Nascido em 21 de maio de 1949, Renato Rui de Souza Lage começou seu ofício artístico fazendo de
tudo um pouco. Mostrou claramente que se virava fazendo
bicos por aí, sem auxílio de ninguém para sobreviver.
Foi chamado uma vez para trabalhar em estúdios de
televisão como cenógrafo. Mas como a renda obtida não
era suficiente, ele continuava fazendo outras coisas para
conseguir algum dinheiro extra, como charges para
jornais. Pouco tempo depois, foi se aprofundando mais,
fazendo cursos para implementar seu trabalho até ser
chamado para trabalhar na TVE do Rio de Janeiro, onde
conheceu o mestre Fernando Pamplona. O então
carnavalesco do Salgueiro pediu ao Renato para fazer
alguns desenhos para decoração de alegorias. Pamplona
gostou tanto do trabalho feito pelo cenógrafo, que o
chamou para integrar parte de sua equipe na Academia do
Samba. Começa ali sua trajetória no carnaval.
Em
1977, foi criando partes das alegorias para o desfile do
Salgueiro, com o enredo Do Cauim ao Efó, Moça
Branca, Branquinha. Falava da história da culinária
brasileira, citando vários tipos de alimentos existentes
em nosso país do Oiapoque ao Chuí. Essa era a nova
equipe de Pamplona, na qual o Renato e outros nomes
integravam. Nova porque depois de sua saída do Salgueiro
em 1972, nomes como Joãosinho Trinta, Arlindo Rodrigues,
Rosa Magalhães e Maria Augusta foram deixando a escola
da Tijuca e alcançando a hegemonia em outras escolas.
Lage fazia parte da nova geração de carnavalescos que
Fernando Pamplona voltava a lançar naquele seu retorno
ao Salgueiro. O desfile do Salgueiro de 77 foi
belíssimo, batendo diretamente com as ferozes
Beija-Flor, Portela e União da Ilha. Um quarto lugar foi
muito justo, principalmente para o nível do trabalho
apresentado.
Em
1978, Renato continuou na equipe de Fernando Pamplona no
Salgueiro. O enredo, que seria sobre a história das
escolas de samba, foi modificado. Tornou-se o mesmo de
Joãosinho Trinta na Beija-Flor, justamente para tentar
barrar o possibilíssimo tricampeonato da escola de
Nilópolis. Acontece que desde a saída de Joãosinho
Trinta e outros inúmeros integrantes da Academia em 1975,
a agremiação tijucana ia mal das pernas, com problemas
financeiros e brigas internas. O próprio Lage citou uma
vez numa entrevista que houve casos de pessoas destruindo
ocultamente seus adereços só como revolta. A escola fez
um desfile bonito, mas os vários problemas fez a escola
quase ser rebaixada. Ficou em sexto lugar, uma vez que o
descenso era feito a partir da sétima colocação.
Depois daquele carnaval, Fernando Pamplona abandou no a
profissão de carnavalesco e sua equipe se desmoronou.
Lage e seus companheiros estavam momentaneamente
desempregados.
O
seu belo trabalho feito no Salgueiro foi suficiente para
logo ser atraído por ofertas de outras escolas. Paulo
César Cardoso (carnavalesco do futuro
“Kizomba”) convidou Renato para confeccionar o
desfile da Unidos da Tijuca para 1979, pois tinha uma ala
sua lá. O carnavalesco tinha uma bomba em suas mãos: a
escola do Borel estava no Grupo 2A (terceiro grupo),
tinha uma exagerada falta de recursos e não era
possuidora de chão suficiente para crescer muito. A
falta de verbas era bem maior que a crise do Salgueiro.
Mas Renato Lage tentou fazer o que podia. A escola do
Borel já tinha um enredo para 79, que era “Brasil,
canta e dança”. Com a ajuda do carnavalesco Geraldo
Sobreira, o desfile deu muito certo e a Unidos da Tijuca
subiu de grupo, ficando em 3º lugar.
