Sinopse Bambas Sambario 2009
“BEZERRA
DA SILVA – UM PRODUTO DO MORRO PROVA E COMPROVA SUA
VERSATILIDADE”
“Alô
malandragem! Se liga pra não dar mole à Kojak! Quando os homens
da lei grampeia, o couro come toda a hora, amizadi”.
(Introdução dita por Bezerra da Silva no samba
“Malandragem dá um Tempo”)
JUSTIFICATIVA
O G.R.E.S.V. Bambas Sambario estreará no carnaval virtual
levando para a Passarela João Jorge Trinta a história de um
brasileiro: José Bezerra da Silva. Partideiro indigesto sem nó
na garganta, foi um autêntico porta-voz do morro. As injustiças
na favela eram denunciadas com irreverência, na base de um
partido alto nota 10, samba da melhor qualidade. Já diria o
partideiro da pesada, que se orgulhava do “nada consta”
em sua ficha policial: “Se não fosse o samba, quem sabe
hoje em dia eu seria do bicho”. Afinal de contas: malandro
é malandro e mané é mané!
SINOPSE
O PREÇO DA GLÓRIA - Natural de Recife, o
menino, abandonado pelo pai e criado pela mãe na capital
pernambucana, sempre teve gosto pela música, sendo um grande
tocador de zabumba. Porém, sua prática era proibida por sua
família, com quem tinha seguidos conflitos. Após se desencantar
com a Marinha Mercante, viajou clandestinamente no porão de um
navio rumo ao Rio de Janeiro, sendo descoberto quatro dias depois
pelo comandante. A partir de então, não seria mais José e sim
Bezerra, de modo a se distinguir de tantos josés da silva vindos
do Nordeste.
“Eu sou
aquele que chegou do Nordeste pra tentar
Na cidade grande, minha vida melhorar”
(Música “O Preço da Glória”)
Bezerra se instalou no Morro do
Cantagalo, o popular “Morro do Galo” que sempre seria
exaltado em seus sambas. Vivendo em barracos, exercia o ofício
de pedreiro. Anos depois, chegou a viver um período de
dissabores, em que, como mendigo, viveu na rua das amarguras sem
ter nada pra comer. Para ele, o preço da glória foi doloroso e
cruel, pois “comeu o pão que o diabo amassou e em seguida
uma taça de fel”, fruto amargo das seguidas prisões
injustas que sofrera.
Neste meio tempo, se converteu à umbanda, que lhe salvou a vida
e lhe proporcionou novos e áureos caminhos. Na gíria
umbandista, Bezerra “só batia cabeça pra vovó”, pois
sempre estava “zero a zero com o vovô”, não devendo
nada a ele. Afinal, seu pai era general de umbanda. Após anos
dormindo na sarjeta, Bezerra da Silva estava se formando na
universidade do mundo.
Entre tantos trabalhos que realizou como instrumentista, Bezerra
gravaria seu primeiro compacto em 1969, com as músicas
“Essa Viola é Testemunha” e “Mana, Cadê meu
Boi” (esta última reapareceria no álbum gravado em 1993
por Bezerra). No ano seguinte, gravaria o LP “O Rei do
Coco”, porém lançado apenas em 1975. “O Rei do Coco,
volume 2” seria gravado em 1976. Estes dois discos, que não
obtiveram tanto sucesso, tinham como característica este gênero
musical nordestino: o coco.
“Graças
a Deus, consegui o que eu queria
Hoje estou realizado
Terminou minha agonia”
(O Preço da Glória)
É ESSE AÍ QUE É O
HOMEM - O caminho para o sucesso começaria a ser
trilhado em 1977, quando Bezerra gravou, junto com Genaro
Soalheiro, seu primeiro disco de samba: “Partido Alto Nota
10, volume 1”. Os volumes 2 e 3 de “Partido Alto Nota
10” seriam lançados em 1979 e 1980, respectivamente.
Genaro, que também produziu os discos de sambas-enredo do Rio
até 1997 (um ano antes de falecer), compôs com Bezerra a dupla
5+5, cujo dueto sempre aparecia em pelo menos uma faixa nos
discos seguintes do sambista.
