Coluna do Ostelino
O DIVINO IMPÉRIO DO
SAMBA
O discurso mantido pela Império
Serrano, ao longo de seus anos de existência, nos leva a
refletir sobre o papel das escolas de samba enquanto reduto
cultural. Não tratamos aqui de defesa partidária, mas da
valorização de uma agremiação que tem como atributo principal
a resistência cultural e, com simplicidade cativa grande parte
dos torcedores, independente das cores que defendem. Trata-se de
evidenciar um pouco mais o que seja a essência do carnaval, algo
que se tornou raro, mas que não acontece somente em um grêmio.
Essa busca é também uma tentativa de viajar por uma parte do
amplo e abstrato campo de uma escola de samba, é um abrir a
janela da emoção e lançar um olhar diferente. A intenção é
provocar algumas respostas relativas ao nosso envolvimento
sentimental em torno disto tudo.
Os amantes da folia carioca, carnavalescos-boêmios de plantão,
entenderão bem a pretensão deste discurso, que não tem como
intenção adicionar ponto final, mas sim reticências.
Certamente aqueles que não abandonam esta paixão, cuida dela
com toda atenção, entenderão do que se trata. É assim, mal
começa o ano e lá estamos totalmente integrados a tudo que
acontece: definição de enredos, eliminatórias de
sambas-enredo, ocupação da Cidade do Samba, vendas de ingressos
para o próximo carnaval... Fervem na web, vão lendo tudo: notícias
sobre a organização do maior espetáculo da terra, a preparação
de cada escola e o lançamento do próximo CD. Só de ouvir o
nome de uma avenida do Rio de Janeiro, ou melhor, da Rua Marquês
de Sapucaí, ficam eufóricos, de orelhas em pé. É para estes
sujeitos que o desafio é colocado e a questão apresentada: o
que mais nos motiva no carnaval das escolas de samba? Parece
coisa simples, mas difícil de ser elaborada. Cada um pode tomar
seu próprio ponto de partida, seja a Mangueira com suas
tradicionais cores, Portela com sua águia ou qualquer outra
agremiação, creio que perceberão por que é eleita Império
Serrano.
A relação que mantemos com o trabalho das escolas de samba está
distante da pontuação dada a cada quesito - apesar de todo
sofrimento de uma apuração, tampouco nos importa aqui quem
levará o próximo título de campeã. Trataremos de relação
afetiva, não somente com nossa escola do coração, mas com o
carnaval em sua totalidade, um amor que não tem bandeiras e que
nos permite ter amantes. Sentimentos! Algo maior que campeonatos,
técnica, luxo ou patrocínio, que passa em nosso intimo e muitas
vezes perdemos o controle.
Vamos seguindo dentre um e outro samba composto para o próximo
carnaval, buscando os melhores refrãos, as interpretações mais
adequadas e as passagens mais envolventes. Inevitavelmente a
narrativa imperiana ganha destaque, se coloca entre as mais
especiais ao apresentar um enredo genuinamente brasileiro em
2006. Numa época de carnaval internacionalizado, de gosto médio
mundial, somos convidados a reviver várias de nossas manifestações
religiosas e transitarmos pelos mais distintos rituais - procissão,
folia de reis, festa dos orixás... Nos identificamos facilmente
com enredo "O Império do Divino". A mente navega, o
samba cresce na avenida e damos forma a um desfile imaginário,
que daqui a pouco se tornará concreto. A comunidade surge na
concentração com toda força, o estilo barroco aparece como se
fosse confeccionado de forma artesanal e a Coroa Imperial rasga o
sambódromo transbordando alegria. A única preocupação neste
campo é a de proporcionar muita alegria. Idealizamos ter mais
uma vez aquela sensação fantástica, algo bem próximo do
ocorrido com Vila Lobos da Mocidade em 1999 ou do nordeste
mangueirense de 2002, ou algum momento particular que
provavelmente cada um tem em especial. De forma geral e atingindo
um consenso, seria praticamente a sensação de "Aquarela
Brasileira". Assim, mais uma vez, ultrapassamos a praça e
fazemos da Lapa a verdadeira apoteose do samba. Afinal, carnaval
é "Festa Profana" e não pode ter limites. "Lá,
lálalaiá..."
Estamos no século XXI, nossos desfiles têm luxo, originalidade,
espetacularização, novidade, virou produto, virou consumo e
segue a lógica de uma sociedade cada vez mais capitalista. Como
previsto num "Bum Paticumbum Prugurundum", hoje temos
empresas produtoras de artes, que geram lucro e são vitrines de
marcas. "Que covardia"! Mas "um filho do verde
esperança não foge a luta", queremos além das formas
concretas, dos décimos a mais, resgatamos valores, alimentamos
nossa alma renascemos em verde e branco. De novo e de novo sobre
os ideais de igualdade, justiça e participação popular, tudo
pelo desejo de uma festa mais brasileira, por escolas mais de
samba.
Pode até ser que o samba morra, que o carnaval chegue ao fim,
duvido que tudo isto aconteça. Porém, jamais se findará as
lembranças deixadas pelas escolas, os momentos excepcionais que
nosso coração palpitou mais forte e o nosso desejo de que tudo
isto se repita. O Divino Império do Samba foge da concepção
mercadológica, paga caro por isto, mas se mantém resistente,
pois mantém viva aquela coisa mágica da festa. Aquilo que não
sabemos explicar bem, mas que sabemos que sentimos, que está além
da técnica e do luxo. Algo que se manifesta cada vez com menor
freqüência, mas que alimenta nossa vontade de atravessar noites
em claro, que pode ser sentido de várias formas e que uma delas
está na singeleza, na força e na forma como a Império Serrano
se apresenta enquanto escola de samba. Em verde, rosa, azul,
branco, amarelo... não importa! Acreditamos na força do samba;
nos desejos de uma escola; na evolução, mas acima de tudo na
história e na tradição; enfim na cultura popular brasileira.
Entendemos e comungamos da idéia, passando a perceber com
intensidade maior que "Imperiano de fé não cansa,
confia na lança do santo guerreiro e faz a festa porque Deus é
brasileiro".
Ostelino
ostelino@hotmail.com