Já
no Grupo 1B, Lage tentou realizar um sonho: ver a Tijuca
voltar ao primeiro grupo. Escolheu cearense Delmiro
Gouveia como enredo e investiu o máximo que podia em seu
desfile para ver a escola ser campeão do acesso. E o
sonho deu certo! A Unidos da Tijuca fez um desfile
imprescindível e sagrou-se campeã. Um dos momentos mais
marcantes foi a impecável alegoria que finalizava o
desfile, representando a morte de Delmiro Gouveia. Renato
colocou metais atrás do carro, que, quando friccionados,
faziam barulho de cachoeira, gerando um impacto muito
grande. Como curiosidade, vale a pena constar a vinda do
então diretor de harmonia da Beija-Flor Laíla para a
escola. A Beija-Flor também emprestou Neguinho para
ajudar a puxar o samba na avenida.
No
ano seguinte, a escola optou por um enredo crítico,
baseado no livro “Manuscrito holandês” de
Manoel Cavalcanti Proença: “Macobeba, o que dá
pra rir, dá pra chorar”. Tratava-se da luta de
um cidadão simples (Mitavaí) contra a exploração das
empresas multinacionais (o monstro Macobeba). Era um tema
muito polêmico, pois a sobre do regime militar ainda
pairava sobre o Brasil, ainda que menos forte que há dez
anos antes. Embalada por um samba extraordinário, a
Unidos da Tijuca foi impressionando a todos com um
desfile fantástico. Uma das alegorias mais incríveis
já apresentadas num desfile foi justamente o carro que
representava o polvo Macobeba, feito todo em com copinhos
de plástico e com os tentáculos agarrando vários
produtos, incluindo duas TVs ligadas! Mesmo assim, a
Tijuca convenceu todos com seu mágico desfile, menos os
jurados, que injustamente ficou num reles 8º oitavo
lugar. Pelo menos, não fora rebaixada! Em 1982, Lage
optou por uma homenagem ao escritor Lima Barreto, que
não teve tanto sucesso, levando a Tijuca ao 9º lugar.
Renato sai da escola.
Pouco
depois, surgiu a proposta do então campeão Império
Serrano para trabalhar no carnaval de 1983. Asaída das
vitoriosas Lícia Lacerda e Rosa Magalhães foi uma
oportunidade única para ele poder mostrar seu talento
numa escola grande, como era o Império naquele momento.
O enredo foi uma proposta de Fernando Pamplona, sobre as
baianas. Falava da cultura, religião, culinária e
sentimento de mãe das baianas. Logo de cara, o desfile
de Império já fora apontado como bicampeão. Era um
conjunto de fantasias e alegorias deslumbrantes,
abordando com muita perfeição o enredo. Essa
glorificação tem seus motivos, pois foi só aí que o
carnavalesco teve a oportunidade de contar com algo que
era difícil nas escolas em que passou antes: recursos
financeiros. A escola da Serrinha ficou em 3º lugar,
atrás da Portela e Beija-Flor. No ano seguinte, Renato
novamente aposta num enredo de Fernando Pamplona e
novamente, tem uma excelente colocação. Tratava-se de Foi
malandro é, outro desfile incomensurável do
Império, dando um vice-campeonato para o carnavalesco,
sua melhor colocação até então.
Em
1985, Lage decidiu fazer um desfile não proposto por
Pamplona. Pela primeira vez, convidou a sua então esposa
Lílian Rabelo. Os dois armaram um desfile sobre a
cerveja, contando a história, produção e consumo da
bebida no Brasil e no mundo. Foi um desfile inferior ao
dos anos anteriores do Império, mas ainda sim tenha um
impacto visual muito grande, super colorido com
predominâncias de cores douradas nas fantasias e nos
carros. Ironicamente, a escola da Serrinha ficou em
sétimo lugar (que era uma posição ruim em comparação
aos anos anteriores) justamente na estréia da Lílian
como carnavalesca. Em 1986, o Império quis muito
melhorar e o Renato novamente apostou num tema polêmico,
comemorando o fim do regime militar. “Eu quero”
era um enredo proclamando o direito do brasileiro à
saúde, educação, segurança, alimentação, moradia e
felicidade. Foi um desfile altamente tradicional, leve,
delicado nos mínimos detalhes, mas jamais simplório. Se
não fossem certos problemas de evolução, a escola
haveria sido campeã. O casal ficou em 3º lugar e se
despediu da escola depois do carnaval.
