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Laíla de todos os Santos, Laíla de todos os Sambas (Beija-Flor - 2025)
Laíla de todos os Santos, Laíla de todos os Sambas
(Beija-Flor - 2025)



INTRODUÇÃO / JUSTIFICATIVA

“Veje bem”,

A importância do Laíla para o Samba e o Carnaval é indiscutível. Foram sete décadas de dedicação à Cultura Popular Brasileira, e certamente os desfiles das Escolas de Samba não seriam o que se tornaram sem a visão e a sagacidade dele.

Registrado Luiz Fernando Ribeiro do Carmo, Laíla é o nome artístico adotado pelo sambista, cantor, compositor, carnavalesco, diretor e produtor musical autodidata que ascendeu ao status de baluarte.

O apelido de infância tem origem na dificuldade em pronunciar a fruta cítrica como o seu temperamento: do apreço por laranja, puro suco de Laíla. Ácido, polêmico, intenso, autêntico, competitivo, debochado, sacana, desbocado, teimoso, impulsivo, explosivo, pacificador, ambíguo, dual, generoso, ranzinza, multifacetado, divino, humano, visceral, genioso e genial.

Os valores pessoais do indivíduo se fizeram presentes, influenciaram e se desdobraram nos trabalhos do Mestre do Carnaval, que bradou por tolerância religiosa ao professar a Fé em Deus e ao reverenciar a força do Axé dos Orixás e das crenças de matrizes africanas; foi pioneiro ao reivindicar o lugar de fala e o protagonismo do povo preto na construção da identidade histórico-cultural miscigenada do nosso país; fez da Arte, protesto e manifesto para denunciar as mazelas oriundas da desigualdade social covarde e atroz.

A sensibilidade enraizada, o raro dom da audição apurada, a musicalidade extraordinária revelada através da aptidão genuína para conduzir musicistas, ritmistas e componentes; mentoria que é referência até mesmo para adversários e oponentes.

Se por definição artífice é “aquele que se preocupa com o trabalho bem feito por prazer”, ao defender pavilhões de diversas Agremiações, imprimiu a sua digital em todas as bandeiras que empreendeu, ávido por superação, novidade, revolução, sempre com “a cabeça a mil, a milhão”.

Quem diria que o moleque atrevido, cria do morro, guri que a família queria que fosse gari, chegaria tão longe… Predestinado, venceu demandas e campeonatos, deixou vasto legado e consagrou-se o maior detentor de títulos da história do Carnaval.

Gente que se faz muito presente, quando se vai, deixa um vazio enorme… É chegada a hora de matar a saudade e homenagear o Maestro regente de nossa gente, cientes de que de seus ensinamentos, somos todos sementes!

SINOPSE

Peço licença para buscar o melhor caminho ao revisitar a história e reviver a trajetória vitoriosa de um bamba.

Kaô Kabecilê, Xangô Menino da Pedreira de Salgueiro! É o brado da aldeia nilopolitana, evocando o Deus do Trovão, do alto de seu trono, a fazer justiça com o seu machado, pelo reconhecimento do seu real valor. Sopram os ventos de Oyá, trazendo alento à memória do filho nascido do ventre de Dona Corina, e renascido em Orixá.

Da conexão com a regência do Ori e da reverência à ancestralidade de matrizes africanas, a Fé sincrética como guia, que ia muito além dos muitos colares de fios de contas carregados em volta do pescoço; a convicção inabalável de que primeiro a gente coloca o pé, depois o Sagrado coloca o chão.

De joelhos dobrados e mãos impostas, o Amor devocional à Deus sobre todas as coisas em harmonia com o respeito aos rituais e preceitos, oferendas, mandinga e feitiçaria. O clamor por diretrizes, bênçãos e proteção refletido nos amuletos, patuás, balangandãs e santinhos de devoção; misticismo em sintonia com os Caboclos e a energia de cura da mata; o sortilégio da magia cigana; a pureza e a doçura dos brincantes Ibejis; a sábia experiência resiliente no aconselhamento dos Pretos Velhos aos seus “fios”.

Comandante do exército quilombola da Pequena África situada na Baixada Fluminense, sempre enalteceu a africanidade latente do berço de nossas raízes e a potência do Povo Preto; e com a bravura de um leão movido pela coragem de agir com o coração, deu voz aos descendentes da nobre dinastia do continente de onde vieram os nossos antepassados. Sabedoria que valida o protagonismo da negritude e a resistência dos excluídos invisíveis aos olhos insensíveis relegados a margem da sociedade.

Prodígio com o dom de um ouvido absoluto – habilidade fenomenal que é a percepção singular da musicalidade, tinha a música clássica como fonte de inspiração e estudo para o aperfeiçoamento de seu talento exacerbado. Da expertise em conseguir extrair sons diferenciados utilizando apenas latas como instrumentos e pedaços de gravetos como baquetas, construiu a sua vivência na música de maneira absolutamente autodidata.

Dirigente com o pleno domínio “da rítmica e da métrica”, promovia encantamento ao orquestrar com maestria o refinamento harmônico e melódico de quem carregava percepção fulminante no olhar. Encontro afinado entre tambores e tribos, vozes, cordas e percussão; da labuta com a batuta, a costura de memoráveis arranjos e junções, e a perfeita simbiose entre o erudito e o Batuque popular.

Ao defender pavilhões de diferentes cores, emblemas e regiões, inseriu o lúdico através de suas projeções: emprestou a voz para contar lenda e assombração no reino encantado da imaginação do rei mimado; atuou na batalha do bem contra o mal, odisseia do herói valente versus bicho ruim, monstro maldito; driblou a tristeza com a folia e se esbaldou de brincar na festa da alegria; aspirou ser astronauta no mundo da lua; se reencontrou com as memórias da infância de gente humilde, e viu a favela descer o asfalto num canto de liberdade por um novo amanhã, na ânsia pela felicidade de ver um Brasil melhor para os filhos dessa Mãe gentil.

Se Escola é o lugar onde se adquire aprendizado, através da oralidade, deixou incontestável legado; expressivo conhecimento para que gerações futuras escrevam um novo começo. Uma revoada de beija-flores num voo de volta para nós mesmos, a rodopiar pelos ares, um cortejo de altivos foliões na Avenida onde os sonhos ganham vida.

Em meio a toda a magnitude da sua obra, a ousadia e a nobreza de colocar o elemento humano em primeiro lugar imprimiu a identidade do líder nato na nossa aguerrida Comunidade. De tudo o que foi edificado ao longo da carreira, o chão da Escola é o seu maior troféu; o nosso trunfo para o triunfo.

Para ele e por ele, a gana de reacender o rolo compressor; o coro da nação cantando alto e batendo no peito, reivindicando respeito com a mesma paixão insana daquele que nos ensinou o tanto que há de sagrado nessa festa dita profana.

E num gesto de gentileza embebido de significado, a sutileza do sentimento de conciliação promovido através do desabrochar das pétalas de rosas brancas exalando paz no festival de prata em plena pista.

A ascensão celestial de Joãosinho Trinta e Laíla em comunhão, o Mago e o Griô, reencontro de bambas no plano espiritual a olhar por nós; o Orum em festa sincopada com o Ayê, o gurifim da coroação reconstruindo um momento antológico do Carnaval. Laíla de todos os santos, Laíla de todos os Sambas; um tributo com sede de vitória, de encontro a redenção.