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Coluna do Rixxa Jr.

DEZ ENREDOS QUE PODERIAM VIRAR ROTEIROS DE DRAMATURGIA

No próximo dia 12 de junho, estréia na TV Globo a minissérie A Pedra do Reino. A história, com cinco capítulos, é baseada no romance homônimo do escritor paraibano Ariano Suassuna, que comemora 80 anos em 2007. No entanto, o público do carnaval já é familiarizado com a obra – lançada em 1971 – em virtude de ter sido levada para a Marquês de Sapucaí, no carnaval de 2002 pelo Império Serrano. Naquele ano, a verde e branco da Serrinha desfilou com o enredo “O Imperador da Pedra do Reino”.

O carnaval tem se mostrado um celeiro fértil para boas histórias que poderiam ser aproveitadas para o cinema ou teledramaturgia. As sinopses de enredo são verdadeiros argumentos para roteiros de filmes, novelas ou minisséries. E o carnaval acaba cumprindo seu dever social, o de entreter, informar e levar um pouco de cultura brasileira para os brasileiros, que acabam desconhecendo o valor deste patrimônio.

Várias histórias foram apresentadas primeiro no carnaval e depois foram reproduzidas na telinha ou na telona: Quilombo dos Palmares, Chica da Silva, Chico Rei, Dona Beja, Juscelino Kubitschek e Chiquinha Gonzaga são alguns exemplos. A saga dos operários que construíram uma estrada de ferrovia em plena selva amazônica foi mostrada pela Acadêmicos do Grande Rio em 1997, no enredo “Madeira-Mamoré, a volta dos que não foram”, tendo como base o livro Mad Maria (escrito por Marcio Souza em 1980) e levado à televisão em 2005.

O Top 10 Sambario está de volta e lista dez enredos que poderiam se tornar belos argumentos para o cinema e a televisão.

10º lugar: Viva o povo brasileiro (Império da Tijuca/1987)

Tudo que vamos contar
Veio de lá de Itaparica
Ilha baiana onde viveu Pirapuama
E os personagens que ilustram essa trama
Dafé, Patrício Macário
E a mística figura do cenário
Ao passar pela Bahia os holandeses
Deixaram gerações, marcaram corações
E tem mais
O barão cruel, homem dominador
Do monopólio da baleia era o senhor

Argumento: Da obra do escritor baiano João Ubaldo Ribeiro, o romance – com mais de 700 páginas e lançado em 1984 – se passa na Ilha de Itaparica e percorre quatro séculos da história do país. Apresenta histórias inspiradas nas raízes do povo brasileiro, tendo como personagens negros e índios, portugueses e holandeses. Porém o livro não se trata de uma exaltação à história brasileira e sim uma recontagem crítico-satírica da mesma, denunciando a devassidão presente no processo de formação do povo brasileiro. O livro narra paralelamente a história da família do Barão de Pirapuama que por sua vez mistura-se com os Ferreira-Dutton, de Amleto Henrique. Mostra como Maria Dafé quis melhorar a vida do povo. Ela acordou para seu povo, quando teve sua mãe morta, com mais de vinte punhaladas, na sua frente. A irmandade de qual ela pertencia e muitos outros sofridos brasileiros pertenciam sem saber que pertenciam, diziam que fora criada por três negros numa casa de farinha na ilha de Itaparica. A decadência de um país é totalmente descrita e ridicularizada no livro. Homens, como Bonifácio Odulfo, que achavam que caixeiros, açougueiros, sapateiros, ferreiros, e muitos outros profissionais que exerciam seu trabalho para viver, não poderiam ser chamados de povo, era repudiado pelo próprio irmão Patrício Macário; um deserdado de sua família que fora para o Exército para tomar jeito, também resolve ver o mundo de outra forma, após conhecer Maria Dafé; dizendo que “ele e sua corja é que eram estrangeiros europeus, que cá não viviam, que tinham vergonha de falar até a própria língua, estes sim, não eram o povo brasileiro”.

