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PROVOCAÇÃO: Uma coluna do Pesquisador EM BUSCA DO ENREDO IDEAL: O RENASCENTISMO POPULAR DOS ANOS 80 Começo
essa coluna com um pedido de desculpas. Preciso justificar a minha longa ausência.
Há dois meses comecei a ter alguns problemas de saúde que vieram a se agravar,
o que me forçou a passar por uma repentina intervenção cirúrgica (um tanto
delicada para a minha idade). Por esse motivo, fiquei afastado de algumas funções
por essas semanas. Agradeço, portanto, ao criador desse espaço pela paciência
e pela compreensão, assim como agradeço a todos os leitores pela preocupação,
que muitos demonstraram por mensagens virtuais. Fico profundamente comovido e
agradecido. Eu
deixei no ar, em meu último texto, a questão sobre o enredo mais propício
para ser escolhido nos dias de hoje. Procurei mostrar que cada momento histórico
possui especificidades e, assim sendo, gera uma demanda por enredos peculiares.
Podemos datar, quiçá, em Pamplona, Salgueiro de 1960, o início desse
processo. Poderíamos voltar, ainda, um pouco mais no tempo. Não creio que seja
necessário. Passamos pelos anos 60, onde a criatividade dos artistas era
fundamental e o idealismo predominava. Passamos pelos anos 70, tempos de
carnavalescos mais maduros e da formação de uma escola, já criada e educada
totalmente dentro da cultura do samba. Saímos no final dos anos 70, quando Joãozinho
Trinta começa a retirar a figura do sambista e passa a isolar a figura do
artista como central na escola, precisamente Salgueiro em 1974 e Beija-Flor em
1976, seus dois grandes marcos. Chegamos aos perdidos anos 80, anos da
diversidade, anos onde marcas não podem ser levantadas. A
escola que se formara nos anos 70 punha na carreira solo seus primeiros nomes no
início dos anos 80. Max Lopes, mesmo que estivesse trabalhando nos anos 70,
passa por uma reciclagem e apresenta uma União da Ilha diferente. Rosa Magalhães,
que também havia começado no final dos 70, inicia sua carreira solo de
sucesso. Por fim, o terceiro nome do tripé, Renato Lage, de forma muito mais tímida,
surge no foco do universo carnavalesco. São nomes que pareciam capazes de lidar
com o novo modelo, introduzido por João nos anos 70. Arlindo mostra fôlego com
seu tricampeonato, uma vez pela Mocidade, em 79 e duas pela Imperatriz, 80 e 81.
Seu maravilhoso trabalho de 1983 também não será esquecido, na Imperatriz
ainda. Pamplona, o professor inicial, já tinha se retirado, percebendo sua
falta de condições em lidar com os novos requisitos e iniciando o seu papel de
resistência. Com ele, os componentes da segunda geração de Carnavalescos se
retiram do palco, praticamente, apenas realizando pontas e papéis coadjuvantes,
como é o caso de Maria Augusta. No entanto, o grande nome da década de 80 não
seria nem Rosa nem Arlindo. Seria Fernando Pinto. Após
passar muitos anos amadurecendo e aprendendo, Fernando teve a oportunidade de
passar o seu talento da imaginação para a prática. Fez belos trabalhos em
algumas escolas durante os anos 70, destaco, então, “Alô, Alô Carmem
Miranda”, no Império de 1972. Ao ser contratado para fazer o desfile da
Mocidade Independente de Padre Miguel, inicialmente, precisou se habituar ao
modelo da escola, que havia acabado de sair de uma era de Arlindo Rodrigues, era
a atual campeã e tinha uma grande estrutura. Tão grande quanto, era a cobrança.
Fernando conseguiu analisar a alma da Mocidade, e levou algum tempo fazendo
isso. Quando, enfim, detectou a jovialidade e o arrojo da comunidade, quando
notou a disposição que a escola tinha, como um todo, para ser revolucionária
e vanguardista, teve certeza que poderia, ali, desenvolver o seu imaginário.
