Coluna do Rixxa Jr.
FOI DADA A LARGADA!
Enfim, concluiu-se a primeira fase do
início do carnaval. Sim, porque a escolha de samba enredo está
para o carnaval assim como as Eliminatórias estão para a Copa
do Mundo no futebol. Ao contrário do que muita gente pensa,
escolha de samba enredo não é o final de tudo: é apenas o
começo de todo o processo. É o pontapé inicial. É o disparo
de um tiro na largada de uma corrida de fundo.
Tenho lido na internet muita gente
criticando os sambas escolhidos (geralmente os que essas pessoas
não estavam torcendo). Os apocalípticos de plantão já se
anteciparam em dizer que a safra de 2006 é a "pior dos
últimos tempos". Só que o samba passa por todo um processo
de amadurecimento desde que é escolhido (ou juntado) na quadra
até o grito de guerra do intérprete na noite do desfile.
Imediatamente após a escolha, a obra é
analisada e, se for o caso, reparos na letra e na melodia são
providenciados. Depois, vem a gravação do CD oficial quando a
obra ganha um banho de estúdio e é reforçada musicalmente, com
o ajuste do tom que o intérprete irá cantar. Em seguida,
puxadores e os cantores de apoio ensaiam incessantemente durante
meses o samba nas quadras e nos compromissos profissionais que
têm com a escola (apresentações, programas de rádio e de
tevê, etc). O ponto máximo é, evidentemente, o dia do desfile.
O samba deve ser julgado em definitivo a partir do grito de
guerra do puxador.
Na minha coluna passada, eu pus a cara
para bater e anunciei meus favoritos. Como eu não vou dar uma de
"João-sem-braço", vou recordar os sambas pelos quais
torci e comentar sobre os que venceram:
SALGUEIRO - A escola optou por juntar a
composição de Tiãozinho do Salgueiro, Abs, Leonel e Luizinho
Professor (meus favoritos) com a obra dos vencedores do ano
passado, Moisés Santiago & Cia. Na minha opinião, o
resultado final ficou bom, apesar de que o refrão principal do
Leonel era muito mais contagiante. A safra do Sal foi aquém das
possibilidades da tradição da escola. Lembro-me de uma
entrevista concedida logo após o carnaval de 1992 (ano do
belíssimo "soca no pilão/preto velho mandingueiro/o
negro que virou ouro/ lá nas terras do Salgueiro") em
que o presidente Miro - insatisfeito com a performance do hino -
declarou que, a partir daquele ano, o Salgueiro iria se dedicar a
"sambas fáceis que contagiassem o povão". Não por
acaso, o ano seguinte consagrou o "Explode coração".
ROCINHA - Meus favoritos (o samba de Fernando
Canguru, Marquinhos do 14, Moacyr Alves, Marcos Carvalho e Denis
Porto) caiu na semifinal. A escola preferiu o samba de
Marquinhos, Maninho e Wander Timbalada. A letra é mais
interpretativa e não descreve com tanta clareza o enredo. A
melodia é alegre, mas pode escorregar para a marcha.
IMPERATRIZ - No caso da Imperatriz, eu confesso a
minha virada de casaca. Comecei torcendo pela composição de Di
Andrade, Tadeu Pittanga, Ciganerey, Di Minas e Paulo Garcia. No
entanto, numa audição mais apurada, fiz um mea-culpa e nos
fóruns dos sites especializados em carnaval adotei o samba de
Niltinho Tristeza, Tuninho Professor & Cia, que acabou
vencendo. Para quem adora sambas melodiosos, como eu, este é um
prato cheio. A melodia é pra cima e possui um estilo que lembra
os alegres sambas de 93 e 94 da escola de Ramos.
CAPRICHOSOS - Os sites especializados em carnaval
disponibilizaram pouquíssimos sambas concorrentes da
Caprichosos. Fui conhecer a maioria dos sambas que estavam na
disputa somente na semana em que foi realizada a final. Chamou-me
a atenção a boa qualidade dos sambas compostos pelos capixabas.