No
ano seguinte, Lage e sua esposa deram uma passada no
Salgueiro, voltando ao lugar onde ele havia começado no
carnaval dez anos antes. Apostou num belo enredo sobre a
felicidade, realizando mais uma vez um desfile levíssimo
no ápice da palavra. Houve muito bom gosto na
confecção dos carros e fantasia, num colorido majestoso
da agremiação. Um injusto 5º lugar não foi tão
merecido pela escola, pois segundo os especialistas, a
escola poderia ter obtido no mínimo uma 3ª colocação.
O casal saiu da escola tijucana e foi convidada para
fazer carnaval na Caprichosos de Pilares. Eles deram um
basta na seqüência de temas críticos, que já estavam
começando a afundar a escola. Renato optou por uma
homenagem aos 90 anos do cinema. Mais uma vez, o casal
esbanjou da beleza em seu desfile e a leveza (semelhante
à de 1985 da escola) fez a Caprichosos tirar um belo 8º
lugar, empatada com a Mocidade e a Tradição. Em 1989, a
Caprichosos fora muito injustiçada, com um 12º lugar.
Fez um desfile muito bonito, com o crítico enredo O
que é bom todo mundo gosta, abusando de adereços
bem-acabados e de um efeito bastante chamativo. Depois do
carnaval de 89, Lage saiu da Caprichosos.
Durante
esses 11 anos trabalhando no carnaval carioca, Renato
Lage alternou entre bons e maus momentos, porém nada se
compararia aos 13 anos que viriam pela frente. Um nome
marcou toda a sua carreira e esse nome era forte:
Mocidade Independente de Padre Miguel. A escola de
Arlindo Rodrigues e Fernando Pinto passava por maus
momentos depois da morte do tupinicopolitano Fernando
Pinto em 1987. Em 1988, a agremiação esteve sem a
força tanto de seu patrono (o bicheiro Castor estava
preso) e de seu mestre maior (como já disse, havia
morrido). Foram dois anos de troca-troca de carnavalesco,
até o Castor convidar o casal para fazer o carnaval de
1990. O enredo se chamava Vira, virou, a Mocidade
chegou e falava dos 35 anos de história da
agremiação da Vila Vintém. Era a história da escola
desfilando, da bateria aos intérpretes, dos presidentes
aos destaques, do.
O
desfile de 1990 foi dividido em quatro partes principais.
A primeira falava dos primeiros anos de fundação e
formação da escola. A segunda constava a década de 70,
quando a escola começava a crescer com enredos do
luxuoso Arlindo Rodrigues. A terceira fazia uma síntese
dos enredos do tropicalista Fernando Pinto nos anos 80. A
quarta era uma interrogação em relação ao futuro da
escola na última década do milênio e depois. As
mudanças de uma cada fase dessas para outra foram
chamadas de “viradas” pelo Renato e pela
Lílian (que estava grávida de sete meses na época).
Daí veio o nome “Vira, virou” do enredo. Só
para constar, os setores citados acima eram divididos por
tripés com duas ampulhetas e um letreiro luminoso
anunciando a década que seria citada a frente. O atual
estilo high-tech do carnavalesco começou a dar as caras
ali, na qual eles usaram e abusaram dos efeitos
especiais, como o néon em inúmeros carros. Mas a
comunicação com o público, embalado por um samba muito
popular, mostrava que era desnecessário tanto
investimento para abocanhar uma boa posição. O
comovente retorno do bicheiro Castor de Andrade à
avenida, que cumprimentou cada componente um a um,
também foi algo marcante. Renato Lage foi campeão com
méritos!
Era
impressionante ver como um carnavalesco chegava em uma
nova escola e logo de cara arrancava um campeonato. O
casal ficou na escola de Padre Miguel e escolheu um
enredo sobre as águas para o carnaval de 1991. O nome
era Chuê... Chuá... As águas vão rolar e a
agremiação era uma das favoritas, pois tinha um samba
melhor e mais popular até que o do ano anterior. E
empolgadíssimos, foi o casal tentar o bicampeonato. Logo
no começo do desfile, o público já aplaudia
euforicamente. Essa passagem fantástica da Mocidade foi
marcada pela inesquecível comissão de frente dos
escafandristas, o abre-alas com a tradicional estrela da
escola em forma de estrela-do-mar, a singular bateria
fantasiada de mergulhadores, a alegoria representando a
Arca de Noé e principalmente, o incomensurável carro
representando o globo terrestre com feto dentro. A
Mocidade chegou à apoteose sob os eufóricos gritos de
“bicampeã”. E era o que viria acontecer na
quarta-feira de cinzas. A agremiação da Vila Vintém
ganhou não só o Estandarte de Ouro de melhor escola,
como também seu primeiro (e único) bicampeonato. A
profecia havia sido realizada!
