PRINCIPAL    EQUIPE    LIVRO DE VISITAS    LINKS    ARQUIVO DE ATUALIZAÇÕES    ARQUIVO DE COLUNAS    CONTATO

Coluna do Rixxa Jr.

QUANDO O RIO DAVA SAMBA


Capa do disco "Rio Dá Samba" (1977), mostrando como era o cenário do programa de TV

Gatinha que dança é essa
Que o corpo fica todo mole?
Gatinha que dança é essa
Que o corpo fica todo mole?
É uma dança nova
Que bole, bole, bole, bole

Esses versos, que fizeram sucesso recentemente com o grupo de pagode Exaltasamba, na verdade, formavam o refrão da “Dança do Bole-Bole”, música de abertura de um dos programas de televisão mais significativos para a comunidade carnavalesca: “Rio Dá Samba”, apresentado pelo músico, compositor e produtor musical João Roberto Kelly.

Kellinho, como era conhecido no meio artístico, foi uma espécie de menino-prodígio. Aos onze anos, começou a aprender piano com a mãe e com a avó. Em 1957, aos 20 anos, após estudar música em conservatórios e bacharelar-se em Direito, escreveu uma peça para teatro de revista. Em seguida, passou a compor para estrelas da MPB, com Elza Soares e Elizeth Cardoso. Em 1963, passou a musicar aberturas de programas de televisão. Na seqüência, lançou várias marchinhas de sua autoria que se tornaram grandes sucessos nos carnavais, como “Cabeleira do Zezé” (com Roberto Faissal), “Joga a chave, meu amor”, “Mulata iê-iê-iê” e “Rancho da Praça Onze” (com Chico Anísio).


A passista Gracinha Portelão, dançarina-símbolo do Rio Dá Samba, que depois foi chacrete, numa foto de 1997, durante um programa de carnaval da Rede CNT

Entre as décadas de 1970 e 1980, percorreu diversas cidades brasileiras com o espetáculo “Rio dá samba – Kelly e mulatas”. O show era uma espécie de teatro rebolado com um elenco de mulatas oriundas das escolas de samba e a trilha musical formada por sambas e marchinhas de carnaval, a exemplo do que fazia o produtor Oswaldo Sargentelli. Na mesma época, passou a apresentar, na TV Rio, a versão televisiva do Rio dá Samba.  Em 1980, quando passou a trabalhar na Riotur e se tornou um dos responsáveis pelos desfiles do carnaval do Rio de Janeiro, João Roberto Kelly levou o programa para a TV Bandeirantes, com abrangência nacional.

“Rio Dá Samba” foi um prato cheio para os amantes da folia. Com a promessa de fazer do carnaval de 1981 o “maior carnaval da história do Rio de Janeiro”, o apresentador não poupou esforços. O formato era o mesmo dos programas de auditório da época (Buzina do Chacrinha, Clube do Bolinha, Programa Barros de Alencar, Programa Carlos Imperial), com um elenco de dançarinas. As atrações, predominantemente musicais, ora se apresentavam ao vivo – acompanhadas pela banda do programa, o Grupo Buraco Quente –  ora dublavam com playback. Personalidades do carnaval eram entrevistados. Puxadores, passistas, destaques, dirigentes, carnavalescos e personagens famosos ligados às escolas marcavam presença semanalmente. O corpo de baile era formado por mulatas tipo exportação que enlouqueciam a audiência, principalmente a masculina. Se Rita Cadillac era a chacrete-símbolo do elenco do Velho Guerreiro, e Zulu (a bailarina que não sorria nunca) era o destaque entre as boletes de Edson “Bolinha” Cury, a passista Graça Portelão (que tinha esse apelido porque havia sido descoberta no desfile da Portela em 1980) fazia a linha de frente do Rio Dá Samba: uma exuberante e curvilínea mulata, ao estilo Adele Fátima. Ah, o “diretor de harmonia” do programa era nada mais, nada menos do que o senhor José Bispo Clementino dos Santos. Isso mesmo! Jamelão era figurinha carimbada nas tardes de sábado, ora cantando os legendários sambas enredo da Mangueira, ora cantando o fino da música dor-de-cotovelo.

Castiga a viola, paciência
Segura a harmonia, meu irmão (Jamelão)
Kellinho falou e está falado
E não adianta discussão
Oi, oi, oi gente
Pagode no Buraco Quente
Tem samba, muita mulata
E um lero-lero diferente

Os versos acima eram da vinheta do programa que, em ritmo de partido-alto, chamava os intervalos comerciais. Mais ou menos o que o “roda, roda, roda e avisa...1 minuto de comercial...alô, alô, Terezinha...é um barato a Buzina do Chacrinha!” significava para o programa de Abelardo Barbosa.

Já que citamos Chacrinha, Abelardo Barbosa estava na TV Bandeirantes, onde apresentava a sua “Buzina” e sua “Discoteca”, e lançou a marchinha “Maria Sapatão” (parceria com Kelly e que ainda hoje faz sucesso em bailes de salão) em pleno Rio Dá Samba.


Foto de um disco de Kellynho de 1980, pela antiga gravadora Copacabana, na época em que apresentava o Rio Dá Samba

Destaque para o pré-carnaval

Mas o grande barato do Rio Dá Samba era mostrar o período pré-carnavalesco e toda a preparação das escolas de samba, desde o anúncio dos enredos, passando pela divulgação das ordens de desfiles e a apresentação dos concorrentes de samba enredo. O programa estreou no final do primeiro semestre de 1980, e sempre era recheado com entrevistas de carnavalescos e dirigentes que informavam, passo a passo, os preparativos para os desfiles. Na época das disputas, os compositores iam até o programa e mostravam as obras concorrentes.

Lembro-me de ter visto Zé Catimba apresentar, em primeira mão, o samba “Só dá Lalá”, que viria a ser escolhido pela Imperatriz Leopoldinense, em 1981. David Corrêa também era figura fácil no Rio Dá Samba, tanto por relembrar os bem-sucedidos “Incrível, fantástico, extraordinário” (1979) e “Hoje tem marmelada” (1980) e apresentou seu “Das maravilhas do mar, fez-se o esplendor de uma noite”, um dia depois ter sido consagrado na quadra da Portela. O programa também anunciou e mostrou, com exclusividade, a fusão proposta por Laíla – na época diretor de harmonia da Unidos da Tijuca – para o tema “O que dá pra rir, dá pra chorar”.


Foto recente de João Roberto Kelly, nascido em 1937

Em seu programa, João Roberto Kelly também abria espaço para a divulgação dos bailes carnavalescos, dos concursos de fantasias, dos desfiles das escolas de Niterói (Silvinho do Pandeiro cantava “Amor em tom maior”, da Viradouro, e Flavinho Machado interpretava “Fruto do amor proibido”, da Cubango) e outros eventos da cidade, como o famoso e tradicional Banho de Mar à Fantasia.

Ao todo, Rio Dá Samba esteve no ar entre o final do primeiro semestre de 1980 até o início de fevereiro de 1982 (vésperas do carnaval daquele ano) e deixou uma lacuna na programação carnavalesca televisiva, que só foi preenchida quando a TV Manchete (1982-1999) botou o bloco na rua pela primeira vez, na inauguração do sambódromo, em 1984. Mas isso é assunto para outra coluna.

Rixxa Jr.

rixxajr@yahoo.com.br