PRINCIPAL EQUIPE LIVRO DE VISITAS LINKS ARQUIVO DE ATUALIZAÇÕES ARQUIVO DE COLUNAS CONTATO |
||
PROVOCAÇÃO: Uma coluna do Pesquisador REFLEXÕES A CERCA DA BUSCA PELO ENREDO IDEAL Na
última coluna eu levantei a séria questão do enredo ideal para uma escola de
samba no início desse novo século. Não sei se vocês pensaram a respeito do
assunto e disseram para si mesmos quais seriam os estilos de enredo que poriam
em suas escolas em uma situação ideal. O meu objetivo aqui, nessa coluna,
hoje, é justamente apresentar mais uma dica para suas reflexões a respeito de
enredos e desfiles. Abordei
o problema do enredo a partir da visão pessimista que percebo na maioria das
pessoas, tanto em relação ao Carnaval como em relação as suas respectivas
escolas. Sinto um tom de angústia nos discursos, um tom sério de desconfiança,
de medo. É preocupante para quem acompanha Carnaval há muitos anos sentir esse
tipo de aflição nos corações dos sambistas. Parece-me que todos estão
incertos quanto ao futuro. Isso me leva a crer que, definitivamente, estamos em
uma fase de transição. Conseguimos diferenciar os momentos históricos
justamente através do que sentimos nas feições e nos discursos dos indivíduos.
Sentimos a angústia presente em momentos de pânico, de mudança, de
incertezas. Sentimos que a realidade parece lentamente se mover em direção a
um lugar desconhecido, e é esse desconhecido que nos assusta. O Carnaval já
passou por isso algumas vezes no passado. Mas não voltemos tanto no tempo.
Paremos em um momento do qual podemos nos lembrar, se não por termos vivido,
mas por termos sentido ou lido a respeito. Voltemos aos anos 60 e 70. Durante
anos os acadêmicos tomaram conta das escolas. Desde 1957 os intelectuais
assumiram a organização e o desenho de algumas escolas. A que mais obteve
sucesso com esse modelo foi a Acadêmicos do Salgueiro, e cito o “Acadêmicos”
como destaque. Talvez por serem tão parecidos e saberem trabalhar em conjunto tão
bem, os acadêmicos salgueirenses se destacaram com facilidade. O que vimos o
Salgueiro fazer em 1960 foi assustadoramente maravilhoso. E desde então as
terras do Salgueiro lembravam mais a Atenas clássica que qualquer outra coisa.
Assistíamos a discussões a respeito de samba, arte, cultura, música popular
em geral, mas também a respeito de política, economia, sociedade, festas,
futebol... Era uma Ágora carnavalesca. O Salgueiro poderia ser tomado como
exemplo vivo de que a democracia existe com maior plenitude quando se abre os
corações dos homens a diversidade dos povos. Nenhuma outra escola na história,
nem mesmo a Mangueira dos anos 40, conseguiu ser tão livre e democrática, tão
aconchegante a intelectualidade e ao pensamento acadêmico, quanto o Salgueiro
dos anos 60. Os intelectuais ali chegaram, gostaram e, conseqüentemente,
implantaram um estilo, imprimindo, cada um deles, uma marca. E isso era o
Salgueiro: a união de diversas inteligências, como um corpo coeso. Como
reflexo disso, o que passava na Avenida era uma escola de samba íntima de
todos. Cada torcedor nas margens, fosse salgueirense ou não, conhecia o
Salgueiro e o tinha como uma casa de cultura popular. O Salgueiro desse período
era uma grande escola, uma grande universidade, uma legítima Academia do Samba.
Foi para os anos 60 e início dos anos 70 o que a Mangueira tinha sido para os
anos iniciais do samba: a casa de todos. Esse estilo se espalhou por todas as
escolas de samba. Mesmo as mais conservadoras, aquelas que mais se prendiam a
essência, tiveram que sinalizar suas aberturas. Havia muitas críticas ao
Salgueiro e à sua receptividade aos intelectuais da elite do Rio de Janeiro,
que, para muitos, fugiam ao público que deveria, de fato, fazer o Carnaval.
