Júlio
Pereira Mattos, muito conhecido mais tarde como Julinho
da Mangueira, veio de uma família de condições
financeiras pouco favorecidas e, durante toda sua vida,
demonstrou, a todo e qualquer momento, ser uma pessoa
infinitamente humilde, cuja simplicidade sempre fazia
presente de forma clara e explícita em todas as suas
realizações profissionais. Já na década de 40,
Julinho tornou-se um artesão habilidoso e dedicado, fato
que o auxiliou infindavelmente a melhorar a qualidade de
vida de sua família e a abrir novas portas no impetuoso
mercado de trabalho. No início dos anos 50, o humilde
artesão viu no emergente mundo do samba uma segunda
oportunidade para exposição de seus trabalhos manuais
no meio artesanal brasileiro.
Na
época, morava no morro do Carujá e era componente
assíduo da escola de samba Paraíso das Baianas. Como a
Unidos do Tuiuti, outra agremiação importante do
bairro, acabou entrando em decadência, a comunidade do
Carujá não possuía dinheiro suficiente para acompanhar
um carnaval mais requintado, como o que era produzido
anualmente pela Paraíso das Baianas. Os sambistas do
morro passaram a ter maior preferência a um bloco,
ignorando a agremiação de Julinho. Daí, a fim de
salvar as demais escolas de samba do morro, em 1954,
juntamente a Nelson Forró, o artesão ajudou a fundar a
Paraíso do Tuiuti, assumindo assim, não só o posto de
um dos maiores bambas do carnaval carioca, como também o
papel de idealizador e confeccionador de incontáveis
desfiles para a azul-e-amarelo de São Cristóvão.
Contudo, tratava-se de uma escola de estrutura
extremamente limitada e de uma política interna pouco
organizada, alternando entre consecutivos acessos e
rebaixamentos entre os Grupos de Acesso 2 e 3 do Rio de
Janeiro. Entretanto, o artesão, ou porque não dizer
carnavalesco, era um artista de um bom gosto espetacular
e conseguiu despertar a atenção de muita gente
importante, o que, por exemplo, gerou um acontecimento
crucial em sua vida: por mais incrível que pareça, o
artista, baluarte de uma então obscura escola de samba
do Acesso, fora convidado para se tornar carnavalesco da
Estação Primeira de Mangueira, em 1963. Continuou
trabalhando para a Paraíso do Tuiuti durante as décadas
de 50, 60 e 70, porém agora tinha outro vínculo
artístico no carnaval carioca.
A
temática escolhida por Julinho a ser abordada pela
verde-rosa era parcialmente polêmica, Exaltação a
Bahia. Acontece que inúmeros enredos sobre Nordeste
do Brasil, em especial sobre a Bahia, eram tidos como
desditos, proporcionando um infortúnio azar às
agremiações independentemente da qualidade de seus
desfiles. Era uma espécie de tabu do carnaval carioca,
levado a sério pelas escolas de samba durante um longo
tempo, entretanto a Mangueira ousou e decidiu prosseguir
com a idéia do carnavalesco. A escola trouxe para a
avenida uma rica homenagem a todo relicário da história
baiana, exaltando as grandes catedrais, a lavagem do
Bonfim, o candomblé, a culinária, entre outros
aspectos. A apresentação da escola fora grandiosa e a
Mangueira acabou abocanhando um vice-campeonato, perdendo
o título apenas para o Salgueiro, que fizera, naquele
mesmo ano, um dos maiores desfiles de sua história, com
o antológico Chica da Silva.