Direção, elenco e trilha sonora: O romance poderia se tornar uma minissérie com um cunho bem humorado e sarcástico, ao estilo O Quinto dos Infernos. A direção e o roteiro poderiam ficar a cargo da dobradinha Guel Arraes/Jorge Furtado (Caramuru, a Invenção do Brasil e Lisbela e o Prisioneiro). No elenco: Juliana Paes (Maria Dafé), Daniel de Oliveira (Patrício Macário), Henri Castelli (Bonifácio Odulfo) e Edson Celulari (Barão de Pirapuama) poderiam fazer bonito. Na trilha sonora, nomes da música urbana baiana: Moraes Moreira, Pepeu Gomes, A Cor do Som, Novos Baianos, Tom Zé, Raul Seixas.

9º lugar: Nos confins de Vila Monte (União da Ilha do Governador/1975)

Numa união de sangue
Num adeus, a despedida
Nhá Branca deu a Bento
Seu amor pra toda vida
Velho Coroné Tunico
Num ataque traiçoeiro
Transformou menino Bento
Num temível cangaceiro

Argumento: No cinema brasileiro, os filmes sobre o cangaço foram o nosso faroeste (chamado por alguns intelectuais de bang-bang sertanejo). Confesso a vocês que não sei de qual obra literária (romance ou literatura de cordel) se originou o enredo “Nos confins de Vila Monte”, apresentado pela União da Ilha do Governador. Mas apenas lendo a letra do belo samba enredo, dá para ter uma bela idéia da história. A trama mistura cangaço, fanatismo religioso, seca, paisagens áridas, caatinga nordestina, sol escaldante e tudo mais, além de um romance proibido. Pelo jeito, a Nhá Branca deveria ser uma mulher da sociedade, casada com o temível Coronel Tunico, o mandachuva do lugar. E o jovem Bento Lampejo deve ter se envolvido com a mulher do coronel, que não deve ter ficado satisfeito com a situação e foi o responsável por Bento ter se tornado cangaceiro. Tudo isso, num ambiente destacando o folclore nordestino: bumba-meu-boi, maracatu e os cangaceiros cantando “olê, muié rendera olê muié rendá...”.

Direção, elenco e trilha sonora: Sob o formato de uma minissérie, Aguinaldo Silva poderia ser o autor desta trama, graças à sua experiência com temas nordestinos (Lampião e Maria Bonita e Padre Cícero). Na direção, Paulo Afonso Grisoli (Lampião e Maria Bonita, Tenda dos Milagres) ou Luiz Fernando Carvalho (A Pedra do Reino, Hoje é dia de Maria). No elenco, a presença de nomes como Débora Fallabella (Nhá Branca), Wagner Moura (Bento Lampejo) e Osmar Prado (Coroné Tunico) abrilhantariam a obra. A trilha sonora poderia ser composta por nomes nordestinos, como: Alceu Valença, Zé Ramalho, Naná Vasconcellos, Mestre Ambrósio, Cascabulho, Cordel do Fogo Encantado e a turma do Mangue Beat (Chico Science, Mundo Livre S/A e Otto).

8º lugar: Um mouro no quilombo (Tuiuti/2001)

No mar
Um bravo mouro se aventurou
Ao risco de tenebrosas tormentas
Piratas, batalhas sangrentas
Mas naufragou
E o destino lhe sorriu
Nas mãos de um Salvador
O trouxe pro Brasil... de Zumbi

Argumento: O enredo da Tuiuti de 2001 foi baseado no romance “A incrível e fascinante história do capitão mouro”, de Georges Bourdoukan. O livro narra a saga do muçulmano Saifudin, construtor das fortificações do Quilombo dos Palmares, e de seu amigo, o judeu Ben Suleiman: do senhor de engenho Epaminondas conde e de seu amor pelo escravo Gaspar: de Zumbi e de uma de suas mulheres, a branca Maria Paim, tendo por cenário a Capitania de Pernambuco, a Inquisição, a revolta dos escravos e a epidemia do mal-de-bicho. Transcrevem-se diários de bordo dos navios negreiros: explica-se o significado da letra F e da cruz, gravadas com ferro em brasa na testa e no peito dos escravos: cita-se a semelhança entre o cruzado Pedro Eremita e o bandeirante Domingos Jorge Velho e a predileção de ambos por carne humana.