No
ano seguinte, a Mocidade estava sendo o centro das
atenções do carnaval. Dava a impressão que o desfile
estava a frente de todos os outros, pois era uma
expectativa tão grande que a escola parecia já ter
levado o título de tricampeã. Novamente, vinha se
superando cada vez mais, com um samba mais popular e
melhor que dos anos anteriores. O desfile já havia sido
começado com um quê de campeonato, pois a Mocidade mais
uma vez tinha uma comunicação gigantesca com o
público. O trabalho apresentado deslumbrante, num
conjunto de alegorias e fantasias impecáveis. O enredo
era interessantíssimo, falando dos diversos tipos de
sonhos, dos sonhos noturnos aos desejos eróticos, dos
delírios infantis às outras dimensões. Um dos melhores
desfiles do ano, porém o sonho do tri seria adiado. O
casal teve o azar de competir com o imbatível desfile da
Estácio de Sá, com um maravilhoso enredo sobre os 70
anos do modernismo no Brasil. A Mocidade ficou por 1,5
pontos de faturar o título, mas era difícil barrar o
trabalho maravilhoso de Chico Spinoza, Mário Monteiro e
Paulo Barros.
Depois
do carnaval de 1992, Lílian havia desfeito seu casamento
com Renato, deixando assim de ser sua companheira de
trabalho e, por conseguinte, carnavalesca da Mocidade.
Mas seu ex-marido continuou na escola da Vila Vintém e
decidiu fazer um enredo sobre os inúmeros tipos de
jogos. Em 1993, a escola mais uma vez veio como uma das
favoritas, apesar de entrar meio sem-jeito na Sapucaí
depois da tristeza do vice de 92. A agremiação fez um
desfile mediano em relação aos anos anteriores, mas
muito bem elaborado com um belíssimo conjunto de
fantasias e alegorias. Um dos maiores impactos daquele
desfile foi o carro representando os games eletrônicos
com uma célebre escultura de garoto jogando num joystick
e o último carro, onde eram caracterizados o jogo do bem
e o mal. Foi um desfile muito bem-feito, mas era
dificílimo deter o “efeito Ita” do Salgueiro.
Em
maio de 1993, a escola foi abalada por um grava
acontecimento, que foi a prisão do bicheiro Castor de
Andrade. A Mocidade havia ficado com pouca verba para o
desfile seguinte e sofreu muito com isso, ameaçando até
não desfilar em 1994. Renato teve a oportunidade de
escolher se queria sair ou não da escola. Preferiu
então ficar e tentar fazer a escola brigar por uma boa
colocação. Escolheu como enredo a Avenida Brasil, que
é a mais importante via de entrada e saída do Rio de
Janeiro. Tentou usar o máximo a criatividade, pois sabia
que não podia investir tanto no luxo. Mesmo assim, a
agremiação realizou um desfile pobre, com um samba
mediano e uma evolução que não agradou muito os
jurados. Mesmo tirando todas as notas máximas no quesito
alegorias e adereços (um dos poucos pontos fortes da
escola), Lage acabou em 8º lugar, sua pior colocação
na Mocidade.
Em
1995, a escola voltou a brigar por uma boa colocação. O
belíssimo enredo Padre Miguel, Olhai por Nós
falava da fé e da religiosidade dos brasileiros. Citava
toda história das crenças em nosso país e também os
perigos existentes no mundo das religiões no Brasil. E
foi notável que o clamor do título do enredo deu certo,
pois Padre Miguel realmente olhou pela escola, que havia
passado por uma situação difícil no ano anterior e em
95, ela arrebentou na avenida. Acontece que Renato Lage
sobe muito bem reconhecer os erros que a Mocidade cometeu
em 94. Decidiu fazer uma reavaliação de seu estilo
apresentado a cada ano e notou que o principal erro de
1994 foi o exagero de futurismo e a falta de emoção.