No
ano seguinte, Julinho novamente prometera realizar um
grande desfile pela Mangueira ao elaborar o enredo História
de um preto velho, o qual girava em torno das
reminiscências de um velho ex-escravo ao relembrar seus
dolorosos tempos de cativeiro. Um samba-enredo forte, de
autoria de Hélio Turco, Comprido e Pelado, e a lendária
bateria do imortal Mestre Waldemiro davam as cartas e,
com absoluta certeza, ajudariam a verde-rosa a conseguir
uma boa colocação. A Mangueira fez uma grandiosa viagem
ao passado, desde as escravistas senzalas da Bahia ao
esplendor e a ostentação do Rio Antigo durante o Brasil
imperial. Julinho acertou na mão e a agremiação
realizou outro belo desfile, ficando em 3º lugar. Ainda
que a Mangueira não tivesse se tornado a campeã de
1964, aquele singular momento do carnaval carioca, como
já dizia a própria letra do samba, “jamais seria
esquecido”.
Em
1965, carnaval monotemático em homenagem ao quarto
centenário de fundação do Rio de Janeiro dentre todas
as escolas de samba, Julinho fez questão de abordar na
avenida todos os aspectos culturais do povo carioca no
decorrer dos séculos. Seria uma grande exaltação a
inúmeros festejos e tradições sempre presentes no meio
de vida do povo brasileiro. A Mangueira teve um
investimento pesado na qualidade de sua apresentação e
o carnavalesco, que também contou com o apoio de uma
Comissão de carnaval especializada, conseguiu tirar um
bom proveito do enredo de forma bem elaborada. A escola
iniciou seu desfile com exuberância, através de um
elegante abre-alas, sustentado por mastros cromados, cada
um representando algum respectivo século do Rio de
Janeiro em toda a sua trajetória. A partir daí,
surgiram diversos painéis subdividindo as alas da
agremiação em alusões a cada fase da história do Rio,
desde a fundação da cidade à concretização do Estado
da Guanabara, fato ocorrido cinco anos antes. As
fantasias, simbolizando desde os índios temininós aos
navegantes franceses, dos escravos aos nobres senhores de
engenho, dos malandros da Praça XI às atuais praias
cariocas, eram incrementadas pelas ricas alegorias e pela
alegria de seus foliões. A Mangueira não só possuía
um enredo em homenagem ao Rio, como também fez um
desfile com a cara do Rio. A escola terminou com a 4ª
colocação.
Para
1966, Julinho quis inovar. O enredo era uma homenagem ao
maestro Heitor Villa-Lobos, realizando pioneiramente uma
miscelânea entre as culturas erudita e popular. Era
claro para todos o fato de a Mangueira ser a escola de
coração de Villa-Lobos e o maestro sempre teve durante
sua vida uma admiração muito grande pelo compositor
Cartola. A verde-rosa, última escola de samba a desfilar
já durante dia alto, contou com a colaboração da
viúva do músico, Dona Mindinha, que forneceu uma série
de materiais importantes para pesquisa sobre a vida e
obra de Villa-Lobos. Julinho já havia confeccionado este
enredo anteriormente, na Paraíso do Tuiuti em meados dos
anos 50, porém a Mangueira era uma escola de samba
grandiosa e elaborar novamente esta temática em uma
agremiação mais financeiramente forte permitiria novas
possibilidades ao carnavalesco, o que gerou um grande
interesse da própria imprensa em saber como Julinho iria
desenvolver aquele carnaval. Nos preparativos do desfile,
a escola num todo suava muito para de realizar uma bela
apresentação na avenida, contudo um acidente
infelizmente fez o barracão da Mangueira pegar fogo,
acabando com os sonhos maiores da comunidade mangueirense
em fazer um rico carnaval em 1966. Com quase toda parte
cenográfica da agremiação incendiada, o carnavalesco
teve que praticamente recomeçar do zero, indo trabalhar
embaixo de um viaduto aberto em Benfica. Julinho
enfrentou inúmeros obstáculos a fim de terminar aquele
carnaval. Houve até um caso de sobrenaturalidade
ocorrido em meio aquele tormento. O artista continuava
confeccionando ininterruptamente os adereços da escola
madrugada à dentro, mesmo sofrendo de graves crises de
rins. Certo momento, Julinho sucumbiu à exaustão e
adormeceu, deixando a escultura de papier-maché de
Villa-Lobos por terminar. No dia seguinte, ao acordar, o
carnavalesco notou que a escultura se encontrara
completamente pronta, inclusive pintada, sendo que não
havia ninguém naquele lugar durante a noite a não ser
ele próprio. Contando com um ótimo samba-enredo, a
Mangueira preparava uma entrada apoteótica na Avenida
Presidente Vargas.
