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Coluna do Rixxa Jr.

DEZ MOMENTOS QUE ARREPIARAM O CARNAVAL

Passava um pouco das 23 horas do dia 22 de fevereriro de 2004, quando a quinta alegoria da Unidos da Tijuca entrou na Rua Marquês de Sapucaí. Era um carro onde 123 pessoas com o corpo pintado de azul faziam coreografias que lembrava um polichinelo (um típico exercício das aulas de educação física) e, segundo o enredo “O sonho da criação, a criação do sonho. A arte da ciência no mundo do impossível” significava a cadeia do código genético que comanda o nosso corpo. Era o “carro do DNA”, como ficou conhecido.

O momento foi arrepiante e deu uma turbinada na carreira do até então obscuro carnavalesco Paulo Barros, ex-comissário de bordo, que estreava na escola do morro do Borel naquele ano. Barros já tinha passado por Vizinha Faladeira, Arranco do Engenho de Dentro e Paraíso do Tuiuti, todas pelos grupos de acesso. No entanto, sob os holofotes do Grupo Especial e transmitido para milhões de pessoas no Brasil e no mundo através das câmeras da TV Globo, bastou vislumbrar aquela espécie de alegoria-viva, para que adjetivos como “inovador”, “herdeiro de Joãosinho Trinta” ou “carnavalesco do terceiro milênio” passassem a denominar o estilo de Paulo Barros. Em apenas três anos, o artista foi alçado à condição de gênio.

Às vésperas de apresentar o enredo “É de arrepiar”, pela Unidos da Viradouro, PB promete provocar novos arrepios no sambódromo. O Top 10 Sambario se atreve a enumerar dez momentos bacanas dos desfiles de escolas de samba e que arrepiaram em outros tempos.

10º lugar: Mangueirenses reverenciando Dona Mindinha, a viúva de Heitor Villa-Lobos, durante o desfile – Mangueira 1966

Sete anos após seu falecimento, o compositor Heitor Villa-Lobos foi homenageado pela Estação Primeira de Mangueira. Embalada pelo poderoso samba de Jurandir e Cláudio, a verde e rosa apresentava um espetáculo maravilhoso na passarela da Candelária. Até que em determinado momento, os integrantes da escola avistaram num dos camarotes Arminda Neves de Almeida, a Dona Mindinha, viúva do maestro. Todos os mangueirenses que passavam pelo camarote se aproximavam e faziam uma saudação à Dona Mindinha.

“Exaltação a Villa-Lobos”, foi uma criação de Júlio Mattos. Na preparação daquele carnaval até incêndio ocorreu no barracão da Estação Primeira. Quando incendiou as alegorias, Julinho contava que tinha ido trabalhar embaixo de um viaduto aberto. Ele teve várias crises de rins e estava muito mal, foi dormir quando chegou a madrugada, deixando a alegoria de Villa-Lobos em papel machê por terminar. Quando acordou de manhã, a alegoria estava pronta e toda pintada, e ele, que estava sozinho, declarava que não pintou! É de arrepiar.

9º lugar: Carro Planeta Água, em “Chuê, chuá, as águas vão rolar” – Mocidade 1991

A Mocidade Independente de Padre Miguel começou a década de 90 de um jeito fulminante. Após ter revolucionado o carnaval carioca com enredos irreverentes com a assinatura de Fernando Pinto, a escola foi buscar na dupla Renato Lage e Lílian Rabello, ex-alunos e discípulos de Fernando Pamplona, uma nova etapa para seus carnavais. Em 1990, a dupla criou o “Vira, virou, a Mocidade chegou!”, conquistando o campeonato. No ano seguinte, com “Chuê, chuá, as águas vão rolar”, a verde e branco da Vila Vintém deu um banho na Sapucaí. O desfile foi o que se pôde se classificar como uma apresentação perfeita.

Um dos carros que mais chamaram atenção foi a segunda alegoria, “Planeta Água”, com a representação do útero materno no formato do planeta Terra. Havia uma explicação para esta alegoria: Lílian estava grávida e ela e Renato tiveram um insight de incluir a gravidez no tema. Quando a Mocidade acabou sua apresentação, o sambódromo inteiro aclamava a escola como a campeã daquele carnaval. Foi o ápice criativo da dupla Renato e Lílian. O casamento foi desfeito no ano seguinte, mas o trabalho desenvolvido pelos dois para a Mocidade no carnaval de 1991 foi um dos que mais causou arrepio na passarela do samba.

8º lugar: “Hoje tem marmelada” – Portela 1980

Em 1980, a Portela completaria uma década sem títulos. Era muito para a escola que mais arrebatou campeonatos no carnaval do Rio de Janeiro. A azul e branco de Madureira já tinha perdido dois de seus expoentes: Natalino José do Nascimento e Antonio Candeia Filho, e era acusada de ter esquecido suas origens populares e te ter virado vitrine para artistas de tevê e socialites, além de se perder no luxo e no gigantismo. No ano anterior, a escola viu a vitória escorrer-lhe entre os dedos, pois era considerada favorita e ficou apenas em 3º lugar.