Para outros, o Salgueiro saía demais de sua comunidade e valorizava em demasia
gente que não era de sua terra. E isso é verdade. Valorizava mesmo. Mas, ao
contrário do que faz hoje, sabia manter o equilíbrio. E era fantástico como
fazia isso. Conseguia aliar com sabedoria elite estrangeira a escola com a
comunidade interna, fazendo um grande ambiente de torça de saberes. O fato é
que em pouco tempo o Carnaval do Rio de Janeiro se tornou uma festa com muito
mais toque de intelectualidade que no início. E a presença dos intelectuais,
como interessados e curiosos, lá estava desde os anos 30, na Mangueira. Esse é
o contexto dos anos 60, o enfoque é feito por esse caminho, a década da
intelectualidade. E
nessa conjuntura apresentada, vemos que o Carnaval tinha o tom acadêmico
legitimado. Os acadêmicos faziam Carnaval para o povo delirar com coisas que
jamais sonhariam saber. Foi o Salgueiro que introduziu o elemento cultura
educativa nos desfiles, mais precisamente Arlindo Rodrigues e Fernando Pamplona.
E essa foi a grande sacada dos dois. Não foi exatamente a plástica que eles
introduziram, pois em terra de homens cegos, quem tem um olho é Imperador, mas
foi como faziam desfiles que motivavam viagens pelo desconhecido a pessoas
alijadas de um sistema que não lhes permitia o mínimo acesso a cultura básica.
Aliar arte, história, conhecimento e beleza foi a equação salgueirense para
alcançar o sucesso. Os intelectuais preparavam espetáculos para seus alunos,
as pessoas da platéia. Eles pesquisavam felizes por estarem exercendo, mesmo
que de uma forma inovadora, suas profissões originais: professores e
pesquisadores, responsáveis por passar conhecimento a frente. E passavam,
carnaval atrás de carnaval. A década da intelectualidade se caracteriza pelo
modelo social dos desfiles, pela vontade dos carnavalescos de ensinar e pelo
anseio do povo por cultura e conhecimento. O Salgueiro não apenas animava as
platéias com sambas maravilhosos, servia como ponto inteligente d encontro para
a diversidade da cidade, não apenas encantava com a beleza, mas também
prestava um serviço social a população, trazendo momentos de cultura básica
e encantando os olhares com informações preciosas. Muito se aprendeu com o
Salgueiro.E a sede de ensinamento dos intelectuais do samba não acabou no ato
de ensinar ao povo, se estendeu também a ensinar e treinar novos talentos, os
carnavalescos não-acadêmicos que assumiriam seus postos nas escolas principais
no decorrer dos anos 70. Vale lembrar que duas escolas se isentam desse quadro,
justamente as duas mais tradicionais: Mangueira e Portela. Hiram Araújo foi o
primeiro intelectual a assumir o Carnaval da Portela, mesmo assim, nunca teve
ambições de Pamplona. Na Mangueira, os intelectuais sempre estiveram, mas com
funções diferentes, mais como observadores e colaboradores do que como
organizadores. O
ponto onde quero chegar pode ser explicado agora, uma vez que o contexto foi
apresentado. Esse quadro que vimos, puxado pelo Salgueiro, apresentou tendências
sociais e políticas que influenciaram na vida do Carnaval da cidade. Ora, você
reúne em uma sala, em uma quadra, uma dúzia de intelectuais fervorosos em uma
época efervescente do país com seus alunos e uma comunidade disposta a servir
como laboratório e veja o resultado... É certo que vai sair dali novidades o
suficiente para chocar, emocionar, revolucionar o status
quo. Esses senhores, que não eram tão senhores, acadêmicos, aproveitaram
seus postos para mostrar, através de desfiles carnavalescos, suas idéias e
suas reflexões a respeito da realidade do país, do Rio, enfim, da sociedade em
geral. Em seus desfiles, em meio a tanta arte, via-se símbolos de discursos políticos
e críticas subliminares, todo tipo de trabalho intelectual. Foi esse estilo de
Carnaval que nos fez sentir a necessidade de misturar cultura erudita com
cultura popular, de levar o conhecimento da elite às massas. Esse contexto
gerou um Carnaval militante, um Carnaval com enredos que puxavam a história do
Brasil como meio de enfatizar discursos a respeito de nossa realidade. Foram
anos para se tecer crítica aos preconceitos, exaltação a cultura africana
alijada pelo modelo europeu, enfim, anos para se mostrar que deveríamos
valorizar nossas brasilidades perdidas. Os intelectuais queriam mostrar ao povo
que tinham do que se orgulhar do Brasil e o Carnaval foi a linguagem que
encontraram. Através dessa festa popular, levaram arte e cultura para o povo. O
tempo passou e os antigos acadêmicos foram dando lugar aos que haviam treinado.