Nas
palavras do próprio Julinho, “a impressão que se
teve foi a de que todo o morro de Mangueira tinha descido
para ensaiar no asfalto.”. A impecável escola fez
toda a avenida vibrar ao som de um fortíssimo coral de
pastoras ao lado do imortal timbre de Jamelão. Como, nos
anos 60, ainda era raro o uso de alegorias em desfiles de
escolas de samba, Julinho se aproveitou ao máximo deste
recurso privilegiável a fim de retratar as composições
musicais villalobianas da forma mais clara possível. O
abre-alas, sustentando por mastros em lamê, apresentava
a escola através de um estandarte decorativo. Seguiu-se
daí uma exaltação a maior inspiração artística de
Villa-Lobos, que era a natureza nativa do Brasil, fazendo
alusões à fauna e à flora de nossa terra, além de
homenagear a riqueza cultural de nossos povos indígenas.
Julinho também ousou em falar do sentimento nacionalista
de Villa-Lobos em contemplar toda a cultura de seu país,
citando inúmeras manifestações populares de todo o
Brasil. Por fim, fora apresentada pela escola a paixão
do músico pelos antigos carnavais, o amor de Villa-Lobos
por crianças e toda a sua luta pelo direito dos
brasileiros à educação, além de descrições sobre a
sua vida nos diversos países por onde passou. Um dos
maiores momentos daquele desfile era o carro
“Educação musical e das cirandas”, que trazia
uma enorme escultura da deusa da música e uma grande
ciranda com crianças brincando de roda. Outro momento
marcante da Mangueira em 1966 fora a sua terceira
alegoria, contendo anjos dourados anunciando o gênio
musical do século, mais um globo terrestre girando,
seguido de uma escultura em tamanho real de Villa-Lobos
“regendo o mundo”. O desfile, em um todo, foi
digno de ser considerado um dos melhores da história da
Mangueira. A escola foi ovacionada e deixou todo o
público nas arquibancadas debaixo de lágrimas,
inclusive Dona Mindinha, uma vez que, quando os
componentes da agremiação souberam que ela estava
presente à avenida assistindo o desfile, foi arrastada
pelos sambistas para se juntar à festa dos foliões.
Infelizmente, mesmo já sendo tida como campeã, a
Mangueira acabou perdendo o título para a Portela por
apenas um ponto, que mesmo fazendo uma apresentação
considerada fria, conseguiu abocanhar a 1ª colocação.
Sentindo-se
injustiçado após o desfile de 1966, Julinho apelou para
outro enredo antigo que já havia sido confeccionado por
ele na Paraíso do Tuiuti em tempos mais remotos: O
mundo encantado de Monteiro Lobato. A Mangueira teve
o grande mérito de, para 1967, possuir um dos mais
emocionantes sambas de todos os tempos, de autoria de
Hélio Turco, Luiz, Darcy da Mangueira, Dico, Batista e
Jurandir. Apesar de a obra ter se tornado um clássico da
MPB e de todo o seu sucesso ter sido responsável pelo
começo das gravações anuais de discos de
sambas-enredo, tradição que dura até hoje, tratava-se
de um hino cuja simplicidade deu um gigantesco trabalho
aos compositores a fim de encontrar a firmeza correta
para sua abertura. Conta-se até uma história na qual
Darcy da Mangueira, um dos compositores do samba, andava
em um ônibus que o trazia da Vila Kennedy ao Centro,
local onde trabalhava. Distraído, veio-lhe à mente,
como em um estalo, os versos dos quais necessitava para
completar a letra. De qualquer modo, o samba passou na
avenida de uma forma arrebatadora, levando os
componentes, a imprensa e o público nas arquibancadas ao
êxtase. Contando com um belíssimo conjunto visual e
sendo única agremiação naquele carnaval a não
desfilar debaixo de chuva, já sob sol forte, Julinho
narrou todo o deslumbre e a magia que sempre envolveram
as histórias de Monteiro Lobato. Um dos momentos mais
marcantes da apresentação da Mangueira foi a Ala dos
Duques, que conseguiu convencer a diretoria da escola a
desfilar como comissão de frente, elaborando suas
próprias fantasias e coreografias particulares, o que
resultou em uma nota máxima para a agremiação. A
emoção passada fora tão grande que tomou até os
jurados do desfile, inclusive o cantor e compositor Chico
Buarque, que julgava letra do samba e enredo.