Daí o carnavalesco armou um desfile elegante, mas
simples, tradicional, sem o abuso de efeitos especiais e
tecnologias high-tech, até porque a Mocidade ainda
estava numa crise financeira. Um 4º lugar foi muito
merecido para o nível de exuberância apresentada.
Depois do desfile, Renato ameaçou a querer deixar a
escola. Porém o patrono Castor insistiu muito para o
carnavalesco ficar, alegando que seu sonho do
tricampeonato ainda não havia sido realizado. Renato
decidiu ficar na Mocidade.
Estranhamente,
o carnavalesco voltou a fazer um desfile high-tech para o
carnaval de 1996, esbanjando do néon e das exuberantes
tecnologias. O enredo se chamava Criador e criatura
e citava as inúmeras criações já feitas, tanto de
Deus quanto dos homens. Mas quando estava próximo do
desfile da Mocidade, houve um desastre! Durante o desfile
da Portela, várias alegorias começaram a quebrar na
dispersão, ficando amontoados por lá durante muito
tempo. Depois, veio a Viradouro de Joãosinho Trinta e
como as alegorias portelenses estavam presas na
dispersão, os carros da Viradouro também ficaram
presos, causando um verdadeiro engarrafamento de
alegorias. Essa ocorrência fez a Liesa adiar o desfile
da Mocidade, o que irritou em muito o carnavalesco.
Renato alegava que seu desfile foi feito para noite e
todo seu investimento poderia vir por água abaixo se o
dia clarear. Mas assim foi e às cinco horas da manhã,
começou o desfile da Mocidade, que estava previsto para
as duas e meia da noite.
Logo
de cara, o público soltou o típico grito de “É
campeã” para tamanha beleza do abre-alas. Chamou a
atenção a singular comissão de frente representada por
vários Frankensteins, comandados pelo ator César
Macedo. Foi seguida pelo setor que representava a
criação do mundo, com fantasias belamente
multicoloridas. Foi falando da criação da natureza, com
um excepcional carro “Elementos da Natureza”,
com um imenso aquário de placas de acrílico. Depois,
começou a citar os seres humanos e suas inúmeras
invenções, do parafuso ao computador, do chip ao
foguete. A cada ala que passava, mais o enredo se tornava
interessante. Para finalizar o desfile, Renato deixou uma
mensagem de otimismo, transformando a triste imagem da
bomba de Hiroshima em uma alegoria rodeada de flores e
pássaros. Foi um desfile fantástico, feito para todo
público aplaudir. Este desfile foi capaz de dar ao Lage
e a Mocidade seus últimos campeonatos da história até
então, superando até a Imperatriz de Rosa Magalhães.
Em
1997, a escola mais uma vez veio como favorita ao
bicampeonato. O enredo De corpo e alma na avenida
falava da saúde e citava as inúmeras partes do corpo
humano. Novamente, a Mocidade começou e terminou seu
desfile muito aplaudida pelo público e elogiada pelos
críticos. A começar pela interessantíssima comissão
de frente fazendo uma alusão ao surgimento do homem como
um ser aquático. Depois, veio o maravilhoso abre-alas
representando a formação da vida, que teve problemas
técnicos e acabou perdendo por alguns instantes toda sua
iluminação de néon no começo do desfile. Obviamente,
não foi algo tão comprometedor ao conjunto da escola.
Essa alegoria foi seguida de uma seqüência belíssima
de alas e carros, cada um ricamente confeccionado. O
desfile fazia citações ao ato sexual, aos sistemas
sanguíneos e digestivo, ao cérebro, ao esqueleto, aos
cincos sentidos, a musculatura, aos atendimentos médicos
e a morte. Foi outro desfile singular, luxuoso e
multicolorido. Infelizmente, a Mocidade teve problemas
sérios de harmonia, pois seu desfile estava quase
completo antes do tempo mínimo de desfile se completar
(65 minutos). Isso obrigou os componentes da escola
ficarem evoluindo em frente a dispersão até chegar os
65 minutos de desfile. E na apuração, não deu outra! A
Mocidade havia perdido por 0,5 ponto em harmonia para
Viradouro, que no ano anterior havia ficado em 13º
lugar. O sonho do tricampeonato havia sido adiado mais
uma vez. Durante o ano de 97, o patrono Castor de Andrade
vem a falecer.