Alguns ali permaneceram por alguns anos. Arlindo continuou fazendo grandes
Carnavais repletos de mensagens a respeito da cultura desconhecida do Brasil, na
Mocidade e, depois, na Imperatriz. Veio Fernando Pinto, como sempre, atrasado,
dando seus espetáculos. Um carnavalesco com cara de anos 60 em plenos anos 70 e
80. Não poderia ser melhor já que, novamente se aplica, em terra de cego, quem
tem um olho é o dono do mundo. Mas o fato é que os novos nomes tinham outros
focos, outros objetivos e outras motivações. No período entre 1977 e 1980 um
grande quadro de temor se abateu sobre o Carnaval Carioca. Foi nesse período
que senti a mesma angústia que sinto agora, nesse instante, ao observar os
sambistas. Eles não sabiam direito o que estava acontecendo, onde aquilo iria
parar. Mais precisamente quando João Trinta largou sua escola, na qual tinha se
tornado um mestre da desconstrução, acabando com a tradição acadêmica e
intelectual do Salgueiro, Iniciou-se a era do Terror. Sim creio que João Trinta
tenha sido uma espécie de Robespierre carnavalesco. Por que não? Ele, com um
gesto e alguns Carnavais, mudou completamente o foco dos desfiles. Em dois anos
de Salgueiro, fechou a Academia e abriu a casa de shows. Levou essa casa de
shows, com encantamentos falsos, para Nilópolis. Com desfiles caros, brilhantes
e ricos, cheios de luxo, destruiu a força do samba e da evolução do homem na
União da Ilha da Maria Augusta. Uma Beija Flor cheia de periquitos vencia a
Ilha do balacobaco. As alegorias passavam por cima dos homens, os atropelavam,
sem piedade. A beleza que, durante tantos anos andou junto ao samba, sempre
sabendo que sua posição era de complementaridade, esmagava-o agora; tudo pela
fama. A Beija Flor de João Trinta era linda, mas era vazia. O Salgueiro do
senhor “mago do novo”, sendo que o novo era antítese do velho, destruição
do samba humano e entrada no samba mecânico, também fora lindo em 1974 e 1975,
mas vazio, oco, sem aquele tom inteligente de crítica irreverente e sábia de
outros tempos. Muitos juram terem visto tais mensagens, mas não houve. O
interesse era encantar através da beleza, e não importava se havia arte ou
cultura nisso. E esse novo foco, a partir de 1977, foi que começou a dar o tom
de angústia no sambista, como Cartola: a “desumanização” do Carnaval
Carioca. Na
era que entrávamos, o Carnaval se tornava mercado para a venda de lazer, para
venda de cultura. Uma industria se erguia para produzir cultura. Na primeira
geração, tínhamos um Carnaval artesanal. Eis que na nova viríamos a ter fábricas
de cultura, produzindo desfiles em série. O público não mais devorava os
desfiles como fonte de diversão e aprendizado, mas consumia, como se fosse um
Big Mac, cada desfile. Eis que surge a nova era, lamentada nas palavras
derradeiras e apocalípticas de Cartola e profetizadas por Natal. Agora
pensem a respeito dos tipos de enredo que tínhamos nos dois períodos. Quais
eram as motivações para eles? Na primeira geração, de Pamplona, Arlindo,
Julio, Mario, Hiram, Clovis, Ari, Maria Augusta, dentre outros, víamos um
estilo de enredo brasileiro cheio de conteúdo político e social. Víamos
aulas. Mas por quê? E nos desfiles de João Trinta, Rosa Magalhães, Renato
Lage, Max Lopes, Paulino Espírito Santo, Edmundo Braga, enfim, o que víamos? E
nos anos de interseção, aqueles anos onde tivemos o prazer de ver Arlindo,
Fernando, Rosa e João juntos, como 80 e 82, o que podemos constatar? Essa é a
minha provocação da semana. Fecharei
esse tema na próxima coluna falando exatamente dessa transição da segunda
para a nova geração que surge, abrindo uma nova era. De Arlindo e Pamplona
para João, Rosa, Renato e Max. E deles para Paulo Barros, Paulo Menezes, Alex
de Souza e João Luis, por enquanto. Será que enredo é um tipo fixo, que
precisa ter o mesmo estilo sempre, ou depende e varia em função da época, do
contexto e da geração? E se varia, qual será o enredo ideal da nova era? Com
certeza, será diferente do que era na era anterior, pelo menos em tese... Desse
jeito, será que é válida essa exigência por enredos brasileiros, enredos
históricos, enredos biográficos, enredos isso e enredos aquilo quando, na
verdade, eles mais não se aplicam a realidade? Será que os mesmos que não
querem voltar ao passado reeditando sambas insistem em voltar ao passado
reeditando modelos de enredos de outros tempos, não mais viáveis e aplicáveis?
Pesquisador |
Tweets by @sitesambario Tweets by @sambariosite |