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Olhar Externo

A MELHOR TERÇA-FEIRA DE CARNAVAL DA MINHA VIDA

1º de fevereiro de 2013, nº 10, ano III

Antes de começar o relato em si, quero deixar claro que o texto a seguir veio num rompante nostálgico causado pelo “Carnaval Histórico” realizado pelo jornal “Extra” que teve como personagem principal, a escola da qual irei falar nas próximas linhas. Se ali, nesse evento, compareceram pessoas que reviveram seus momentos mais brilhantes, eu também vivi um com essa agremiação, mas eram outros tempos...

A Tijuca de 1993 era bem diferente da Tijuca de hoje, “UPPzada”, que tem uma autoestima impressionante e seu habitante tem orgulho de encher a boca e dizer “sou da Tijuca, sou Tijucano” – se bem que, modéstias à parte, essa característica nunca se separou de quem vive lá, apesar dos pesares. E eu era um menino de sete anos na Tijuca de 1993... Um lugar que reservava em sua arquitetura de prédios grudados e a alternância de ruas extensas e largas, praças bucólicas e telões modernos (telões já não são modernos hoje, mas eram...) o esplendor de um bairro que já foi... e parecia um tanto quanto entregue ao caos urbano, ao dito “pânico” da violência carioca, o embate entre morros, talvez no ápice das facções organizadas do narcotráfico na cidade maravilhosa. Minha mãe recebia “O Dia” em casa e sobre o bairro só havia tragédias. Definitivamente parecia que a Tijuca não seria um lugar pra criança morar. Mas como eu vivi bem, mesmo enfurnado em um dos prédios da Rua Haddock Lobo, que vira Conde de Bonfim após o “marco” do Largo da Segunda-Feira. Ali, aquela musica que minha mãe botava no toca-discos ou no gravador pra tocar (velho isso, meu Deus...) tomava forma material. Na Haddock Lobo ensaiava o Estácio no final de tarde, e mais pros lados da Praça Saens Peña quem dava o ar de sua graça era a escola orgulho do bairro. Não desmerecendo as outras agremiações, mas na ocasião, o tijucano que se propusesse a torcer por alguma escola de samba tinha toda a liberdade de escolher obrigatoriamente o GRES Acadêmicos do Salgueiro. É como se o Vermelho e o Branco fosse desde cedo entranhado na alma do morador desse pedaço numa simbiose perfeita.

Pois bem, mas assim como o seu bairro, o Salgueiro também mostrava através de suas paginas o esplendor de uma escola que já foi... e como foi! Mas desde 1975 não sabia o gosto de ganhar um carnaval. Eram longínquos 18 anos à mingua.

Bem... eu era um garoto que destoava de todos os meus vizinhos de prédio, não por ser Fluminense (que, se não tem a maior, reserva grande parte de seus adeptos moradores do mais carioca dos bairros da cidade), ou ainda por ser estudante do Carrescia (impressionante que todo cara da Tijuca em algum momento estudou no Orcina, escola da rede municipal), mas, confesso, cometi um erro de lesa-pátria ao ser um nascido e criado na Tijuca e ser... mangueirense. Mas aquele tal de Salgueiro tinha um pedacinho da minha simpatia, assim como o Estácio também tinham. Se Mangueira era minha mãe, o Sal e o Leão eram como tias... tias queridas.

Chega o carnaval e o que se ouve nas rádios é só Salgueiro. Vivida, na ocasião com 20 anos desfilando, somados a 10 assistindo vaticinou: quando o Salgueiro é mais tocado na rádio, ganha o carnaval. Eu, na birra dos meus sete anos, achava péssimo ouvir aquilo. Enquanto uns ouviam Boi da Cara Preta e Atirei o Pau no Gato pra dormir, eu ouvia 100 anos de Liberdade ou, ainda, Sinhá Olimpia. E eu alegava que, se era por causa do “Explode Coração”, na minha ingenuidade pueril, o samba da minha escola também tinha:

E hoje linda... te vejo mais bela...
Nessa passarela você explode coração
Mangueira... Estou tão feliz!
É verde-rosa, é verde-rosa é minha emoção!

Fora que, o comentário e, por consequência, a tiração de sarro era geral. Afinal de contas, a escola do bairro vizinho, ou conjugado, o Estácio, tinha sua escola campeã num desfile que abalou as estruturas do Sambódromo em 1992, e prometia outro passeio em 93.

Lembro bem que nosso principal programa de Domingo e Segunda de Carnaval era ir ate à Presidente Vargas dar uma olhada nos carros alegóricos, já que a família, já naqueles tempos, não dispunha de dinheiro pra dar uma chegada nas arquibancadas da Sapucaí. E eu, mesmo aos sete anos, acompanhava toda a caminhada, na qual determinei, da minha cabeça, que pelo que vi, pelo menino com o videogame nas mãos, o carnaval era da Mocidade de Padre Miguel. O Salgueiro, bem... a minha mãe havia achado simples demais, e um carnaval que não cabia mais fazer porque perderia ponto.

Na Segunda de Carnaval, os pescoços todos se esticavam pra ver o que podia vir do Salgueiro. Afinal de contas, era o samba da moda, mas o desfile, no fofocário geral, seria pobrinho, pobrinho. Eu ainda acho que muitas pessoas nem sabem se o Salgueiro afinal foi pobre ou não naquela noite, embora estivessem presentes ao desfile. Quando Quinho começou a cantar o samba, a passarela se transformou num incêndio de proporções inimagináveis e o Salgueiro escutou os ecos de “É campeã” de ponta a ponta do desfile. Foi a apresentação que fez com que Neguinho da Beija-Flor chegasse ao cúmulo de pensar se iria realmente para a avenida ou não, numa hipótese que fora confidenciada em algumas entrevistas. Além disso, o motivou a nunca mais assistir a qualquer desfile antes da apresentação da sua Beija-Flor.

Eu, e todos que assistiram ao vivo ou pela TV, ou se embasbacaram, ou saíram pulando e pulsando junto da energia da escola. Ainda não tinha visto uma coisa assim nos desfiles, e me apaixonei por eles de uma vez por todas. E horas depois quase desisti, ao ver o que era uma mentira o que haviam me ensinado: a Mangueira não vinha só verde e rosa (chiadeira que aqui é minha, mas vi milhares que compartilharam da minha opinião), a bateria vestiu branco e amarelo. Foi frustrante.

Só que... na Terça-feira de Carnaval... acordei em outro mundo. O meu bairro era vermelho. A Tijuca tinha enfim voltado a sorrir. Parecia que os passarinhos cantavam ao som de “No mar eu jogo a saudade... amor”, e a ansiedade nem existia tal a certeza que habitava os corações daquele bairro inteiro. Quem viu aquela terça de 1993, se sentiu como nas terças de 63, ou de 71... Era o orgulho tijucano de volta ao seu lugar. O Sol brilhou mais vermelho naquele dia, e é uma das lembranças mais bonitas que tenho da minha infância: a imagem daquelas ruas cheias de vida, cheias de alegria, porque o Salgueiro foi mais que diferente. Foi insuperável!