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CARTA ABERTA DE UM APAIXONADO PELO CARNAVAL DE SÃO PAULO
por Bruno Malta
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É muito bom gostar do Carnaval de São Paulo.
Ao contrário do que muitos podem pensar quando me conhecem de longe, sem estar próximo de mim no dia-a-dia, admirar, respeitar e viver de perto os pavilhões que compõem os desfiles das escolas de samba no Anhembi é, talvez, a coisa que mais me completa nessa vida. Ao longo de toda a minha trajetória, defender a raiz do que essa folia traduz— aqui, falo exclusivamente do que acontece no sambódromo paulistano — é o mais próximo do significado de amor que encontrei por algo que não seja uma pessoa ou única instituição. Acredite: Todas as escolas de samba dessa cidade já tiveram algum momento especial pra quem sou. Desde a minha escola do coração passando até por quem já chamei de rival, sem deixar de lado quem inseriu essa paixão no meu interior e até quem formou o meu caráter ao longo dos mais de vinte anos que acompanho os cortejos na capital paulistana. Todas são especiais e importantes para o cara que escreve esse texto. De uns anos pra cá, muita coisa mudou. Falar de Carnaval ganhou outro patamar no meu dia-a-dia por ter encontrado pessoas tão apaixonadas pela festa quanto eu. Os amigos que fiz me trouxeram outra visão do que o concurso representa. E aí não falo apenas da análise que, claro, ganhou outro viés, ficou mais profunda já que os anos trazem experiência, vivência e, sobretudo, mais conhecimento do que acompanhamos tão de perto. Mas esse novo grupo onde me enfiei também me fez entender que as comunidades que sempre respeitei e amei também tinham pessoas que eram umbilicalmente ligadas a isso. Qualquer bateria, qualquer casal, qualquer comissão, qualquer segmento de escola de samba nessa cidade tem uma pessoa que é ligada de alguma forma — direta ou indiretamente — ao meu ciclo de amizades. Assim sendo, qualquer fala que seja postada ganha outro peso e tamanho. Afinal, passei a falar para conhecidos. Para pessoas que estão ali durante o ano inteiro comigo. Defendendo, respeitando e, principalmente, amando tudo que eu também amo. É como se eu, apaixonado pela festa que sou, estivesse me criticando por tabela. Desde que essa ficha caiu, as minhas palavras são friamente pensadas para não atingir o coração de quem está do outro lado. Qualquer análise que faça ganha um peso diferenciado para passar o que penso — isso, aliás, pra mim, é inegociável — sem causar nenhum desrespeito a quem está lendo. Acredito que como todo ser humano, falho do jeito que sou, nem sempre atinjo esse objetivo, mas considerando tudo que já fiz e ainda faço, creio que sou bem-sucedido em grande parte do tempo. Esse cuidado, no entanto, não se estende ao julgamento da Liga/SP na terça-feira de Carnaval. E aí, tenho uma explicação. Antes da explicação, um parêntese: A minha crítica maior a Liga/SP restringe-se basicamente ao julgamento e como ele é visto apenas como uma mera avaliação da realização de projetos por parte dos presidentes que compõe a casa — isso, inclusive, vale para quase todos com raríssimas exceções. No entanto, se faz importante destacar que valorizo, sim, as belas ações na defesa do patrimônio histórico — os vídeos sobre as comunidades no ano passado foram ótimos, a plena divulgação dos CDs antigos na plataformas digitais, idem — , o calendário robusto de ensaios técnicos, o pioneirismo na festa do CD e na transmissão via internet de desfiles do Acesso e também da pré-temporada de ensaios. Enfim, tudo que merece elogios, sempre recebe a valorização devida e, independentemente do que acontece na apuração, irá receber. Fecha parêntese. A Liga/SP com as notas que são lidas nos últimos anos deixou de respeitar o que acontece na pista — algo sagrado, pra mim — para respeitar algo que nem eu e ninguém, sem contar os trinta e seis fiscais que avaliam esse desfile, conhece. A famosa PASTA. Quando o julgamento de uma escola de samba passa a ignorar o canto de uma comunidade — você que desfila e passa por essa avenida, a sua voz cantando o samba é IGNORADA — a bateria, o coração de um desfile, e o samba-enredo, a razão desse evento ter sido inventado, não podemos tratar como algo normal, digno de um tratamento com palavras doces e suaves. Quando uma avaliação sobre uma escola de samba ignora o trabalho árduo de extrema criatividade dos carnavalescos — a vocês, artistas, que sempre engrandeceram as lives que participei, lamento muito que sua arte não seja, de fato, julgada — para fiscalizar se algo está caindo ou se existe algum rasgo imperceptível, é impossível de ser educado para definir o que isso corresponde. Quando a fiscalização afeta a dança dos casais e comissões, a evolução solta dos desfilantes, o som que ecoa da caixa de som, o toque rítmico de uma bateria, o conjunto plástico idealizado e, principalmente, o conjunto de forças que a pista traz, o respeito por quem assiste e participa desse evento acaba indo embora. E como o respeito, diria a minha vó, bem educada que era, é uma mão de via-dupla, é impraticável seguir tratando como algo normal ou subjetivo — apenas opinião. Considerando o meu papel minúsculo na imensidão que forma o Carnaval de São Paulo, creio que as críticas que fiz, faço e, seguramente, farei ao julgamento das escolas de samba cumprem um papel quase que de representatividade de um público que não é respeitado por quem direciona as regras dessa festa. Uma festa que cresceu plasticamente, cresceu em divulgação, mas que encolheu em dimensão cultural — sim, encolhemos — , ancestralidade e, principalmente, conexão com o seu próprio público. O distanciamento do que é feito na pista pro resultado da pasta criou um abismo entre o que enxergamos como fato e o que recebemos como desfecho em notas. É por crer nesse papel irrisório que sigo combatendo o bom combate. Sigo um apaixonado de olho marejado no Anhembi. Sigo um eterno folião que brinca e canta nas passagens de cada escola. Sigo um mero espectador que ama e respeita TODAS — sem exceção — as escolas de samba e quem as compõe. Seja do Grupo Especial, seja do Grupo de Acesso II, seja do Butantã onde já tinha o enorme prazer de asssitir um desfile. Em qualquer lugar, vou erguer a bandeira do samba. Vou erguer a bandeira de um evento que formou parte do meu caráter. Vou erguer a bandeira da maior representação cultural da cidade mais diversa do mundo. Mas em qualquer lugar, também seguirei analisando e falando o que há de bom e o que há de ruim em cada detalhe que possa ter chamado atenção aos meus olhos. Não sem respeitar o trabalho de todos que fazem parte de cada comunidade — até mesmo quando é necessário se indignar pelo desprezo ao qual são tratados. Mas também em qualquer lugar que seja, seguirei respeitando o que há de maior valor pra quem sou. A minha sensação de paz de espírito, o orgulho de jamais me colocar acima de quem quer que seja e, principalmente, algo que é inegociável e nunca, apesar de tudo, irá mudar. O amor por essa festa. Bruno Malta |
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