Em
1998, Renato Lage prepara um desfile altamente futurista.
Mesmo sabendo dos problemas financeiros que a Mocidade
enfrentava, ele desfrutou em muito de seu estilo
high-tech. A escola teve o abusivo uso de fantasias e
alegorias luxuosas, na qual era notável o esbanjamento
de dinheiro nos mais mínimos detalhes. A Mocidade fez,
em 98, um dos desfiles que mais honrou o título de
high-tech ao carnavalesco. Mesmo assim, é inegável a
criatividade do desfile feito. O enredo Brilha no céu
a estrela que me faz sonhar, confundido primeiramente
como uma homenagem ao falecido Castor de Andrade, era uma
espécie de releitura do clássico enredo Ziriguidum
2001, pois falava de estrelas e corpos celestes.
Falava não só do aspecto físico dos astros, como de
toda folclore e mitologia que os envolve, como a
astrologia. A Mocidade, pra variar, veio com uma
qualidade de alegorias e fantasias irrepreensíveis,
destacando o belíssimo e gigantesco sol de néon do
abre-alas e o carro “Contatos imediatos”,
representando discos voadores e extraterrestres, tendo
Carla Perez como destaque. Mas todo o investimento do
carnavalesco foi por água abaixo na quarta-feira de
cinzas, quando os jurados colocaram a Mocidade apenas no
6º lugar. Lage novamente sofreu pelo seu estilo, o que o
fez hesitar quanto o seu tão falado exagerado futurismo.
Para
o carnaval de 1999, Renato Lage escolheu o enredo Villa-Lobos
e a apoteose brasileira, uma singela homenagem ao
maestro carioca, que viajou o Brasil inteiro para compor
suas obras. Mas o inesperado acontece: Paulo Renato Lage
muda completamente seu estilo high-tech e prepara um
desfile altamente tradicional! Até a iluminação deixou
de ser o tão falado néon, transformando-se em pequenos
efeitos de lâmpadas nos carros. O carnavalesco armou um
desfile investindo muito nas folhagens artificiais e em
esculturas de animais, até porque o enredo contribui
muito com isso. Mas também tentou usar o estilo barroco,
já que estavam falando de um músico erudito. Pode-se
dizer que foi um desfile misturando o tropicalismo de
Fernando Pinto com o clássico de Arlindo Rodrigues, dois
nomes marcantes da história da escola. O desfile
começou com uma seqüência de alas falando da
Amazônia, seguidas das sempre maravilhosas baianas e de
um impecável abre-alas tropical, citando o encantamento
da Europa com as obras de Villa-Lobos trazidas para lá.
Logo após, Renato Lage teve a corajosa idéia de trazer
uma orquestra de violoncelos, tendo como destaque o ator
Marcos Palmeiras, representando o músico. Porém este
carro teve sérios problemas ao entrar na avenida, pois
demorou demais para colocar seus destaques em cima e,
para piorar, acabou ficando preso na entrada do
Sambódromo, deixando um imenso buraco em frente ao setor
um. Mas isso não foi motivo para grandes preocupações
e a alegoria foi muito aplaudida pelo público. Aos
poucos, a Mocidade foi empolgando a todos, pois tinha um
enredo belíssimo e uma comunicação extraordinária com
o público, que se empolgava com cada carro ou ala que
passava. Todo trabalho do carnavalesco foi genial, tendo
infinitos ápices de genialidade. Terminou seu desfile
aplaudida de pé por todo público do Sambódromo,
faturando inclusive um Estandarte de Ouro de melhor
escola. No dia da apuração, infelizmente houve muitas
lágrimas. O jurado Carlos Pousa notou o buraco no
início do desfile e teve a coragem de lascar um 7,5 em
harmonia. Isso fez a Mocidade ficar em 4º lugar,
perdendo para um desfile frio e insosso da Imperatriz.
No
ano da virada do milênio, Renato escolheu o enredo Verde,
amarelo, branco e anil irão colorir o Brasil do ano 2000
e prometia vingança em relação ao sacrilégio de 1999.