Direção, elenco e trilha sonora: A trama renderia um belo filme. Walter Lima Jr (Chico Rei, A Ostra e o Vento) ou Andrucha Waddington (Eu, Tu, Eles) ou Breno Silveira (Os 2 Filhos de Francisco) estariam ótimos à frente da direção. No elenco, nomes como Marcos Palmeira (Saifudin), Dan Stulbach (Ben Suleiman), José Wilker (Epaminondas), Sérgio Menezes (escravo Gaspar), Mauricio Gonçalves (Zumbi), Patrícia Pillar (Maria Paim) seriam boas sugestões. Uma trilha sonora aos cuidados de um Naná Vasconcellos mereceria destaque.

7º lugar: Dom Obá II – Rei dos esfarrapados, príncipe da ralé (Mangueira/2000)

Freqüentei o Palácio Imperial
Critiquei a elite do jornal
Desejei liberdade
500 anos, Brasil!
E a raça negra não viu
O clarão da igualdade
Fazer o negro respirar felicidade

Argumento: Para ir para a Guerra do Paraguai (1864-1870), o Imperador D. Pedro II criou os batalhões de Voluntários da Pátria. A guerra significou para os negros escravos a oportunidade da liberdade; para os negros libertos, a chance de ascensão e reconhecimento social, mesmo que para tanto tivessem que arriscar suas vidas. A lei previa que escravos fossem à guerra em lugar dos seus senhores, em troca de liberdade. Para cada soldado branco iam quarenta e cinco soldados negros, muitos mestres de Capoeira da Bahia e de Pernada Carioca. Em Lençóis, no sertão da Bahia, também foi formado um batalhão de voluntários. E lá estava, à frente, o negro Cândido da Fonseca Galvão, que se auto titulava Dom Obá II (rei, em iorubá). Destacou-se antes e durante a guerra, se tornando sargento e logo depois alferes. Ao voltar da guerra – vitorioso e ferido em combate passou pela Bahia e voltou para o Rio, onde passou a viver depois de conquistar todas as honrarias de herói de guerra junto ao Imperador D.Pedro II.

Nesta época já estavam no Rio os negros baianos que migraram da Bahia em razão da decadência da lavoura de cana-de-açúcar. Muitos ficaram pelo Rio, entre eles, a baiana Tia Ciata, e se instalaram nos bairros da Saúde, Santo Cristo e Gamboa, que eram a parte mais pobre da cidade, chamada de África Pequena, em razão da maioria negra de seus moradores (onde nasceram Paulo da Portela, Heitor dos Prazeres, João da Baiana e Donga).

Dom Obá II era filho de africano escravo liberto e neto de um rei iorubá. Alto, forte, eloqüente e ousado, escrevia e se comunicava com desenvoltura. Nas audiências públicas do Imperador na Quinta da Boa Vista, usava seu traje impecável de gala do exército brasileiro, com espada e tudo. Durante a semana desfilava pela África Pequena e pela cidade, de fraque, cartola e luvas brancas. Conseguia espaço nos jornais, impressionava sua corte que nele via um príncipe; o reverenciava como a um rei, beijando-lhe as mãos em razão de seu “sangue azul africano”, seus feitos de guerra, sua altivez, suas relações com o Imperador e, sobretudo, sua liderança, sempre em defesa das populações negras oprimidas, jogadas às ruas sem qualquer qualificação profissional, descalças, sem proteção, sem trabalho digno, sem saúde e sem auto-estima.

Direção, elenco e trilha sonora: Para dirigir o filme, uma boa pedida poderia ser o incensado Fernando Meirelles (Cidade de Deus). Elenco: Lázaro Ramos seria um ótimo Dom Obá quando jovem e durante a Guerra do Paraguai. Milton Gonçalves poderia representar o protagonista na maturidade. Neusa Borges, pelo seu currículo carnavalesco, daria dignidade à Tia Ciata. E quem sabe Jô Soares como D.Pedro II? A trilha sonora poderia ficar a cargo do pessoal do “gueto”: MV Bill, Marcelo D2, Seu Jorge e Bezerra da Silva.