Extremamente emocionado, teve de recorrer a outro jurado
dizendo: “Não deixe que eu seja injusto com as
demais escolas!”. Aliando bom gosto plástico com
muito samba no pé, Julinho enfim levantou, de modo
justo, o seu primeiro campeonato para a Mangueira.
Brigando
pelo bicampeonato, Julinho decidiu apelar para o
emocional dos mangueirenses mais tradicionais, com o
enredo Samba, festa de um povo, em homenagem a
toda a história desse riquíssimo gênero musical, desde
os festivos lundus dos povos africanos aos desfiles de
escolas de samba. O bom samba-enredo, de autoria da mesma
parceria campeã do ano anterior, já estava na boca toda
a quadra durante o período pré-carnavalesco e prometia
embalar um desfile digno de título. Contando com o apoio
do artista Laurênio Soares, dono do atelier no qual as
alegorias e adereços da Mangueira para aquele carnaval
eram confeccionados, Julinho realizou o desenho de mais
de 230 fantasias, além de quatro carros alegóricos.
Novamente iniciado pela Ala dos Duques como comissão de
frente, o desfile fora aberto por um grande abre-alas
ornado em flores e pequenas colunas, levando uma placa de
bronze como símbolo da escola. A partir deste momento,
via-se uma série de representações do Brasil Colonial,
em alusão às antigas manifestações culturais dos
negros escravos e às roupagens da elite portuguesa
durante o século XVII. Do tambor-de-crioula à
coroação do Rei negro do Congo, a Mangueira fez uma
singela exaltação a toda a negritude brasileira, que
tanto colaborou para a difusão e o desenvolvimento do
samba. Com a alegoria “Serenata do Amor”, em
forma de um caramanchão colonial com bancos de praça,
violões e uma estátua de cupido no centro, a escola
abriu seu segundo setor, dedicado aos antigos carnavais e
a chamada Pequena África, onde se situava a casa de Tia
Ciata no Rio de Janeiro. Com pierrôs, colombinas,
batuqueiros e ranchos carnavalescos, a Mangueira lembrou
os carnavais do início do século XX, até despontar o
carro “Chafariz da Praça XI”, uma cópia fiel
do antigo reduto de bambas dos anos 20, no Largo do
Estácio, local onde se encontrava a sede da Deixa Falar,
a primeira escola de samba da história. A alegoria
“O sonho do sambista”, encerrou o último
quadro do enredo com uma homenagem aos sambistas do
morro, que transformam pobreza e cansaço em alegria e
amor dentro do mundo do samba, no qual ele se torna o
verdadeiro “Príncipe do carnaval” em sua
escola de samba do coração. Após uma apresentação
heróica e sem chuva, a Mangueira tinha tudo para ser
bicampeã, sonho que se concretizou na apuração daquele
carnaval.
Para
1969, a Mangueira decidiu bater um verdadeiro recorde a
fim de conquistar o tricampeonato: nada mais, nada menos
que um contingente de 6.000 desfilantes, número
exagerado até para os nossos padrões atuais. A
temática abordada pela escola, denominada Mercadores
e suas tradições, se tratava de uma rica
descrição da história do comércio no Brasil. No
desenvolvimento de alegorias, Julinho recebeu o apoio
especial do pintor e escultor Augusto de Almeida,
veterano artista do carnaval desde 1930, quando ainda
trabalhava para o Rancho Última Hora. Além disso,
Augusto também já havia trabalhado durante seis anos na
então pequena e inexpressiva Beija-Flor de Nilópolis,
confeccionando alegorias modestas, haja vista que estava
em uma escola de poucas possibilidades financeiras.