Recebeu o apoio irrestrito do patrono da escola, Castor de Andrade, um
progressista por natureza. O resultado foi o momento mágico pela qual passou a
Mocidade Independente em meados dos anos 80. Fernando desenvolveu quatro
trabalhos, pela Mocidade, que mudaram absurdamente o conceito de desfile de
escola de samba e neutralizaram o estilo de João Trinta: “Como Era Verde o
meu Xingu”; “Mamãe Eu Quero Manaus”; “Ziriguidum 2001” e,
principalmente, “Tupinicópolis”. É
importante notar, nesse instante, a necessidade de equilíbrio pelo qual passava
o Carnaval. Em 1976, João já havia retirado o sambista do centro do palco, em
1982, o Império, através de Pamplona, Rosa e Lícia, fez o seu protesto. Havia
uma enorme discussão entre os setores. Um, a favor da profissionalização,
outro a favor da conservação dos principais valores tradicionais do Carnaval
Carioca. Castor estava exatamente no meio dessa discussão, pois era ele que
chefiava um movimento de profissionalização que tentasse conservar uma série
de valores tradicionais. E foi ele quem deu o apoio necessário à Fernando
Pinto para que ele começasse a desenvolver enredos simples, brasileiríssimos,
mas que tivessem apelo estético e artístico, com o devido quê de
intelectualidade e gigantismo. Portanto, Fernando entrou na Mocidade para
desenvolver enredos nesse modelo. Por
outro lado, tínhamos a Beija Flor de João com seu gigantismo e busca insaciável
pela fama. Dele, não da escola, é claro. A Beija Flor se desenvolvia mais como
uma grande exposição estética anual que como uma escola de samba completa, em
toda a concepção da palavra. João insistia que esse era o novo modelo de
escola de samba, insistia em se considerar perseguido. Mas seu principal
pseudo-perseguidor era justamente seu maior amigo, Fernando Pamplona. A escola
conseguiu o título de 1983, de uma forma, no mínimo, questionável. Venceu
Arlindo, no grande show que deu pela Imperatriz e venceu o Fernando, em outro
grande show, pela Mocidade. Depois disso, a Beija Flor se desenvolveu como
escola-espetáculo, até porque os critérios de julgamento mudaram, e passaram
a prejudicar a escola. A qualidade final dos seus shows é inegável, no
entanto, não eram completos para um desfile de escola de samba no Rio de
Janeiro. Sendo
uma década eclética, os anos 80 mostraram focos distintos em anos diferentes.
Tivemos campeões de todos os modelos e com todos os tipos de enredos
diferentes. Por mais que o maior destaque tenha ficado com Fernando Pinto,
Renato, como em 83, pelo Império Serrano, Rosa, dentre outros calouros,
brilharam. No entanto, era uma época social e política que mostrava a demanda
por temas nacionalistas, que evocassem um espírito nacional. Mas não mais de
uma forma ufanista, formal e vertical, mas de uma forma humanista, informal e
horizontal, enfim, popular. A frieza dos enredos dos anos 70 deu lugar a enredos
com maior carga de emoção. Um bom exemplo disso foram os anos em que desfiles
calorosos e emocionantes tomaram o lugar de desfiles bonitos e luxuosos. Isso
aconteceu algumas vezes nos anos 80, o que poderia chamar, por esse ponto de
vista, de Renascentismo. Parecia que o setor da conservação de valores ganhava
espaço e se recuperava no cenário carioca. Em 1982, o Império ganhava
praticamente baseado na comunicação com o publico e com o seu maravilhoso
samba enredo. Em 1984, dois grandes enredos foram consagrados, com destaque para
o supercampeão, “Yes, Nós Temos Braguinha”, da Mangueira de Max Lopes. Mas
como se esquecer de “Contos de Areia”, Portela de 1984, e do show que foi a
apresentação do maravilhoso samba na Avenida? Em 1985, tivemos um desafio a
ser superado pela Mocidade de Fernando, e que chegou perto, “E Por Falar de
Saudade”, da Caprichosos de Pilares, do excelente Luis Fernando Reis. Em 1986
e 1987 venceram os desfiles quentes e desorganizados da Mangueira, desfiles
feitos para arrancar asfalto da novíssima Passarela do Samba. O fim desse ciclo
foi com o melhor de todos os desfiles, “Quizomba”, da Vila Isabel de Ilvamar