O carnaval daquele ano era monotemático, comemorando os
500 anos de descobrimento do Brasil, e o Renato decidiu
falar das quatro cores de nossa bandeira. “Para
variar,” a Mocidade fez um desfile extraordinário,
começando com uma belíssima nave espacial carregando os
“índios do futuro”. O que mais impressionava
naquele desfile foi a organização das cores da bandeira
brasileira em cada setor da escola. O verde foi
representado por um carro lembrando a Amazônia como o
“pulmão do mundo” e por uma encantadora
floresta, repletas de índios, animais e mistérios. O
amarelo foi representado por um gigantesco troféu
dourado, lembrando os nossos grandes nomes esportivos. O
azul foi representado por uma belíssima alegoria
trazendo seres marinhos, lembrando as água. Desfile
terminou com um infindável manto branco, simbolizando
uma mensagem paz, o que seria um prenuncio ao desfile de 2001.
A combinação de cores da escola foi uma das mais
impactantes da história e novamente, Renato brigou
duramente por um campeonato. Infelizmente, isso não veio
acontecer de novo, pois a Mocidade acabou de novo num
injusto 4º lugar.
Em
2001, Renato Lage fez um enredo sobre a paz e decidiu
chamar sua nova esposa, Márcia Lávia, para ajudar a
confeccionar o desfile. Comicamente, a Mocidade foi mal
em 2001, ficando em 7º lugar justamente na estréia de
sua mulher. O engraçado era que o Império também foi
muito mal quando a Lílian estreiou ao seu lado em 1985,
ficando também na sétima colocação. Para o ano
seguinte, o casal decidiu caprichar. O enredo iria ser
sobre a aviação, mas o Renato decidiu trocar ao ver que
o Salgueiro e a Beija-Flor também abordariam esse tema.
Decidiram falar do sentimento de magia e surpresa das
pessoas em relação ao mundo mágico do circo. O
carnavalesco e sua esposa investiram muito naquele
carnaval, tentando fazer de tudo para a Mocidade
caprichar. Foram um dos últimos grandes desfiles da
história da escola, o melhor do novo século. Todas as
maravilhas do circo foram lembradas, numa seqüência
mágica de alegorias e fantasias, deixando todo público
com a sensação de estar assistindo um espetáculo
circense. Um desfile fantástico, que rendeu a
agremiação outro amaldiçoado 4º lugar.
No
ano seguinte, o Salgueiro faria aniversário de 50 anos,
mais precisamente, no dia da apuração de 2003. O então
presidente da agremiação tijucana decidiu levar o casal
para lá, depois de uma seqüência de más colocações
em carnavais anteriores. O Salgueiro insistiu tanto que
os carnavalescos aceitaram. Foram nada mais que 13 anos
seguidos na Mocidade Independente, maçados por três
campeonatos e dois vices, além de outros desfiles
inesquecíveis. Renato Lage deixou sua marca na escola da
Vila Vintém, mas sentiu que precisavam dar uma renovada
e saíram da Mocidade. Porém isso não seria motivo para
saírem brigados e ainda hoje possuem muitos amigos na
escola. O enredo salgueirense de 2003 se chamaria Salgueiro,
minha paixão, minha raiz – 50 anos de glória e
narrava toda história da agremiação.
O
Salgueiro era já cotado como campeão antes mesmo do
carnaval. A escola possuía fantasias e alegorias
consideradas as melhores do ano. Entrou na avenida com
garra, sabendo que aquele ano era para marcar o novo
milênio e apostou muito no trabalho dos carnavalescos. O
abre-alas lembrava o morro em que o Salgueiro foi fundado
e trazia inúmeros baluartes do samba, até de outras
escolas de samba. Daí, seguiram-se os tripés, alegorias
e alas lembrando os oitos títulos de história da
escola. O Renato e a Márcia investiram muito num
acabamento de extrema qualidade e em fazer que todos que
assistissem aquele desfile entendessem a mensagem
passada. Mas o Salgueiro acabou ficando grande demais e
seria muito difícil fazer toda a escola passar no tempo
limite. A escola acabou tendo problemas nesse quesito e
perdeu 0,8 décimos por quatro minutos de atraso. Mesmo
com um dos melhores desfiles do ano, ganhador do
Estandarte de Ouro, o Salgueiro ficou apenas em 7º
lugar.