Aliada a um poético samba, a Mangueira teve sua
apresentação cercada de grandes expectativas. O desfile
fora iniciado por um portal em seu abre-alas, envolto
pelas “Cortinas do passado”, além de uma
grande coroa e uma saudação ao público. Seguiu-se daí
uma série de alas em alusão ao início da colonização
brasileira, com representações dos mercadores de
pau-brasil e de especiarias. Com o carro “Chegada
dos conquistadores”, contendo três painéis
pintados e dois índios recebendo presentes, retratando a
chegada dos portugueses ao Brasil, a Mangueira abriu o
segundo setor de seu desfile, dedicado ao comércio de
escravos e de cana-de-açúcar. A escola homenageou com
clareza a fidalguia dos canaviais, até despontar a
gigantesca alegoria “Ciclo do ouro”,
simbolizando um garimpo de ouro e pedras preciosas, os
negros nas senzalas e um elegante salão dos nobres
fazendeiros de Vila Rica. O carro “Praça de
Vendedores”, com um rico chafariz colonial jorrando
água, representava os tradicionais comerciantes de rua
do século XIX, como as aguadeiras, as doceiras e os
vendedores de cata-ventos, e fechou o desfile da
Mangueira com chave de ouro. Foi uma apresentação
extremamente bonita e bem acabada. Mesmo sendo a única
escola a receber nota 10 em samba-enredo, o contingente
exagerado de componentes atrapalhou muito a evolução da
Mangueira, que acabou com o vice-campeonato.
Depois
de três desfiles esplendorosos, a Mangueira tomou
ciência de que necessitava rever suas finanças e
colocar seus gastos na ponta do lápis. Pela primeira vez
em um longo tempo, infelizmente, faltou verba na
verde-rosa. Uma modificação importante realizada pela
escola para o carnaval de 1970 foi a diminuição do
número de desfilantes. Em 1969, a Mangueira se
apresentou com cerca de 6.000 componentes. Para o ano
seguinte, esse contingente caiu para 2.500 pessoas, ou
seja, menos da metade de 1969, a fim de a evolução da
escola acabar não sendo prejudicada novamente. Não foi
a toa que 1970 foi apelidado pelo ex-presidente da
bateria da Mangueira, Mestre Tinguinha, como “o ano
do sacrifício”. Outra mudança ocorrente na
agremiação foi no estilo de enredo. O carnavalesco
decidiu fazer uma exaltação a natureza brasileira, ao
contrário das temáticas anteriores, que possuíam
normalmente um caráter mais histórico. A primeira parte
do desfile mangueirense fazia um suave preito às flores,
citando inúmeras espécies distintas delas, o que inclui
rosas, girassóis, amores-perfeitos, margaridas,
papoulas, entre outras. A partir daí, a Mangueira passou
a referenciar os recantos mais pictóricos de cada estado
do Brasil, simbolizados ala por ala com grande categoria.
O terceiro setor da escola deu destaque a toda a fauna
brasileira, das aves às onças, das cobras aos animais
marinhos, com direito a uma alegoria representando o
peixe xaréu. As riquezas mineiras do Brasil também
foram lembradas pelo carnavalesco nas fantasias das
tradicionais baianas mangueirenses, retratadas como
jazidas de metais e pedras preciosas. O desfile foi
encerrado por um gigantesco pomar em alusão aos produtos
naturais de nossa terra. Foi uma bela apresentação,
provando que as mudanças internas efetuadas na Mangueira
foram realmente necessárias. A escola terminou com um
justo 3º lugar. No desfile das campeãs, um fato
interessante aconteceu: a pastora Nair Pequena, uma das
mais importantes baianas da Mangueira, veio a falecer em
plena a avenida.
