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Samba Paulistano

15 de outubro de 2011, nº 14, ano III

DO SISTEMA DE AVALIAÇÃO - Continuação da coluna anterior
Por Ronaldo Figueira

Na coluna anterior, deixei minha opinião de que os métodos de avaliação influenciam na forma dos desfiles e, depois, segui com várias perguntas, visando iniciar um debate sobre as formas de avaliação do carnaval paulistano.

Pretendo agora responder a muitas das perguntas deixadas por mim na última coluna responder, é claro, com minha opinião, que é só a minha opinião. Vou deixar também minhas ideias a respeito de outros detalhes da avaliação do carnaval, deste vez de maneira mais objetiva.

(Os números das partes dessa continuação não têm relação com os números da coluna anterior; são uma nova divisão, só para organizar as minhas ideias)

1. Competitividade

O carnaval paulistano tem crescido visivelmente nos últimos anos e, claro, as pequenas escolas acabaram acompanhando o processo. Os desfiles são hoje mais nivelados do que eram na década de 90.

Sobre esses aspectos, o que mais se fala nos sistemas de avaliação são a graduação das notas e o descarte.

Não vejo o carnaval de São Paulo, mesmo hoje, tão competitivo de se decidir título por uma bolinha caída. Em 2011, por exemplo, o Vai-Vai foi campeão do carnaval com a famigerada estátua com braço quebrado. Não duvido que realmente estava quebrado, é um fato concreto, não uma opinião. Também, aí já uma opinião, não discuto o título do Vai-Vai: a melhor escola do carnaval paulistano nesse último ano.

Lá no 7º lugar por um terrível erro de percurso, a Mocidade Alegre foi 50 de alegorias. Daí entra uma opinião particular minha que, tão não polêmica que é e que pode ser, pode ser encarada até como fato concreto: a superioridade dos carros alegóricos da Mocidade Alegre.

Mas, mesmo na Mocidade, existiam, e não eram poucos, neons apagados no carro abre-alas, por exemplo. O que, à nível do carnaval de São Paulo não meche com a superioridade da escola no quesito e nem tira nota na apuração, e o motivo todo mundo já conhece: as notas são comparativas.

Comparando os carros da Mocidade com os das outras escolas, não vejo uma diferença de apenas 0,1. Normalmente as escolas que chegam mais perto do título tem carros tão bons quanto, mas daí, no comparativo, não vejo porque, não dar 10 às que chegaram no mesmo nível. O motivo, mais uma vez, é simples: em nota comparativa, quem erra junto não erra nada.

Por isso que, em carnavais menores, ninguém dá uma chuva de 7. Porque tá todo mundo no mesmo barco, dentro de um nível mais ou menos próximo. Só penaliza aquela que errou e ficou abaixo da média daquele carnaval daquela cidade.

1.1 Descarte

Uma medida que é defendida para diminuir o peso de um jurado de má fé. Mas vejo nela outros benefícios: reduz o perfeccionismo.

Uma escola que veio toda certa e errou em um único ponto pode ficar junto com aquela que não errou nesse ponto. E isso, aqui, não é nem questão de tirar mérito da competência, é questão de que nem tudo pode estar sempre ao controle.

É diferente um carro mal feito de um carro com algo quebrado, como vimos vários dos dois exemplos esse ano. No segundo caso, muito por causa da chuva (que eu tenho certeza que não foi culpa de ninguém, sem acusações por aqui).

Se, aquela que não errou nada realmente foi melhor do que aquela que errou só num pedaço, a diferença é tirada nos demais quesitos (são 9 no total) ou no critério de desempate, que conta as notas descartadas.

2. Onde queremos chegar?

Sobre reduzir o perfeccionismo, só defendo por causa da minha opinião sobre onde devemos chegar, o que queremos ser.

Como disse desde o texto anterior, a avaliação modifica a forma. Modificar a avaliação é modificar a forma dos desfiles.

O carnaval sempre se modifica, é uma manifestação cultural e, como tal, não fica estática no tempo (ou, se fica, morre quando a sociedade se modifica). Talvez não tenhamos o carnaval dos sonhos, mas podemos chegar mais perto disso.