Seus primeiros sucessos foram “A Necessidade”,
“Malandro Demais vira Bicho”, “Malandro não
Vacila”, “Piranha”, “Dedo Duro” e
“Pega Eu”. Em “Dedo Duro”, Bezerra da Silva
desfila seu veneno de “cobra criada” contra os
alcagüetes, aqueles que entregam os irmãozinhos – que
estão efetuando o tráfico de drogas ou consumindo o produto
– para a polícia. Afinal, a lei do morro é como se fosse
um lema: “nunca vi ninguém dar dois em nada, mas se ver tá
tudo bem”. Outros sambas que falam sobre
“cagüetagem”: “Defunto Cagüete”,
“Defunto Grampeado”, “Mudo Cagüete”,
“Ele Cagüeta com o Dedão do Pé” e “Tem Coca aí
na Geladeira”.
“Fecharam o paletó do
dedo duro
Pra nunca mais apontar
A lei do morro é barra pesada
Vacilou, levou rajada
Na idéia de pensar
A lei do morro é ver, ouvir e calar
Ele sabia, quem mandou ele falar
Falou de mais e por isso ele dançou
Favela quando é favela, não deixa morar delator”
(Dedo Duro)
Já em “Pega Eu”, o
bom humor se destaca ao relatar a história de um ladrão que
fica tão chocado com a pobreza de sua vítima que resolve se
entregar.
“O
ladrão foi lá em casa
Quase morreu do coração...
(...)
O ladrão ficou maluco
De ver tanta miséria
Em cima de um cristão
Que saiu gritando pela rua
Pega eu que eu sou ladrão!
Pega eu!
Pega eu que eu sou ladrão
Não assalto mais um pobre
Nem arrombo um barracão
Por favor, pega eu!”
(Pega Eu)
Bezerra da Silva tinha a
vocação para ser intérprete de compositores desconhecidos.
Para formar seu repertório, ia nos morros e favelas cariocas
para gravar os sambas cantados nas tendas e biroscas. Com essa
prática, ampliava sua rede de relações, ganhava
respeitabilidade ao promover os compositores locais e formava um
público independente da mídia. Por conta disso, se
autoproclamava intérprete dos “verdadeiros poetas”, os
cronistas da sociedade.
A FAVELA É UM PROBLEMA SOCIAL - Quando os
discos passaram a ser lançados com o seu nome, Bezerra foi
consolidando um estilo pejorativamente conhecido como
“sambandido”, por dar a entender que suas letras
defendiam os bandidos. Na verdade, o sambista, na condição de
porta-voz do morro, sempre defendeu os habitantes das favelas,
combatendo a desigualdade social com que conviviam, tanto por
questões raciais quando pela precária situação financeira. Um
exemplo está no samba “Vítimas da Sociedade”.
“Só
porque moro no morro
A minha miséria a vocês despertou
A verdade é que vivo com fome
Nunca roubei ninguém, sou um trabalhador
Se há um assalto à banco
Como não podem prender o poderoso chefão
Aí os jornais vêm logo dizendo que aqui no morro só mora
ladrão”
(Vítimas da Sociedade)
A questão sobre a perseguição
aos líderes comunitários também é existente. Em “Meu Bom
Juiz”, Bezerra critica a prisão do traficante Escadinha,
homem respeitado e venerado no Morro do Juramento.
“Eu vi o
Morro do Juramento, triste e chorando de dor
Se o senhor presenciasse, chorava também doutor...
Ah, meu bom juiz
Não bata este martelo nem dê a sentença
Antes de ouvir o que o meu samba diz
Pois este homem nao é tão ruim quanto o senhor pensa”
(Meu Bom Juiz)
A hipocrisia dos políticos ao
usar os favelados para se elegerem não poderia faltar:
“Meu
irmão
Se liga no que eu vou lhe dizer
Hoje ele pede seu voto
Amanhã manda a polícia lhe bater”
(Candidato Caô-Caô)
É COCADA BOA -
No entanto, o humor irônico e escrachado marca presença nos
sambas de Bezerra da Silva, principalmente quando se trata da
questão das drogas. Já diria Bezerra: “eu não sou
santo”.
“Você
com o revólver na mão
É um bicho feroz
Sem ele, anda rebolando
Até muda de voz”
(Bicho Feroz)
“Para
tirar meu Brasil dessa baderna
Só quando o morcego doar sangue
E o saci cruzar as pernas”
(Quando o Morcego Doar Sangue)
“Vou apertar, mas não vou acender agora
Se segura malandro
Pra fazer a cabeça tem hora”
(Malandragem dá um Tempo)
“O delegado da área, já mandou averiguar
O que é que tem nessa cocada
Que tá todo mundo querendo provar
Mandou uma diligência só para experimentar
Eles provaram da cocada
E disseram ‘doutor deixa isso pra lá’
É cocada boa, não é
É cocada boa
É cocada boa, não é
É cocada boa"
(Overdose de Cocada)
“Me diz vovó
Me diz vovó, e tenha dó
Quem foi que botou maisena no meu pó?”