Em
1971, a verde-rosa notou que estava bem longe de ser a
mesma escola de samba fundada em 1928 por Cartola e
Carlos Cachaça. Havia crescido demais, tornando-se uma
das maiores atmosferas da MPB presentes na cidade do Rio
de Janeiro. A quadra da agremiação havia ficado pequena
diante da grande quantidade de sambistas e visitantes que
a freqüentavam. A partir daí, com o apoio da Secretaria
de Obras do município, foi idealizada a construção de
uma nova sede, mais ampla e mais eficiente. Com a posse
do terreno efetivada judicialmente, a escola gastou uma
parte bastante significativa de seu orçamento a fim de
erguer o que seria denominado futuramente como o
“Palácio do Samba”, sobrando ainda uma
razoável verba para desenvolver o carnaval daquele ano,
cujo enredo, imaginado pelo ufólogo e compositor
Carlinhos Sideral, se chamaria Modernos Bandeirantes.
Tratava-se de uma homenagem a aviação brasileira e as
“expedições” dos grandes aviadores a explorar
os céus do mundo. A Mangueira também homenagearia, em
menos de dois anos após da chegada do homem a Lua, em
julho de 1969, a então perspicaz e incessável Era
Espacial, o limiar das conquistas humanas.
A
Mangueira abriu sua apresentação causando um grande
impacto ao colocar inúmeros aviõezinhos sobre o chapéu
de suas baianas, que rodeavam o belo abre-alas da escola
exaltando Santos Dummont. O primeiro setor do desfile
reviveu a Belle Époque francesa, retratando fielmente as
cenas do cotidiano parisiense de 1900. Julinho teve
grandes vôos de criatividade ao criar diversos figurinos
em Art Nouveau, o que inclui a cenografia do primeiro
carro alegórico da agremiação, representando a
primavera francesa da virada do século, além de uma
belíssima réplica da Torre Eiffel, envolta de balões e
dirigíveis. A segunda parte do desfile, cognominado de
“Integração Nacional e Continental”, era uma
exaltação as possibilidades alcançadas pela aviação
de unir várias regiões do planeta pela globalização,
na qual o carnavalesco se aproveitou da cultura e do
folclore de cada parte do Brasil para elaborar suas
fantasias, despontando na segunda alegoria da Mangueira,
em alusão a chegada do homem às nuvens pelo 14-Bis. Por
fim, a escola lembrou a astronáutica e a corrida
espacial humana em uma visão bastante futurista,
através de incontáveis estrelas, planetas, comentas,
luas, alienígenas e, principalmente, espaçonaves.
Apesar de toda a empolgação e criatividade, Mangueira
conseguiu apenas um agradável 4º lugar.
Para
1972, Julinho primou pela garra da comunidade
mangueirense. As obras na quadra absorviam rapidamente
todo o dinheiro da agremiação e a quantia arrecadada
nos ensaios era utilizada da forma mais proveitosa
possível. Embora nunca tenha faltado bom gosto estético
nos barracões, foi necessário mais investimento no
chão da escola que em qualquer outro quesito. O enredo Rio,
carnaval dos carnavais contava toda a história do
carnaval de forma descontraída e irreverente, prometendo
grande plasticidade ao público. A Mangueira preparou um
desfile de muita empolgação, cantando seu animado samba
a plenos pulmões, aliada a sempre excepcional bateria de
Mestre Waldemiro. A escola começou sua apresentação
falando sobre os festejos pagãos da antiguidade e da
idade média, que, mais tarde, dariam origem ao carnaval
moderno, com direito a citações aos gregos, egípcios,
romanos e venezianos. A Mangueira também lembrou a
origem do carnaval brasileiro através de
representações do entrudo, do maracatu, dos blocos de
sujo e das batucadas dos negros nas senzalas. O último
setor do desfile, aberto pelo carro “Carnaval de
ontem, de hoje e de sempre”, prestou uma grande
homenagem às escolas de samba, frevos, ranchos, baile do
Municipal e por fim, personagens da “Commedia
dell’Arte”, como o arlequim, colombina e
pierrot. Com alegria e muita aptidão, a verde-rosa fez
um dos melhores desfiles do ano, conquistando um
vice-campeonato, atrás apenas do Império Serrano.