Na época em que escrevi a coluna passada, havia só três sambas
disponíveis para áudio. A obra pela qual simpatizei, da
parceria de Magrão e Cadu, caiu já nas primeiras
eliminatórias. O samba vencedor, de Josemar Manfredini, Mauro
Speranza e Márcio do Swing, não é nenhum épico, mas é
simpático e pode fazer bonito na Sapucaí.
VILA
ISABEL - Volto a
reiterar que a safra deste ano na Vila Isabel me decepcionou
bastante, ao contrário do que ocorreu no ano passado. A parceria
de luxo de Martinho da Vila e Luiz Carlos da Vila caiu na
semifinal. Segundo se ouviu nos bastidores carnavalescos, nem um
nem outro manifestaram muito interesse pela disputa. Martinho,
por estar em excursão na Europa, não marcou presença em
nenhuma eliminatória. Luiz Carlos, frustrado com a derrota na
final do ano passado, não mobilizou torcida nem providenciou
grandes aparatos para a competição. No fim das contas, a escola
preferiu o samba do favorito André Diniz.
GRANDE
RIO - Era voz
corrente que o samba da parceria liderada por Cláudio Russo era
o mais bonito da disputa e tinha a simpatia de quase todos que
escutavam a obra. O único pecado foi que a letra não
apresentava defesa à soberania brasileira na Amazônia, coisa
que o samba vencedor, de Márcio das Camisas & Cia, falava de
sobra. É um samba muito feliz, com passagens melódicas
interessantes e não fica naquele ranço dos sambas em tom menor.
BEIJA-FLOR - Nenhum dos meus dois favoritos -
Aloísio Villar e Sidney de Pilares - levou (Sidney de Pilares ao
menos disputou a final). O samba escolhido, de autoria de
Wilsinho Paz & Cia, é inferior ao de 2005 e, a exemplo das
obras da escola desde 1998, peca ao se deter no consagrado
"estilo Caruana", com letras longas, harmonias pesadas,
tristes, invocando sofrimento, em tom menor, e com concepções
melódicas manjadas. A pedido de Laíla, durante a competição,
os autores modificaram alguns itens na letra, destacando mais o
nome da cidade homenageada, Poços de Caldas. O refrão do meio
é muito bonito: "Rei Netuno quero navegar/tenho medo
deste mar secar/me proteja quero mergulhar/pro seu reino
desvendar". Destaque também para a estrofe "A
semente brotou com ela veio a redenção/Poços de Caldas
poderosa vibração/derrama sobre a terra águas milagrosas"
que tem uma bela construção melódica.
PORTO
DA PEDRA - Um samba
comum. Pra mim, a melhor definição da obra escolhida pela
escola de São Gonçalo. Uma melodia retilínea e com poucas
variações musicais, tornando-se pouco atraente para uma escola
que vai abrir a segunda noite de desfile. Ou seja, apenas um
samba quadradinho. O samba da minha preferência (Ivan Professor,
Dico e Jair PQD) suportou até a semifinal.
MANGUEIRA - Um dos meus dois favoritos foi
escolhido para a Mangueira cantar o Rio São Francisco. O samba
de Henrique Gomes, Gilson Bernini e Cosminho chegou à final por
ser ousado, possuir mudanças melódicas interessantes, ter a
letra um pouco mais extensa do que habitualmente a Manga
apresenta e, também, ajudado por ter sido interpretado por
Rychah, o tenor do carnaval. Pelo desempenho, o Pavarotti do
Samba estará de volta a um carro de som do Grupo Especial,
dividindo com o mestre Jamelão o microfone da verde e rosa. Os
necessários ajustes na letra já foram providenciados.
VIRADOURO - Quando eu defendi, ainda no mês de
julho, em um fórum de discussão na internet, que este ano o
samba de Gusttavo & Cia não emplacaria, caíram de pau em
cima de mim. Afinal, questionar a hegemonia da Família Clarão
da Lua era quase uma heresia. Meu samba preferido (Jorge Lambreta
& Cia) chegou às finais. O samba de Dadinho, Evaldo,
Peralta, Tamiro e Waldeir Melodia meio que "correu por
fora" na disputa. É um samba um tanto diferente do que a
Viradouro apresentou desde que chegou ao Grupo Especial em 1991.