6º lugar: Se a lua contasse... (Império da Tijuca/1985)

“Mulher”, “rosa de maio”
Grandes entre suas grandes criações
Também “se a lua contasse”
Que aumentou de um carnaval a explosão
No auge de sua glória
Foi abraçado pelo destino cruel

Compôs e deixou
Como dádiva a “despedida”

E foi se juntar a Noel

Argumento: É impressionante que a vida de Custódio Mesquita (1910-1945) ainda não tenha sido explorada artisticamente. O músico foi um dos primeiros compositores brasileiros a conseguir a proeza de aproximar o formalismo do clássico com o gosto popular. Segundo relatos, Custódio era bem-nascido, alto, bonito, olhar cálido, vestuário impecável e movimentos bem cuidados - um verdadeiro dândi. Trajava-se quase sempre com elegantes ternos brancos de linho, olhos e cabelos castanhos, cuidadosamente despenteados, para ganhar ares de poeta romântico. Onde quer que estivesse, o destaque era sempre ele. Apesar de ter nascido numa família rica, cedo a boemia o atraiu para o gosto popular, entre eles, o samba. Ao todo, escreveu cento e onze canções, muitas delas lembradas ainda hoje. Foi autor de teatro, galã compulsório, ator, regente, exímio pianista, diretor artístico de gravadora e artista de rádio. Músico e compositor, ele viveu a fase áurea da MPB e concebeu uma obra que corre por fora das canções de figuras de proa da Velha Guarda, como Ary Barroso, Noel Rosa ou Lamartine Babo.

Compositor, surgiu em 1934, com a marcha “Se a lua contasse”, gravada por Aurora Miranda, irmã de Carmen. Custódio, aliás, também acompanhou a Pequena Notável em suas apresentações. Viciado por trabalho (música) durante o dia, Custódio era um boêmio. Portanto, não trabalhava à noite. Passava o tempo nas mesas de bar da Lapa ou no Nice. Custódio saía à tardinha e só voltava para casa de manhã. Levava uma vida desregrada, alimentava-se mal, e nunca chegava em casa antes das 6 da manhã. Após sua morte, seus amigos descobriram que o compositor era epiléptico, mas tinha medo de contar, porque a doença poderia segregá-lo. Tomava uma pílula misteriosa (talvez Luminal), para evitar crises da doença, fato que criou o boato de que ele usasse drogas.

Mesquita chegou a escrever músicas nos espaços em branco de um jornal velho, pois não lhe davam papel para escrever, temendo que se esgotasse compondo. Sua derradeira composição, registrada e gravada, foi feita para um espetáculo do teatro de revista. O título era “Despedida”. Custódio faleceu de repente, no dia 13 de março de 1945, com apenas 34 anos. Causa mortis: insuficiência hepática.

Direção, elenco e trilha sonora: Cairia bem como uma minissérie. A trajetória do músico seria uma viagem ao Rio Antigo, nas quatro primeiras décadas do século 20. A direção ficaria bem a cargo de Jayme Monjardim (Aquarela do Brasil) ou Denis Carvalho (A, e, i, o, Urca). Para o papel de Custódio Mesquita, a presença de um Thiago Lacerda ou de um Reynaldo Gianechini seria o certificado de uma boa audiência. Quem sabe Ana Paula Arósio como Carmen Miranda? Na requintada trilha sonora, obviamente, as pérolas musicais de Custódio, Ary, Lamartine e Noel.

5º lugar: Salamaleikum – a epopéia dos insubmissos Malês (Unidos da Tijuca/1984)

Encontrei personagens realistas
Tidas como anarquistas
Pois queriam um Brasil mais irmão
De Alá receberam ensinamentos
De Olorum não se afastaram um só momento
Negros que enxergaram as razões
E lutaram pela igualdade
Liberdade e justiça social
Salamaleikum, elo forte, triunfal

Argumento: A princesa negra Luiza Mahin foi liberta da escravidão em 1812. Ela pertencia à nação nagô-jejê, da Tribo de Mahi, de religião muçulmana, africanos conhecidos como Malês. Todas as revoltas e levantes escravos que abalaram a Bahia nas primeiras décadas do século XIX foram articulados por ela, em sua casa, que se tornou quartel-general destes levantes. Luiza era quituteira e passava mensagens escritas em árabe para outros rebeldes, através de meninos que fingiam comprar produtos em seu tabuleiro de vendas e levarem os bilhetes aos outros articuladores. Foi uma das articuladoras da Revolta dos Malês em 1835. Ficou conhecida pela valentia e insubmissão. Foi articuladora também da Sabinada em 1837-38. Descoberta, passou a ser perseguida, e conseguiu fugir para o Rio de Janeiro onde foi encontrada, presa e degredada para a Angola, na África. No entanto, nenhum documento foi encontrado em Angola, comprovando seu degredo. Acredita-se que ela tenha fugido e instalado-se no Maranhão, onde ajudou a desenvolver o tambor de crioula.