Para o carnaval seguinte, com “Hoje tem marmelada”, criação de Viriato Ferreira, a escola apresentou o mundo do circo. Palhaços, domadores, índios, feras enjauladas, circo chinês e um globo da morte passearam na avenida, embalados pelo belíssimo samba de David Corrêa e Jorge Macedo. Quem estava na Marquês da Sapucaí naquela noite se arrepiou em ver o rio azul portelense ao som de “ô raia o sol, ó dim dim/ suspende a lua, dim dim/ salve o palhaço/ que está lá no meio da rua”.

7º lugar: “Bumbum paticumbum prugurundum” – Império Serrano 1982

Havia alguma coisa no ar. Tudo levava a crer que aquele ano de 1982 seria da Império Serrano. No ano anterior, graças a uma modificação no regulamento – o popular tapetão – a escola não fora rebaixada, apesar de ser a última colocada entre as 10 escolas que desfilaram. No entanto, o carnaval de 82 não seria igual ao que passou. A autoria do enredo seria de Fernando Pamplona que, apesar de salgueirense doente, também colaborava com a verde e branco da Serrinha. O nome original do tema, “Onze candelárias e sapeca aí” (uma corruptela dos locais onde as escolas de samba desfilaram no Rio de Janeiro), transformou-se no onomatopaico “Bumbum paticumbum prugurundum”. Para desenvolver o carnaval, a escola contratou duas ex-alunas de Pamplona na Escola de Belas Artes, Rosa Magalhães e Lícia Lacerda. O samba enredo (de Aluisio Machado e Beto Sem Braço), foi o mais executado no período pré-carnavalesco.

A Império Serrano foi a última a desfilar no domingo de carnaval e o público não arredou o pé das arquibancadas para cantar junto com a escola e ver o espetáculo que seria proporcionado. Uma das alegorias mais instigantes do desfile trazia uma escultura do então carnavalesco da Beija-Flor, Joãozinho Trinta, e da destaque Pinah, enquanto os imperianos de fé entoavam, arrepiados e carregados de ironia, os versos “Super Escolas de samba S.A./ super-alegorias/ escondendo gente bamba/ que covardia”.

6º lugar: Índios de patins, em “Tupinicópolis” – Mocidade 1987

Brilhante. Assim podemos definir “Tupinicópolis”, criação de Fernando Pinto para a Mocidade em 1987. Na visão do artista, a escola apresentou como seria uma utópica metrópole indígena, com shoppings, discotecas, as forças armadas, índios executivos, etc. Há quem defenda que este foi o melhor enredo já planejado e desenvolvido por uma escola de samba. Irreverência e criatividade andaram juntas durante toda a apresentação da agremiação, que encerrou o segundo dia de desfile.

Um dos grandes momentos foi o carro alegórico representando a Boate Saci, em que índios mauricinhos e índias patricinhas circulavam de patins, para arrepio do público presente na manhã ensolarada de segunda-feira. Junto com Mangueira, Portela e Vila Isabel, a Mocidade era candidatíssima ao título. No entanto, a escola conquistou um vice-campeonato. Até hoje torcedores e alguns analistas de carnaval afirmam que o título teria que ter ido para Padre Miguel.

5º lugar: “A feira (Moça bonita não paga, mas também não leva)” – Caprichosos 1982

A Caprichosos de Pilares era a última escola a desfilar pelo então Grupo 1-B. E o pequeno – mas fiel – público que resistiu ao sol forte no amanhecer da Terça-feira Gorda foi brindado com uma apresentação que foi uma aula de empolgação em um desfile de carnaval. O enredo era sobre um personagem, a cozinheira Lili, que foi até a feira livre e tinha como missão escolher frutas e legumes para alimentar sua gente em época de severa inflação. Surgia então o viés crítico da agremiação de Pilares, que viria a se intensificar ao longo da década de 80.

E a escola conseguiu reproduzir na Sapucaí o que era uma feira, levando até barracas de hortifrutigranjeiros e falando sobre os personagens que gravitam em torno do ambiente. Os componentes da escola chegaram ao requinte de ornamentar as alegorias com frutas e legumes de verdade e distribuir os alimentos ao público presente. O samba foi cantado com alegria e irreverência por Carlinhos de Pilares e ainda hoje arrepiam os componentes da Caprichosos ao escutarem o samba de Ratinho “tem zoeira, tem zoeira/ hora de xepa é final de feira”.

4º lugar: “Kizomba, a festa da raça” – Vila Isabel 1988

No carnaval de 1988, quando se comemorava o centenário da Abolição, a Unidos de Vila Isabel exaltou a influência negra na cultura universal propondo uma grande festa, um grande congraçamento, uma “kizomba”. O enredo foi concebido por Martinho da Vila, a liderança maior da escola. Na presidência, Maria Lúcia Caniné, a Ruça, mulher de Martinho. O samba, formidável, foi obra dos compositores Luiz Carlos da Vila, Rodolfo e Jonas. O desfile desenvolvido por uma comissão de carnaval, formada por Ilvamar Magalhães, Milton Siqueira e Paulo César Cardoso, foi emocionante e encantou a cidade e o país.