Não podemos voltar ao carnaval do seu tempo, desista. Mas podemos ter um bom carnaval no nosso tempo. E o carnaval dos próximos tempos vem sendo moldado agora, aos poucos.

Se soubermos aonde queremos chegar, podemos seguir o melhor caminho.

2.1 Sobre não sabermos onde queremos saber

Cada um vai querer, obviamente, chegar num lugar diferente. A avaliação é só um dos fatores que modificam o carnaval (um dos mais importantes, sim, mas não o único).

Ao longo da história, várias opiniões surgiram e foram expressas claramente, como Nenê em 1989: "Não quero ser alienado à cultura / nem escravo do luxuoso carnaval / quero manter a tradição, meu samba pé no chão / na Avenida Central"

Num enredo sobre suas raízes culturais foi dito o que se queria para o futuro. Não foi uma visão que prevaleceu no tempo, tanto que ao invés de voltar à Avenida Central, os desfiles foram pro Anhembi.

Mas é mais comum vermos as diferenças no "onde queremos chegar" de cada um nos estilos de desfile. Mesmo que não se manifeste verbalmente sobre a forma do carnaval, um estilo ou uma opção diferente (não usar costeiros em alas, na Vila Maria; trazer carnavalesco e intérprete do Rio, no Vai-Vai; só pra ficar em apenas dois exemplos) demonstram uma visão diferente do carnaval.

Em 2021 veremos as opções dessas duas escolas e saberemos se uma ou outra saiu melhor, ou pior, ou se as duas conviveram. Se é difícil decifrar os caminhos da história, mais difíceis são os da futurologia.

Mas vai se sair melhor aquela que se sair melhor nos resultados. E o resultado vem da apuração, que vem do manual do julgador e de toda a discussão sobre a avaliação dos desfiles.

3. Sobre o quesito enredo

(Um questionamento um pouco diferente do que fiz até aqui; coloco nessa coluna porque é aonde as ideias apresentadas chegam mais perto dessas)

Talvez o quesito mais importante: influencia no samba, que influencia na bateria e na harmonia (que influencia na evolução); influencia nas fantasias, nas alegorias, na comissão de frente e em tudo o mais.

Uma das coisas que se pede de enredo é que este seja de fácil leitura: por exemplo, visualmente, que os elementos dispostos nas fantasias e alegorias tenham relação com a história contada, contribuam para a narrativa e sejam de compreensão clara.

Sobre a leitura clara que eu quero falar: Em 2003, a Mocidade Alegre (já é o trocentésimo exemplo com a Mocidade desde a coluna passada e nesse texto, né) fez um enredo sobre a criação do mundo e os orixás da água. Um enredo com um desenvolvimento conciso onde a cada ala e setor eu entendia o que se passava. Os elementos dispostos nas fantasias faziam sentido pra mim.

Em 2011, a Pérola Negra fez um enredo com uma história bíblica que até hoje eu não sei do que se trata.

Um elemento que seja de leitura clara pra uma pessoa ou grupo de pessoas é incompreensível para outra pessoa ou grupo de pessoas. Quando podemos dizer que um desfile não apresentou claramente sua proposta de enredo?

***

Dias depois da publicação da coluna anterior, saíram notícias sobre mudanças nos critérios de seleção de jurados e qualificação. Não sei quais serão as mudanças nos critérios avaliativos, e dificilmente eu ou qualquer outra pessoa, mesmo dentro da liga, concordará integralmente com todas as mudanças imediatas e posteriores. Mas, como disse antes, não é benéfico que exista uma única visão sobre o que queremos pro futuro ou que a visão de uma pessoa seja tomada como ideal, como uma criança mimada. Só de haver uma discussão sobre o que queremos e uma formação melhor pra quem avalia os desfiles, já é fantástico.

O carnaval de São Paulo deve se posicionar como vanguarda artística, que já vem sendo em certos pontos, não só seguindo tendências como também criando. As novas gerações de sambistas devem seguir o exemplo das velhas-guardas e tomar o samba como uma atividade não só recreativa, mas também política, pensando qual o lugar do samba e de nossos desfiles na sociedade pós-moderna.

Ronaldo Figueira
ronaaldo.figueira@gmail.com