Luiza Mahim deixou um filho – o escritor e líder abolicionista Luiz Gama –, fruto da união com um português, que mais tarde vende o próprio filho com 10 anos para pagar uma dívida de jogo. Luiz Gama foi recusado em uma fazenda em Campinas por ser baiano e os baianos tinham fama de rebeldes ele é arrematado por uma fazenda em Lorena (SP). O menino cresceu e sete anos mais tarde foi alfabetizado por um hóspede da fazenda, aprendeu a ler e escrever. Com os documentos que provam sua alforria, fugiu para um quilombo no interior de São Paulo e tornou-se poeta abolicionista e um importante jornalista. Autodidata, Gama cursa Direito conseguindo através da maçonaria autorização para advogar e consegue libertar 500 escravos.

Direção, elenco e trilha sonora: Para a direção, um nome como Joel Zito Araújo (As filhas do vento, A negação do Brasil) daria ares épicos para a produção. No elenco, Isabel Fillards poderia representar muito bem Luiza Mahim. Rocco Pitanga viveria seu filho, Luiz Gama (já adulto). Marcus Viana (Pantanal, Ana Raio e Zé Trovão e O Clone), destacado nome da “new age brasileira” e que trabalhou com Joel Zito em As filhas do vento assinaria a trilha sonora.

4º lugar: O mestiço predestinado (Independente de Cordovil/1975)

Tocar o cravo na corte
Antigamente era lei
E o mulato quase negro
Tornou-se amigo do Rei

Argumento: O padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830) teve sua existência marcada por uma série de contradições. Era padre, mas teve seis filhos; tinha sangue negro, mas obteve destaque em uma sociedade escravocrata. Foi mencionado no “The New Grove Dictionary of Music and Musicians”, espécie de Bíblia da música, como “o compositor brasileiro mais importante de sua época.” A obra do padre-mestre, como era conhecido, é eminentemente sacra, embora inclua peças para teclado, aberturas orquestrais e uma ópera. Mestiço (filho de pai português com mãe negra), José Maurício já dava aulas de música aos 12 anos. Virtuose do teclado e regente, o mulato foi perseguido pelo estigma de sua cor. Quando a Corte portuguesa se muda para o Brasil, em 1808, e D.João VI (ainda príncipe regente) quer fazê-lo seu mestre-de-capela, os lusitanos se opõem, alegando seu “defeito físico” (a cor da pele). Isso não impede que fique com o cargo. José Maurício vira amigo do rei e passa a gozar de grande prestígio. Suas obras sofrem influência italiana (Jommelli, Cimarosa e Rossini). A obra do padre mestiço também sofre influência de Mozart e Haydn. Com o regresso de D.João VI a Portugal, as artes sofrem recesso no Brasil e músicos e instrumentistas passam a viver situação de penúria, a partir da Independência. José Maurício passa a cozinhar, lavar, engomar, costurar e fabricar sapatos. Com a saúde debilitada, morre em 1830.

Direção, elenco e trilha sonora: A trama poderia virar um belo e dramático filme. Para dirigir, quem sabe um nome da nova geração de cineastas, como Jéferson De, diretor do curta-metragem Distraída para a Morte e um dos criadores do movimento conhecido como Dogma Feijoada? Alexandre Moreno (Kikito de melhor ator no Festival de Gramado de 2002 pelo filme Uma onda no ar) seria um nome forte para viver o padre José Maurício. Para falar de boa música, com toques barrocos, Wagner Tiso seria uma excelente opção.

