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Mães que Alimentam o Sagrado (Arranco - 2025)
Mães que Alimentam o Sagrado
(Arranco - 2025)



“Òrìsa bi ìyá kòsí
Òrìsa bi ìyá s’òwón”
“Orixá igual mãe não existe
Orixá igual mãe é raro”
(Dito Yorubá)
“Èṣù ṣí ọnà fún ìyá”

Exú abre os caminhos para a mãe.

Ancestralidade

No princípio, Obìnrin, te perguntaram o que tu sabias ser, respondeste: ìfẹ. E
seguiste no mundo sendo mulher, guardando o mistério da vida, cabaça capaz de gerar.
De ti, cheia de afeto, também vem o primeiro alimento, sagrado dom: mu ọmú.
No continente ancestral, mãe África, o festival Gẹlẹdẹ é uma celebração aos teus
dons. Ọkúnrin mascara seu rosto e despe seu corpo da masculinidade para fazer festa em
louvor as grandes senhoras mães.

Yèyé é senhora dos oceanos, mãe dos filhos gerados e contidos em suas águas.
Dona de Orí, ventre dos Òriṣà, foi a senhora Ìyá que guiou seus filhos pela grande
encruzilhada: dos mares até esta terra.

Mas não só Yemanjá é Ìya. Aqui nesse chão, seus filhos fazem ṣiré para louvar as
òriṣà mães: Ọṣùn, Ọya, Ọbà, Yewá, Nàná e Yemọja. Para elas são oferecidas comidas
feitas pelas mãos da Ìyágbásé, cargo de prestígio no terreiro, exercido na cozinha, lugar
de Mímọsínú. Cozinhar é domínio santo feminino, sem comida não há òriṣà. Alimentar o
terreiro é também cultuar os deuses e os antepassados.

Pluralidade

Fora do terreiro, a fé de Obìnrin move o mundo. A Mãe Baiana faz feijoada no
dia de Jorge guerreiro, ao som de agogô, repique, tamborim, surdo e pandeiro, pedindo
força para enfrentar os dragões de todo dia.

Mãe sempre roga a mãe, confia na Senhora Advogada. Ìyá com fé faz Angu para
a Senhora do Rosário, pede por seus filhos, na prece ao som da congada para a mãe que
olha pelos pretos. Com fé vai à beira-mar em procissão, pedir à Senhora dos Navegantes
para cuidar dos seus, na ida e na volta. Segurança e boa pesca, alimento e fartura.

Mulher do Tacacá ocupa a rua todo dia para vender a iguaria. Na festa da Mãe
Nazaré olha com fé as romeiras e os romeiros que passam segurando a corda da Senhora.
Mãe no Brasil acredita nas origens dessa terra. Confia na fé de Iaçã, a indígena que
abraçou o sofrimento de perder a filha para descobrir a palmeira do Açaí, fruto que
alimentou sua aldeia.

Terra de Fé esse Brasil… A raiz indígena do nosso solo, chamada “Pão da Nossa
Terra”, conhecida por diversos outros nomes, alimenta tanta gente. Conta a lenda
originária que a mandioca nasceu da tristeza da mãe de Mani em meio a perda de sua
filha, do seu choro velado na oca, nasce a Mani-oca – Mandioca.

É lá na Bahia de São Salvador onde os filhos e filhas dessas mães saem em dia de
Carnaval, ao toque do Ìjẹṣà, oferecendo pàdé para Bara, em celebração à vida que vem
dessas Ìyá.

Por todo o Brasil se faz festa e quando chega o mês de junho não há como esquecer
os meninos do sertão: Antônio, João e Pedro. Aos três santos as mães cozinham diversas
iguarias com o milho, herança indígena, alimento que fortalece o corpo e cura o espírito.
Brasil das mães guerreiras, benzedeiras, mandingueiras que saúdam a vida aos pés
do umbuzeiro, a árvore da esperança. A crença delas em dias melhores guia sua busca por
uma vida mais próspera. Mulheres que pedem com fé são atendidas. Súplica de mãe é
sempre concedida.

Resistência

Mãe que ara a terra, planta sementes e colhe não só os frutos e verduras, colhe
esperança. Ganha a vida vendendo na feira, trocando no mercado e sorrindo em casa. Não
desiste de manter seus filhos saudáveis, mesmo quando a esperança do alimento vem
daquilo em que ninguém vê beleza.

Mulher que luta para não sucumbir ao enlatado, não comer o processado, não
deixar de ser rainha, não perder o poder da cozinha. Comida de mãe é sagrada, saudável,
temperada com amor. Cozinha é lugar de mistério e poder, onde toda mulher pode ser.
Mãe que é chefe de família, é empreendedora, doméstica, batalhadora, que garante
o sustento sem perder a alegria. Abdica de si para cuidar dos filhos, dos pais e da casa.

Não perde a esperança de um mundo mais justo. Está sempre disposta a ajudar. Caridade
na língua é palavra feminina.