Em
1973, a Mangueira uniu novamente todas as suas forças
para conseguir um novo título. A temática abordada pela
escola girava em torno dos mistérios e magias da lagoa
do Abaeté, na Bahia. A entrada da agremiação na
Avenida Presidente Vargas fora majestosa, uma vez que seu
abre-alas era elegantissimamente bem elaborado, contando
com o escudo da escola e uma bela saudação ao público.
Primeiramente, Julinho decidiu falar da paisagem do
Abaeté, fazendo alusões à população local e ao bioma
típico da região. A Mangueira conseguiu unir com
magistralidade todos os elementos culturais da terra com
o ecossistema natural da Bahia, transmitindo as diversas
imagens do enredo ao público de forma clara e poética.
O primeiro quadro do enredo fez referência ao Abaeté
indígena, aos primeiros habitantes da lagoa. Houve
fantasias representando os caciques, pajés,
feitiçarias, vitórias-régias, orquídeas, sereias,
além dos deuses Sol e Lua. Julinho também retratou na
avenida o Abaeté na visão afro-brasileira, lembrando
dos inúmeros ritos e simbologias do candomblé baiano.
Foi neste setor da escola onde desfilaram as baianas,
simbolizando as lavadeiras de Itapuã, que, pela primeira
vez na história da agremiação, vieram vestidas de
branco, ao invés do habitual verde e rosa. A partir
daí, a Mangueira passou a enumerar as incontáveis
lendas do Abaeté, começando pelo reino de Iara, a ninfa
das águas, que seduz homens e mulheres com suas
românticas melodias e os arrasta para o fundo da lagoa.
Logo após, Uauiará, regente dos peixes, recebeu seu
destaque na escola, que, nas noites de lua cheia, também
é um grande apaixonado das índias, arrebatando-as para
baixo d’água. Outro ponto alto do enredo
mangueirense foi a exaltação à Dona Janaína, formosa
imperadora das águas, conduzida nobremente por
cavalos-marinhos pelos mares a fora. Por fim, a
verde-rosa lembrou de Ogum e Iemanjá, fazendo alusões
às noites da Bahia, quando qualquer pessoa, ao se
aproximar da lagoa, é capaz de ouvir o som de tambores e
atabaques afro-baianos. A Mangueira realizou, em 1973, um
desfile imprescindível, que acabou levantando o terceiro
campeonato de Julinho no carnaval carioca.
Baseado
no livro “Dicionário do folclore brasileiro”,
do antropólogo Câmara Cascudo, o carnavalesco se
determinou a assinar o enredo Mangueira em tempo de
folclore. A temática fora subdivida em três partes
diferentes: as influências culturais indígenas, brancas
e negras. Com grande apoio da comunidade mangueirense, a
escola lutou ao máximo para preparar uma grande
apresentação e conseguir um bicampeonato. A verde-rosa
começou seu desfile citando as manifestações
folclóricas dos nossos índios. Julinho lembrou em suas
fantasias os pagés, sacerdotes, máscaras, borboletas e
pássaros da floresta, além das lendas indígenas, como
as guerreiras amazonas e a deusa Iara, a mãe
d’água. Em seguida, a Mangueira carnavalizou a
cultura européia, recém-chegada ao Brasil na época do
descobrimento. O carnavalesco buscou sua inspiração nas
lendas e histórias contadas pelos marinheiros
portugueses em suas grandes navegações no século XVI.
Os brancos também foram lembrados por representações
das festas juninas, reisados, folias de reis, festejos do
divino, bambaquerês, fandangos, balões e bandeirinhas.