Magalhães, em 1988 (ano de enredos focados em um só tema). Podemos chamar esse
período de renascentista. Os valores que estavam imperando, que decidiam os títulos
e as premiações eram os mesmos que tinham sido abandonados em meados dos anos
70. Logicamente que houve a reação de João Trinta, e evidentemente, Castor
gostou. Nesse meio, a Beija Flor perdeu o título com um dos seus mais belos
desfiles na história. O de 1986. Todos os enredos passavam necessariamente pela
aclamação brasileira, mas, como disse anteriormente, por um modelo diferente
de aclamação, agora, vindo de baixo para cima. O povo festejava seu país, sem
intermediários. Isso favoreceu as escolas com modelos mais populares e temáticas
mais populares. O dano recaiu em cima de uma Beija Flor estigmatizada pelos anos
70 e pela sua alma, e era o que aparentava, elitista e conservadora. Todas as
escolas que brilharam nos anos 70, não conseguiram respirar nos anos 80, a
dificuldade em passar pela transição de motivação foi enorme. O Salgueiro
entrou em uma grave crise política e, a não ser por “Skindô, Skindô”, não
fez nenhum grande Carnaval na década. O Império caiu no ostracismo. O espaço
foi aberto para as escolas da resistência: Mangueira, Mocidade, Vila Isabel,
enfim, escola que, durante os anos 70, lutaram por um espaço ao sol e sofreram
algum tipo de preconceito. Havia um clima de renovação. De renovação com
resgate de valores antigos. Era uma era de revoluções no país, revoluções
veladas, e a demanda política gerou impacto no Carnaval. O populismo
mangueirense tomou as ruas, com arrastões e grandes festas, enquanto a
“elitista” Portela se fechava e sofria com cismas internas. A pergunta clara
que fica é: se foi um período de resgate, por que foi ali que começou o
gigantismo e a crise das escolas mais tradicionais? A
resposta a essa pergunta é simples. Os organizadores queriam novas instituições,
um embrião de um novo modelo, empresarial, mas com o mesmo espírito perdido
depois do golpe militar de 1964. E poucos são os que fazem a devida relação
entre o Golpe de 64 e a queda da animação no Carnaval. Novas instituições,
capazes de absorver os estilos, surgiram com novos preceitos. A grande busca da
década de 80 era pelo popular profissionalizado. A Mangueira representava o
popular puro, a liberdade de uma nova era que ali começava. A Mangueira era o símbolo
da nova liberdade, da democracia reerguida. A Mocidade se impunha como o símbolo
da profissionalização, da gerência pragmática e competente de uma escola de
samba; a primeira escola a ser “gerenciada” e fazer projetos de desfile.
Essas duas escolas marcaram a década, cada um com seu estilo. Muitos falariam,
aqui, dos bicheiros, mas não vejo a figura do “bicheiro” como algo inovador
e peculiar aos anos 80, vejo o surgimento do “bicheiro” envolvido e
preocupado com seus investimentos, isso sim, como algo peculiar aos anos 80. Os
anos 80 foram anos de enredos que exaltavam o povo brasileiro, seus heróis
populares, suas lutas, e tudo com muita alegria. Fernando e seu tropicalismo se
destacou, mas quem brilhou foi o povo nesses meados de anos 80, de 1982 a 1988.
Enredos que, normalmente, mostravam muitas cores, muitos valores tipicamente
nacionais e que davam espaço para a brincadeira ganharam destaque. Foi o último
período do Carnaval Carioca em que o sambista teve algum destaque, mesmo que
tenha sido como um coadjuvante especial e não, como deveria ser, de
protagonista absoluto. Mas não há porque se enganar. A semente estava
plantada. O modelo empresarial sutilmente implantado nesse momento pela recém
criada Liga Independente das Escolas de Samba teria os seus frutos colhidos logo
em 1989. Na próxima coluna entraremos nos anos 90, no processo de construção do estilo que deu origem aos dias de hoje. A partir de 1989, a Imperatriz Leopoldinense e, depois, uma nova Mocidade Independente, dariam origem ao novo modelo de escola de samba e ao novo estilo de desfile. Os anos 90 em nada lembrariam os anos 80. Pesquisador |
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