Em
2004, o casal decidiu continuar na escola tijucana. Armou
um enredo didático, defendendo o uso do álcool como
combustível. O Salgueiro fez um desfile bonito, leve,
confiando menos no afoito campeonato. Uma das imagens que
mais ficaram daquele carnaval foi a comissão de frente
(que num de seus movimentos, imitava um elefante) e o
último carro “Alcóopolis”, uma cidade
fictícia que usava apenas o álcool como combustível,
tendo direito até a karts de verdade transitando pela
alegoria. O Salgueiro ficou em 6º lugar e, ao contrário
do ano anterior, voltou ao desfile das campeãs com o
maior pique.
Para
2005, Renato decidiu abordar um tema oposto ao que havia
trazido na Mocidade em 1991: o fogo. O casal preparou um
desfile empolgante, feito para animar o público e
agradar os jurados. O Salgueiro escolheu novamente uma
marchinha oba-oba, o que era praticamente desnecessária
em relação ao trabalho que seria apresentado. O desfile
da agremiação foi algo divertido, criativo, que
empolgou todos os espectadores com um verdadeiro
espetáculo de inteligência. A escola trouxe uma
seqüência de carros fantásticos e fantasias
incrivelmente comunicativas. Mas o Salgueiro teve
problemas com o tamanho das alegorias, pois várias delas
acabaram ficando presas nas árvores da concentração e
demoraram a entrar na avenida. Um dos carros até chegou
a rachar uma das torres. Isso comprometeu um pouco a
situação da escola, porém mesmo assim o Salgueiro
ficou em 5º lugar, tendo seus méritos até hoje.
Claramente,
Renato Lage teve maus momentos durante sua trajetória,
como a baixa colocação da Mocidade em 1994. Porém nada
viria a se comparar ao desfile paupérrimo que o
Salgueiro fez em 2006. O enredo era bem abstrato e
chamava-se Microcosmos: o que os olhos não vêem, o
coração sente. Foi um desfile claramente high-tech,
cheio de efeitos especiais, mas chatíssimo, insosso, que
não empolgou ninguém, nem o público da Sapucaí nem os
expectadores de televisão. O fato de a escola ter aberto
a noite dos desfiles também comprometeu a situação do
Salgueiro, fazendo todos desacreditarem na força da
agremiação. Na quarta-feira de cinzas, a escola teve a
pior colocação de sua história: 11º lugar.
Em
2007, Lage prometeu vingança. Escolheu um tema afro,
exaltando as candaces, uma dinastia de rainhas guerreiras
da África oriental. Antes mesmo do carnaval, o Salgueiro
era aclamado como um dos mais impactantes conjuntos de
alegorias e fantasias do novo milênio. O carnavalesco
deixou o estilo futurista de lado para fazer um carnaval
extremamente tradicional, lembrando seu trabalho na
escola em 1978, sob o comando de Fernando Pamplona. O
desfile foi aberto por um abre-alas gigantesco, mostrando
uma feiticeira africana saindo de um baobá,
representando a origem humana. Depois, foram surgindo os
reinos das candaces, destacando-se o cortejo da Rainha de
Sabá e o palácio luxuoso da rainha Nefertiti. Foi um
desfile impecável do início ao fim, um trabalho tão
exuberante que chegava a doer os olhos. Era algo
imponderável, feito para jurado nenhum botar defeito.
Mas o polêmico samba salgueirense acabou por ter
problemas na avenida, o que prejudicou muito a harmonia
da escola. As lágrimas reinaram após a apuração do
carnaval, com o Salgueiro ficando apenas na 7ª
posição.
Para
o carnaval de 2008, Renato Lage e Márcia Lávia
escolheram o enredo O Rio de Janeiro continua sendo...Mais
uma vez, o Salgueiro foi cotado como um dos favoritos do carnaval,
já que o enredo era interessante, principalmente por parte dos
cariocas. O vice-campeonato em 2008 foi sua melhor
colocação na escola até então. O
único título conquistado pelo Salgueiro viria
em 2009, com o enredo "Tambor". Renato Lage, que bateu na trave
em 2011, 2014 e 2016 (perdendo o campeonato por detalhes nestes
anos) ficou na Academia do Samba até o Carnaval de 2017, quando
assinou com a Grande Rio, onde desenvolverá o tema sobre
Chacrinha para 2018. Lage é, com certeza, um dos mais
importantes carnavalescos da atualidade e tem o seu nome marcado na
história do carnaval.
|