3º lugar: Tereza de Benguela, uma rainha negra no Pantanal (Viradouro/94)

No seio de Mato Grosso
A festança começava
Com o parlamento

A rainha negra governava
Índios, caboclos e mestiços, numa civilização
O sangue latino vem na miscigenação

Argumento: Século 18. A negra Tereza de Benguela era mulher de José Piolho, chefe do Quilombo do Piolho ou Quariterê, em Guaporé, Mato Grosso. Com a morte do marido, Teresa assumiu o comando. Revelou-se uma líder ainda mais implacável e obstinada. Valente e guerreira, ela comandou uma comunidade de três mil pessoas. O quilombo cresceu tanto ao seu comando que agregou índios bolivianos e brasileiros, o que incomodou muito a Coroa Portuguesa, pois isto influenciaria a luta dos bolivianos e americanos (ingleses e espanhóis) para a passagem de mercadorias e internacionalização da Amazônia. A Coroa age rápido e envia uma bandeira de alto poder de fogo para acabar com os quilombolas. Presa, Tereza suicidou-se.

Direção, elenco e trilha sonora: O experiente Ruy Guerra (Os cafajestes, Ópera do Malandro, Kuarup) ou Walter Salles Jr (Central do Brasil, Abril Despedaçado) poderiam fazer uma bela e engajada obra para contar a saga de Tereza de Benguela. No papel-título, a atriz e escritora Elisa Lucinda emprestaria muita dignidade como protagonista. Na trilha sonora, participação de Milton Nascimento e Djavan, que desfilaram na Viradouro em 1994. Músicos pantaneiros como Almir Satter, Helena Meirelles e Renato Teixeira, além da cantora mato-grossense Vanessa da Mata também dariam valiosas contribuições.

2º lugar: A saga de Agotime – Maria Mineira Naê (Beija Flor/2001)

Mas isolada no reino um dia
Escravizada por feitiçaria
Diz seu Vodum que o seu culto
Num novo renasceria

Vai seguindo seu destino (de lá pra cá)

Sobre as ondas do mar
O seu corpo que padece
Sua alma faz a prece
Pro seu povo encontrar

Argumento: Os terreiros de mina mais antigos de São Luís foram fundados por africanas que vieram para o Brasil como escravas, é o caso da Casa das Minas (Jêje-Daomé), consagrada ao vodum Zomadonu. No Palácio Dãxome, no Daomé (atual Benin), reinava Angololo. O rei tinha como segunda esposa a Rainha Agotime e dois filhos: Adandoza, do primeiro casamento e Guezo, nascido de Agotime. No ato de sua morte, Angololo elegeu seu segundo filho para sucedê-lo ao trono. O direito de seu primogênito foi desconsiderado por uma previsão de Fá, o senhor do destino. Adandoza assume o trono do rei após sua morte como tutor de Guezo, e o povo se tornou vitima de um governo tirânico e cruel. Agotime era conhecida em seu reino pelas histórias que contava sobre seus ancestrais e sobre o culto dos reis mortos e guardava o segredos e conhecimentos religiosos. O novo rei tratou de mantê-la isolada acusando-a de feitiçaria e não hesitou em vendê-la como escrava. À beira de um rio, encontrou um pássaro que mergulhava várias vezes. Ele apresentou-se como Zomadonu, rei dos Texossus, que ultrajado pela negativa de Adandoza em estabelecer o culto a seu povo, designou Agotime a encontrar um caminho para conduzi-los a um novo mundo onde seriam cultuados de igual maneira os Texossus, seus irmãos e primos, reis do Clã Real do Daomé. Assim o culto Xelegbatá renasceria. Num grande porto de venda de escravos, Agotime é jogada nos porões imundos de um navio negreiro e trazida para o Brasil. O sofrimento físico da rainha, traída e humilhada era uma realidade menor pois o seu espírito continuava liberto. A rainha atravessa o mar e nasce a ligação África-Brasil.

Agotime chega ao novo continente um corpo escravo mas um espírito livre, pronto a cumprir a sua saga e fazer ouvir daqui o som dos tambores jêjes. Seu primeiro destino foi Itaparica, na Bahia. Vinda de uma região onde poucos escravos se destinavam ao Brasil, Agotime se depara com muitos irmãos de cor, mas não de credo. No seu encontro com os nagôs teve o seu primeiro contato com os orixás e, através deles, a rainha escrava teve conhecimento de seu povo. Por eles soube que sua gente era chamada negros-minas e que tinham sido levados para São Luis do Maranhão. Contaram que não tinham local para celebrar o seu culto, pois esperavam um sinal de seus ancestrais. Agotime logo entendeu por quem esperavam. A rainha trabalhou então dez longos anos, conseguiu guardar um pouco de seu trabalho nas minas e comprou sua liberdade, prosseguindo sua viagem em busca do seu senhor e de sua gente. Chegou no Maranhão, terra das festas dos povos do culto mina-jêje. É no Maranhão que Agotime, a escrava, volta a ser rainha. Sob orientação de seu vodum, funda a “Casa das Minas de São Luis do Maranhão”. Após a fundação, Agotime recebeu o nome de “Maria”; da região da costa da mina, na África, herdou “Mineira”; e, de seu vodum, “Naê”. Passou então, a rainha, a chamar-se Maria Mineira Naê.