Uma série de fatores combinados explicariam a vitória da Vila naquele mágico ano de 1988: a escola estava sem patrono, sem patrocínio, sem sede, que ensaiava nas ruas do bairro e nunca havia vencido um carnaval no Grupo Especial. E o desfile da Vila foi único, literalmente. Devido às fortes chuvas que assolaram o Rio, após o carnaval, o desfile das campeãs no sábado posterior foi suspenso. Quem viu, viu. Quem não viu, não verá mais. E até hoje qualquer ser humano com sangue nas veias se arrepia ao escutar “Valeu, Zumbi!”.

3º lugar: Comissão de frente, em “O século do samba” – Mangueira 1999

Havia um quê de sobrenatural na comissão de frente que a Estação Primeira de Mangueira apresentou no carnaval de 1999. E não só porque homenageava 15 personalidades do mundo do samba que já tinham morrido, mas porque foi como se um sonho bom e uma torrente de emoção tivesse tomado conta do sambódromo. Era como se as personalidades homenageadas tivessem “retornado” à vida durante os 80 minutos de apresentação da escola.

O que emocionou não foi apenas a coreografia ou a dança em si, desenvolvida por Carlinhos de Jesus, mas por ele ter criado esta sensação de que ali estavam realmente aqueles que foram para longe e que vieram se apresentar especialmente para desfilar na Mangueira. Foi um dos maiores arrepios coletivos da história dos desfiles. As pessoas choravam pelos componentes da comissão de frente, gritando Candeia, Cartola, Clara Nunes, Clementina de Jesus, Carmem Miranda, Noel Rosa, Natal, Pixinguinha, Sinhô, Donga, João da Baiana, Nelson Cavaquinho, Ismael Silva, Tia Ciata e Mestre Fuleiro. Parentes e amigos dos sambistas homenageados se emocionavam como se um reencontro pudesse ser possível. A verde e rosa ganhou merecidamente todos os prêmios possíveis com esta comissão de frente, incluindo o Estandarte de Ouro do jornal O Globo. Infelizmente, a Mangueira não pôde repetir esta emoção porque alcançou apenas a 7ª colocação, ficando de fora do Desfile das Campeãs.

2º lugar: Dança do Minueto, em “Chica da Silva” – Salgueiro 1963

Nem melhor, nem pior, apenas uma escola diferente. O slogan cunhado por Fernando Pamplona caiu como uma luva para a Acadêmicos do Salgueiro na década de 1960. A escola revolucionou, trazendo enredos com heróis negros que estavam à margem da história do Brasil. Em 1963, Arlindo Rodrigues desenvolveu a história da ex-escrava negra que virou senhora. A escola trouxe uma comissão de frente formada por sambistas que dançavam o minueto na passarela, num cenário composto com a igreja da Candelária ao fundo.

A coreógrafa da ala foi Mercedes Baptista, primeira bailarina negra do Teatro Municipal do Rio, que soube unir, cinco décadas atrás, a formação erudita com a valorização da cultura negra, lançando o balé afro. O Salgueiro arrepiou e ganhou o carnaval, com um desfile que se tornou referência, influenciando e mudando o rumo dos desfiles das escolas de samba. Mercedes Baptista será enredo, em 2008, da Acadêmicos do Cubango, terceira escola a desfilar pelo Grupo de Acesso.

1º lugar: Cristo mendigo, em “Ratos e urubus, larguem a minha fantasia” – Beija-Flor 1989

O ano de 1989 foi “o” ano dos carnavais do Rio de Janeiro. Segundo Zuenir Ventura, 1968 é o ano que ainda não terminou. Quem sabe 1989 seja o ano em que o carnaval ainda não acabou? Dezoito escolas desfilaram na Marquês de Sapucaí. Mas foi a 17ª a pisar na avenida que deixou boquiabertos a todos que assistiam o espetáculo. A Beija Flor apresentou o enredo “Ratos e urubus, larguem minha fantasia”, criação do genial Joãosinho Trinta. O artista fez um trabalho para calar a boca de quem achava que a Beija-flor só levava luxo para a avenida, trazendo o lixo e a pobreza, num inacreditável carnaval de mendigos.

O Cristo mendigo que a escola iria mostrar foi proibido pela Igreja. A alegoria desfilou coberta por uma lona preta, e com os dizeres: “Mesmo proibido, olhai por nós!”. A imagem até hoje arrepia quem assistiu o desfile da azul e branco de Nilópolis. Mesmo com um carnaval magnífico, a escola ficou novamente apenas num 2º lugar no desempate com a Imperatriz Leopoldinense, colocação até hoje contestada pelos nilopolitanos. No quesito samba-enredo, a Beija-flor perdeu o título que parecia certo para a escola, no mais antológico e arrepiante de todos os desfiles.

Rixxa Jr.

rixxajr@yahoo.com.br