Mulher que chora pela terra, que preserva para ela seguir saudável para o plantio.
Sempre preocupada com o futuro, se pergunta diariamente: A terra seguirá alimentando?
Ela precisa mesmo de um cuidado materno.

Mãe é a fonte do primeiro alimento: amamenta e acalenta. Mas a mulher só precisa
ser mãe se quiser. Escolha que merece respeito. Muitas não podem gerar uma vida, mas
também são mães. Outras não têm útero para gerar, mas também são mães. O amor delas
é herdado da ancestralidade. Elas zelam pelos seus com sensibilidade, carinho e afeto.
Amor de mãe é dedicação, é fé e é força!

Mulheres que elegeram a Missão da maternidade, outras foram mães pelo acaso,
pelo destino, ou pela simples falta do direito de escolha. Mas a maternidade precisa ser
pensada com as suas glórias e complexidades: ser mãe é difícil.

Mães, abraçadas pelo Falcão que as cobre com um manto de amor que as faz
Senhoras. Todas podem ser Ìyá. Na Obìnrin habita também o segredo de cuidar, alimentar
e proteger. Mesmo diante das adversidades, parte delas adquirem com o tempo a
sabedoria e o discernimento para seguir nessa jornada.

Mulheres do Arranco, unidas nas alegrias e nas angústias, seguem de mãos dadas
fazendo circular uma poderosa energia que sustenta o “Chão do Nosso Terreiro”, o
Engenho de Dentro, alimentando com esperança o seu sagrado: a fé e a família.

Texto: Annik Salmon e Artur Vinícius Amaro
Pesquisa: Annik Salmon e Artur Vinícius Amaro

Agradecimentos

Agradecemos a Iyalorixá Marcia Marçal do Nascimento, Matriarca do Ilê Asé D’Oluaiyè
Ni Oyá, por abrir as portas da sua casa e dividir conosco seu amor por esse sagrado
ancestral que nos guia. A nossa Presidente Dona Diná, matriarca do chão do nosso
terreiro, por partilhar sua fé em Nossa Senhora Aparecia e seu amor por todos os que
passam pelo Arranco, que ganham em seus braços um colo de mãe sempre disposta a
acolher. Agradecemos também a Dandara Suburbana pela receptividade, a troca
proveitosa e o aceite para embarcar nessa jornada cheia de afeto. Ao Obá Abiodun
Adriano de Azevedo Santos Filho, do Ilê Axé Opô Afonjá – São Gonçalo do Retiro –
Salvador (BA), pelos conselhos sobre a ancestralidade que tanto guiaram este texto. A
Ariel Portes por somar nas encruzilhadas. E a todas as mulheres que contribuíram e que
vão contribuir com suas histórias e afetos para que esse seja um grande carnaval do
Arranco do Engenho de Dentro.

Glossário do Enredo
Obìnrin (substantivo) – Mulher
ìfẹ (substantivo) – Amor
mu ọmú. (Verbo) – Mu – Dar/ ọmú – Seio > Dar o Seio – Amamentar
Gẹlẹdẹ (Substantivo) – máscara pertencente ao culto dessa sociedade.
Ọkúnrin (Substantivo) – Homem
Yèyé (Substantivo) – 1 – Mãe; 2 – Mãezinha, uma forma carinhosa de definir as mães.
Ìyá (Substantivo)– Mãe
Orí (Substantivo) – Cabeça
Òriṣà (Substantivo) – Oxirá; 1 – Divindades representadas pelas energias da natureza,
forças que alimentam a vida na terra, agindo de forma intermediária entre Deus e as
pessoas, de quem recebem uma forma de culto e oferendas. Possuem diversos nomes de
acordo com a sua natureza; 2 – deuses africanos da etnia yorùbá cujo culto objetiva
equilibrar as energias do Ser Humano e em seu entorno. Eles atuam como intermediários
entre a humanidade e o criador.
Ṣiré (Substantivo) – 1 – Cerimônia pública de Candomblé quando toda a comunidade se
reúne para louvar as divindades através de cânticos e danças. No Ṣiré os Òriṣà se
manifestam através de transe e dançam paramentados com suas roupas festivas e
apetrechos rituais.
Ìyágbásé (Substantivo) – 1 – Cargo de confiança dado pelo Orixá no candomblé de Ketu
para que uma ekedi mais velha da casa para atribuí-la a responsabilidade pelas comidas
litúrgicas; 2 – Cozinheira chefe do terreiro.
Mímọsínú (Substantivo) – Conhecimento Secreto
Ìjẹṣà (Substantivo) – Ritmo sacro do Candomblé produzido por instrumentos de
percussão litúrgicos para louvar Ọṣùn e a outras divindades.
Pàdé (Substantivo) – Comida Litúrgica do Candomblé oferecida ao Orixá Exu, feita a
base de farinha de mandioca crua com azeite de dendê, mel, água ou cachaça.
Referências:
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