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Coluna do Ostelino
 
PROBLEMAS GERAIS NO JULGAMENTO: A TEORIA NA PRÁTICA É OUTRA COISA

4 de fevereiro de 2015, nº 21, ano XI

O julgamento de uma escola de samba representa, ou ao menos busca representar, a mensuração de seu desempenho na avenida, sendo atividade complexa e que envolve várias questões. Para normatizar o processo, a Liga elaborou um manual que traduz bem a que veio: "Lembramos que o desempenho de uma Escola de Samba em desfile é o resultado real de sua competência artística, técnica e administrativa" (Pág. 12 / Manual do Julgador).

Mas(...), cabe sempre a ideia de adversidade num assunto tão polêmico, é inevitável recorrer às regras e às práticas desse tão sofrível e, por inúmeras vezes, injusto processo. A começar pelo eterno dilema da escola vinda do acesso ter que abrir os desfiles, posição ingrata que ninguém quer ter, onde há o enfretamento das duras e pontudas canetas dos julgadores, que ao longo da noite vão relaxando e se entregando à atmosfera momesca. Vir na primeira faixa do CD é uma coisa, como posição de desfile é outra completamente diferente.

Focar em 120 minutos de apresentação ou melhor em problemas percebidos nesse intervalo, usando como base o grupo, já que a avaliação é comparativa. O interesse maior está relacionado com problemas de microavaliação ou com macroavaliação? Quanto debitar de cada situação? Exemplos não nos faltam e tenhamos memória de pelo menos dez anos. Quem não se lembra do indigesto 7,6 dados às alegorias da Porto da Pedra? Como explicar a vitória da Tijuca em 2014 em cima do Salgueiro, Portela e União da Ilha?

A questão não é definir se foi justo ou injusto, mas entender sob quais aspectos se processam os mapas de notas. O manual é claro, mas mesmo assim se incorre em outros problemas corriqueiros de avaliação como nome da agremiação, influência e dia de desfile, dentre outros.

A avaliação tem como propósito máximo construir a imagem fiel possível e mais aproximada do comportamento de uma agremiação em situação de apresentação. É uma verdadeira faca de dois gumes, pois não só vem para aferir resultados, visa também corrigir e ajustar atitudes. Ao mesmo tempo em que coloca as agremiações como subordinadas, lhes dá poder na decisão da constituição do corpo avaliador.

Se funciona como instrumento para analisar resultados de forças de trabalhos e definir posicionamento futuros, seu sucesso está - em grande parte, relacionado à competência dos avaliadores. O julgamento exige a participação de profissionais especialmente treinadores e não se justificar unicamente pela formação profissional de seus executores. Ser possuidor de capacitação para o exercício da função (treinamento da Liesa) é talvez determinante de uma nota mais justa.

Dos papéis que devem ser desenvolvidos pelo avaliador espera-se: definir com precisão o objetivo da avaliação; examinar, criticamente, as estratégias de avaliação e selecionar a mais adequada; além  coletar dados que permitam examinar e justificar determinadas notas. Apresentando assim conclusões fundamentadas; como prega o Manual.

Nove quesitos, avaliados artisticamente, sob a orientação do julgamento ser o mais subjetivo possível e isento de emoções e de paixões... Aí a coisa complica bem. Como não considerar a objetividade mediante a subjetividade? Se é subjetivo, é possível eliminar emoções e paixões? Confesso que se não ficou claro no Manual, muito menos após a leitura das justificativas depois de confortado o resultado final.

Esse é um dos maiores problemas do processo. Manifestamente há julgamentos deficientes e caducos e dois aspectos contribuem muito para isto: a não correta aplicação dos critérios (nem sempre são os melhores) previamente definidos, precisamente para evitar ambiguidades e proporcionar uma avaliação justa e rigorosa; e a inclusão de preferências pessoais no ato de avaliar – atração por determinada escola ou carnavalesco por exemplo.

O primeiro aspecto deixa claro que há regras a seguir e que sua aplicação deveria ser uniforme e desapaixonada. O que ocorre, com grande frequência, é uma manipulação - consciente ou inconsciente, de critérios de índole pessoal.

O mau funcionamento do sistema avaliativo é universal e não está somente no carnaval. O tráfico de influência, por sua vez, cumpre aspectos econômicos/sociais bem definidos e úteis à institucionalização. Além é claro, de estar em jogo o ego dos grandes dirigentes. Demonstra assim que, afeições psicológicas ditam destinos nos quadros de apuração.

A grande dificuldade, ou a problemática central para a Liga, é criar um sistema avaliativo isento, que julgue o mérito das escolas apenas pelo trabalho apresentado. Criatividade, capacidade de comunicação e desenvolvimento, dentre outros aspectos, devem ser avaliados sem arbitrariedade e tudo feito numa perspectiva de autonomia e referência pelo julgador. Não é fácil aresolução. Muitos julgadores divergem inclusive na análise de um mesmo quesito, cabendo às escolas escolher, em suas produções,  aquilo que é mais útil para o momento e que acreditam ser menos nocivo. Armadilhas que geram umas vezes bons resultados e em outras ruins.

É fundamental abrir o diálogo e promover  uma comunicação mais assertiva por meio das justificativas, dirigindo assim mais elucidamente com as partes interessadas. Depois do resultado, calam-se e vem o sofrimento baseado mais na punição do que no diálogo. O que retrata certa indiferença pelo trabalho realizado por trás de tudo isso.

Reclamar sim, ainda que soe como choro de perdedor; procurar saber os porquês pode resultar em eventualmente alguém dar ouvidos. Caso contrário, paciência!

Por que não pensar numa forma mais democrática de preservar as escolas que tiveram ascensão? Já que irão abrir os desfiles, que sejam então os da segunda-feira. Cabendo assim à campeã do ano anterior – que possui inúmeros méritos, ou mesmo a penúltima colocada– se a ideia for punitiva, a dar o pontapé inicial do domingo. Não parece mais justo?

De toda forma, resta jogar um jogo ainda viciado e desejar que o julgamento sirva como subsídio para aproveitar potencialidades e aperfeiçoar quesitos que apresentaram dificuldades. Ir além da simples atribuição de notas em benefício da própria festa e do estabelecimento de uma base mais evidente de produção para as escolas de samba. Caso contrário, que tudo acabe de vez na quarta-feira de Cinzas. Feliz carnaval!

Alessandro Ostelino
ostelino@hotmail.com