No entanto, tem uma construção melódica interessante e narra
com clareza a proposta do enredo.
MOCIDADE - Merecidamente, Toco emplacou mais um
samba na Mocidade. O samba leva o selo de qualidade de Padre
Miguel. O veterano compositor não vencia desde o bicampeonato da
escola 1990-1991. Ao contrário das fracas obras dos últimos
anos, a safra para 2006 foi muito boa e a disputa foi acirrada.
Meu samba favorito, de autoria de Dico da Viola, Mauro Dias e
Moleque Silveira, caiu nas semifinais.
UNIDOS
DA TIJUCA - Errei e
errei feio na Unidos da Tijuca. Numa disputa difícil e
niveladíssima, meus três favoritos (Adalto Magalha, Beto do
Pandeiro e Jacy Inspiração) caíram no meio do caminho e eu nem
cogitava a possibilidade de emplacar Jorge Remédio e Júlio
Alves. A dupla compôs uma obra que vem na esteira no sucesso do
samba do ano passado. Aliás, o carnavalesco Paulo Barros
declarou que prefere um samba que seja eficiente para o enredo em
detrimento de um samba bonito. Ou seja, dificilmente a Tijuca -
sob a batuta de Paulo Barros - deverá escolher obras como
"O Dono da Terra" (1999) ou "Agudás" (2003).
Com isso, a escola perde sua principal característica, que é
sempre levar sambas de excelente qualidade para a Marquês de
Sapucaí.
IMPÉRIO
SERRANO - Meus dois
sambas preferidos (Paulo Samara e Carlinhos da Paz) chegaram à
final, mas sucumbiram à composição de Arlindo Cruz, Aluisio
Machado & Cia. O samba é belo, mas, quando se trata desta
parceria, eu começo a ficar beeeeem mais exigente. Talvez porque
ainda me vem à memória o samba do Beto Carreiro (1997). Desde
então as obras desta parceria me lembram muito aquele
controverso samba. A quadra comemorou muito a vitória do samba
de Arlindinho. Vamos ver como se comporta na avenida.
PORTELA - Eu abri o meu voto para o samba de
Darcy Maravilha, J. Rocha e Noquinha. Mas fiquei satisfeito com a
vitória de Mauro Diniz, Júnior Scafura & Cia. Um sambaço,
musculoso, com jeito de clássico. Com os reparos necessários
já feitos em letra e melodia, a Portela estará muito bem
representada no carnaval. Vamos aguardar a performance do novo
intérprete, Gilsinho.
Antes de encerrar, uma constatação. Alguns compositores
escolhem para defender suas obras na disputa cantores com o
timbre de voz semelhante ao do intérprete oficial. Os sambas de
Leonel no Salgueiro sempre são defendidos por Ito Melodia, que
tem um timbre de voz parecido com o de Quinho. Bruno Ribas (que
todo mundo percebe a semelhança de sua voz com a de Wander
Pires) foi contratado por Toco na Mocidade. Há dois anos, André
Diniz contrata Wander (que também influenciou Tinga) para
defender sua obra na Vila Isabel.
Outros autores recorrem à memória
afetiva dos foliões. Por ter sido a voz do Salgueiro e da
Viradouro durante muito tempo, o veterano Rico Medeiros é
requisitado na disputa destas duas escolas. Volta e meia, Nêgo
é chamado para defender sambas na Unidos da Tijuca. Outros
compositores vão atrás da fama de pé-quente. Um exemplo é do
puxador Tinga. Só este ano, o jovem cantor defendeu três sambas
vencedores no Grupo Especial (Imperatriz, Porto da Pedra e
Tijuca). Wander Pires também foi "tricampeão"
(Portela, Vila Isabel e Beija-Flor).
Rixxa Jr.
rixxajr@yahoo.com.br