Direção, elenco e trilha sonora: A sagrada epopéia de Agotime em película, com certeza, teria que ser uma megaprodução, com possíveis locações na África, Rio, Bahia e Maranhão. Acostumado a retratar o povo negro na tela grande, Cacá Diegues (Chica da Silva, Quilombo e Orfeu) seria o nome mais apropriado para filmar a saga. Zezé Motta (uma das atrizes-fetiches de Cacá) viveria com crédito Maria Mineira Naê na maturidade. A talentosa Taís Araújo poderia se dar bem no papel da jovem Agotime. O tirânico Adandoza, primogênito do rei do Daomé, poderia estar na pele de Norton Nascimento. O ministro Gilberto Gil, que tem formidáveis canções de caráter afro em sua carreira, poderia assumir a direção musical. Artistas maranhenses, como Alcione e Zeca Baleiro também poderia contribuir com prestígio à trilha sonora do filme.

1º lugar: Deixa Falar (Unidos de São Carlos/1980)

É o samba, Iaiá
É o samba, Ioiô
Mostrando pro mundo inteiro

O seu berço verdadeiro
Onde nasceu e se criou

Argumento: Provavelmente o projeto “Deixa Falar” seria o mais complexo e difícil de ser realizado. Reproduzir no cinema ou numa minissérie o ambiente do Rio de Janeiro das primeiras duas décadas do século 20 e contar a história da primeira escola de samba – a Deixa Falar foi fundada em 12 de agosto de 1928, com as cores vermelha e branca, e desfilou entre 1929 e 1931 – é um projeto ousado e de muita responsabilidade.

O filme (ou a minissérie) seria uma espécie de continuação natural da história de Dom Obá II, que desemboca na comunidade negra que formou os primeiros movimentos do samba no Rio de Janeiro. A trama enfocaria os bairros do Estácio de Sá – indiscutivelmente o berço do samba carioca – e a malandragem do príncipio do século 20 na Praça Onze, no Mangue (Zona), e a passagem de todos os grandes sambistas que, na época, surgiram no Rio – da Mangueira à Portela. Os personagens destacariam as figuras de Mano Edgar, Bucy Moreira, Alcebíades Barcelos (Bide), e seu irmão Rubens, Armando Marçal, Ismael Silva, Baiaco e Heitor dos Prazeres. Enfim, focar a Deixa Falar seria falar do nascimento do desfile das escolas de samba e a gênese do atual carnaval.

Direção, elenco e trilha sonora: Para contar a história, caso chegasse ao cinema, Paulo César Saraceni estaria bem cotado, em função de sua proximidade com filmes de carnaval (Natal da Portela, Amor Carnaval e Sonhos, Bahia de Todos os Sambas e Banda de Ipanema, Folia de Albino). Para dar um caráter mais hollywoodiano (glamouroso, no entanto, menos real), as opções seriam os cineastas da família Barreto: Fábio (Jacobina, O Quatrilho) ou Bruno (Bossa Nova, Dona Flor e seus Dois Maridos). Interessante também seria perceber como um argentino de nascimento e naturalizado brasileiro, Hector Babenco (Lucio Flavio, Pixote, Carandiru), retratraria a trama. Caso a trama fosse produzida para a televisão, Aguinaldo Silva, acostumado com temas negros e carnavalescos (Caso Especial Otelo de Oliveira, Tenda dos Milagres, Partido Alto), seria o nome mais indicado. A escalação do elenco é um caso à parte. A seleção para viver os baluartes do samba teria que ser bem especial. A trilha sonora poderia ficar a cargo das velhas guardas das escolas de samba, principalmente Estácio, Mangueira, Portela, Salgueiro e Império Serrano.

Rixxa Jr.

rixxajr@yahoo.com.br