poesia, vindo a falecer em 1974, pobre.

Ficaram seu exemplo de luta, força, fé e sua arte que ecoa nas mais diversas manifestações, no grafite, no rap da periferia (Solano é considerado o primeiro "mano", termo que usou em seu poema "Conversa"). Ecoa na arte negra sua voz.

"Olorum Ekê
Olorum Ekê
Eu sou poeta do povo
Olorum Ekê

A minha bandeira
É de cor de sangue
Olorum Ekê
Olorum Ekê
Da cor da revolução
Olorum Ekê

Meus avós foram escravos
Olorum Ekê
Olorum Ekê
Eu ainda escravo sou
Olorum Ekê
Olorum Ekê
Os meus filhos não serão
Olorum Ekê
Olorum Ekê "

SINOPSE

"Sou Negro
meus avós foram queimados
pelo sol da África
minh'alma recebeu o batismo dos tambores atabaques, gonguês e agogôs

Contaram-me que meus avós
vieram de Loanda
como mercadoria de baixo preço plantaram cana pro senhor do engenho novo
e fundaram o primeiro Maracatu.

Depois meu avô brigou como um danado nas terras de Zumbi
Era valente como quê
Na capoeira ou na faca
escreveu não leu
o pau comeu
Não foi um pai João
humilde e manso

Mesmo vovó não foi de brincadeira
Na guerra dos Malês
ela se destacou

Na minh'alma ficou
o samba
o batuque
o bamboleio
e o desejo de libertação..."

...E foi assim que se firmaram minhas raízes vindas de além mar para o Leão do Norte. Lá ritmei meu coração com os tambores do Maracatu, brinquei de boi e cantei pastoril de mãos dadas com meu pai. De minha mãe peguei o gosto da literatura, do cordel, da poesia e do lirismo das antigas cantigas. Numa colorida ciranda, as cortinas da arte popular se abriam diante de meus olhos de menino-rei. Pintei com cores vivas a aquarela de lutas de meu povo que, mesmo sofrido, sabe transformar seu prantoem poesia. Desdemenino, aprendi a amar este chão e honrar a minha cor.

"- Eita negro!
quem foi que disse
que a gente não é gente?
quem foi esse demente,
se tem olhos não vê..."

Sim, ninguém nos dava valor, nem nós mesmos. Surge em minha alma a sede por respeito por minha gente, minha cultura e minha cor. Eita, negro! Levanta! Vamos mostrar para esse povo que temos voz, sabedoria e dignidade para discutir de igual para igual com os "intelectuais".  Negra luta! Negro canto! Negra arte!

E lá vou eu rodar meu país. Em cada canto que passei semeei o orgulho da raça, a força da arte popular com sua riqueza e beleza. Fui à Bahia, pras Gerais de Aleijadinho e Chico Rei, e rodei pelos Pampas. Fui dos palcos às praças, onde estava o povo para mostrar a ele sua face no espelho.

Com andar manso, e olhar confiante, cheguei ao Rio de Janeiro. Andei em meio ao povo e conheci a boemia. Fiz samba, desfilei em Escola, recebi os aplausos na Avenida, colori de vermelho meu ideal. Ah, noites no Café Vermelhinho, onde conheci mais gente a favor da liberdade e igualdade! Comunista! Vi a gente sofrida espremida num vagão de trem:

"Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome "(...)

Mas o freio de ar
todo autoritário
manda o trem calar
Psiuuuuuuuuuuu

Calar? Não me calei, mesmo frente à dor e a censura dos anos cinza-verde oliva. Violência, prisão... meus olhos tristonhos ficaram, mas a alma, essa sempre foi livre. Quem sabe um dia, poderei usar uma "gravata colorida", quando eu tiver bastante pão para meus filhos, para minha amada, meus amigos e vizinhos...

Pintei em cores vivas a arte do meu povo, fui Orfeu Negro, descido do Olimpo para os morros encantar com minha lira os palcos da vida. Brilhei na grande tela em uma "Terra em Transe", imortalizado pela sétima arte. Levei dança de preto e pobre para o Velho Mundo, fui aplaudido pela gente fina de Paris.

De volta ao meu país, fui para a Terra da Garoa e de um dia me chamaram para levar meus amigos e minha arte para as terras do Embu. De lá não saí mais. Minha casa simples eu abri para ser refúgio dos artistas, onde qualquer um encontraria lugar pra dormir e comida pra comer. A Arte ganhou as ruas e transformou o lugar. Hoje, a arte afro-brasileira tem o seu lugar na dança de rua, nos muros coloridos e na música dos jovens. Dizem que fui o primeiro mano do rap. Será? Bom, quem quiser saber, leia meus poemas para uma vida simples e ouça os cantares do meu povo. Plantei minha semente e sei que ela já cresceu e frutificou, em cada comunidade, em cada gueto e nos novos Quilombos. Fiz minha parte sem pedir nada em troca: "Devolver ao povo em forma de arte"

Quanto a mim..."Estou conservado no ritmo do meu povo. Me tornei cantiga determinadamente e nunca terei tempo para morrer.