(São Murungar)
O humor matrimonial também
está presente na obra de Bezerra. Segundo a letra de “Pode
Acreditar em Mim”, a mulher inferniza a vida até do diabo.
“Eu
mandei minha nêga pro inferno
O Diabo não quis aceitar
Ele me mandou a crioula de volta
Dizendo que lá não era seu lugar
(...)
Eu mandei jogar ela dentro do fogo
E o fogo me pediu chorando:
Você vê se tira essa mulher daqui
Porque ela está me queimando
O Diabo ficou nervoso dizendo
Isso aqui jamais aconteceu
Só mandei sua mulher de volta, amizade
Porque ela é pior do que eu”
(Pode Acreditar em Mim)
Outra que sempre figura no
repertório de Bezerra é a sogra, como observado na música
“Minha Sogra Parece Sapatão” e também nas outras duas
abaixo:
“Seqüestraram
minha sogra, bem feito pro seqüestrador
Ao invés de pagar o resgate, foi ele quem me pagou
(...)
O telefone tocou uma voz cavernosa pedindo um milhão
Pra libertar minha sogra que não vale nenhum tostão”
(Seqüestraram minha Sogra)
“Muamba eu tô vendendo muamba
Muamba, olha quem vai querer muamba?
Tô vendendo barato, quem vai?
Tô levando minha sogra
Pra vender no Paraguai”
(Muamba)
PRODUTO DO MORRO
- Bezerra, que sempre exaltou os morros que lhe acolheram tanto
na vida pessoal como na profissional, se auto-define um produto
de lá.
“No
morro aprendi a ser gente
Nunca fui valente e sim conceituado
Em qualquer favela que chegar
Eu sou muito bem chegado
No Cantagalo, na linha de frente
Naquele ambiente sou considerado
Sou produto do morro
Por isso do morro não fujo nem corro”
(Produto do Morro)
É esse aí que é o homem! Onde
quer que esteja, sempre estará provando e comprovando sua
versatilidade.
Outros grandes sucessos de Bezerra da Silva:
“Colina Maldita”, “O Vacilão”, “Aqueles
Morros”, “Pai Véio 171”, “Foi o Dr. Delegado
que Disse”, “É Esse aí que é o Homem”,
“Zé Fofinho de Ogum”, “Arruda de Guiné”,
“Malandro Rife”, “Sua Cabeça não passa na
Porta”, “A Semente”, “Preconceito de
Cor”, “Violência Gera Violência”, “Filho de
Mãe Solteira”, “É o Bicho, é o Bicho”, “Se
não Fosse o Samba”, “Safado é Safado Mesmo”,
“Boca de Radar”, “Se Não Avisar, o Bicho
Pega”, “Canudo de Ouro”, “Eu sou
Favela”, “Verdadeiro Canalha”, “A Fumaça já
subiu pra Cuca”, “Vírus da Corrupção”,
“Dando Mole pra Kojak”, “Se Leonardo dá
Vinte” e “A Gíria é a Cultura do Povo”.
Texto: Marco Maciel (presidente da Bambas Sambario)
Enredistas: Marco Maciel e Gabriel Carin
Carnavalesco: Leonardo Moreira
DICIONÁRIO BEZERRA DA SILVA DE MALANDREZ
Antena – chifre na cabeça dos outros
Bater para alguém – avisar
Bicho / Cana dura / Tira / Homens / Kojak –
polícia
Boca de radar / Dedo de anzol / Dedo duro / Dedo de seta
/ Dedo de gesso / Língua de Tamanduá – delator ou
alcagüete
Corujão – curioso cagüete
Dar dois – fumar maconha
Dividida – troca de tiros com os
“homens”
Fechar o paletó - matar
GBO – Grande, Bobo, Otário
Grampeado – preso
Malandro demais – otário
Quatorze - ladrão
Sair de pinote – fugir
Sapeca iaiá - surra
Tubarão – ladrão de gravata
Um sete um – falsário
Vinte e um / Touro / Cara de boi – marido
traído
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
- VIANNA, Letícia C. R. Bezerra da Silva – Produto do
Morro. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor, 1999.
- Encarte do CD “Alô Malandragem, Maloca o
Flagrante!”, gravado por Bezerra da Silva em 1986 pela
gravadora BMG/RCA.
SITES CONSULTADOS
Clique Music - http://cliquemusic.uol.com.br
Vagalume - http://vagalume.uol.com.br
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