Seguiu-se daí o maior setor do enredo, alusivo à
cultura negra. Julinho retratou da forma mais clara
possível o Quilombo dos Palmares, a congada, o maracatu,
os sacis-pererês, o Negrinho do Pastoreio, a capoeira, o
candomblé, as carrancas, as rendeiras, o boi-bumbá e o
príncipe africano Chico Rei. Por último, o carnavalesco
decidiu fazer uma miscelânea entre as três raças,
resultando em referências ao Zé Pereira, ao samba e ao
carnaval carioca. Apesar de uma grande apresentação, a
verde-rosa não conseguiu alcançar a 1ª colocação,
ficando atrás do Império Serrano, Portela e Salgueiro,
a escola campeã daquele carnaval.
Após
11 anos trabalhando como carnavalesco da Mangueira,
Julinho se mantém longe da escola por um curto período
de tempo. O artista voltou à agremiação apenas em
1977, desenvolvendo o enredo Panapanã, o segredo do
amor, uma lenda tupi baseada na paixão entre Jacy (a
lua) e Guaracy (o sol), tendo Rudá, o deus do amor, como
seu mensageiro. Com uma empolgação invejosa, a
Mangueira iniciou seu desfile causando impacto. Ao invés
de ter a já veterana Ala dos Duques como comissão de
frente, a escola teve a intenção de reviver seus
carnavais mais remotos ao colocar personalidades
tradicionais como Cartola, Carlos Cachaça, Nelson
Cavaquinho, Djalma Santos, entre outros, abrindo sua
apresentação, levantando, inclusive, o Estandarte de
Ouro do ano de destaque masculino. O primeiro setor do
desfile fazia menção à noite, ao reino de Jacy,
retratando de forma bastante poética os encantos da
floresta, como o canto dos pássaros, os pirilampos, as
estrelas e a luz do luar. A segunda parte da escola
representou o dia, o reino de Guaracy, citando o
alvorecer do sol, as gotas de orvalho, as flores, a terra
e os seres da água. O último quadro do enredo
referenciou o cortejo de amor ocorrido entre os dois
amantes, Jacy e Guaracy, levando Rudá, o ente alado, a
demonstrar misticamente ao mundo que somente o amor é a
grande força da vida. Julinho confeccionou um grande
carnaval, com fantasias e alegorias muito bonitas,
coloridas em diversos tons de rosa. Infelizmente, a
Mangueira estourou o limite de tempo permitido em seu
desfile, perdendo cinco pontos em cronometragem e ficando
em 7º lugar, a pior colocação de sua história até
então.
Em
1978, segundo registros históricos, a Mangueira estaria
completando 50 anos de fundação. Julinho, aliado a
figurinista Kalma Murtinho, elaborou seu enredo baseado
nesse cinqüentenário. Contando com a força da
comunidade mangueirense, uma vez que a temática pedia um
apelo emocional muito grande, o carnavalesco preparou um
carnaval extremamente simples, porém de um bom gosto
visual grandioso. A verde-rosa novamente abriu seu
desfile, composto de 2.500 desfilantes, com uma comissão
de frente formada por seus sambistas mais ilustres, como
Cartola, Carlos Cachaça e Nelson Cavaquinho, apelidada
de “Os imperadores do samba”. O carro
“Carroceiros do imperador”, contendo carruagens
da Família Real, iniciou a primeira parte da
apresentação da escola, alusiva aos primeiros
habitantes do Morro de Mangueira, os carroceiros que
trabalhavam na Quinta da Boa Vista, então residência de
Dom Pedro I. Aproveitando-se dos tradicionais verde e
rosa em tonalidades bastante fortes, a fim de
aproximá-los ao máximo das colorações verde e
vermelho, símbolos da Corte Portuguesa, Julinho fez uma
brincadeira irônica ao distribuir suas fantasias,
colocando somente figurantes negros para retratar os
nobres, tal como somente brancos para retratar os
escravos. O segundo quadro do enredo fez referência ao
panorama social e cultural do morro na atualidade, com
direito uma alegoria representando um barraco da
comunidade e as baianas homenageando as tias doceiras da
Mangueira. A última parte do enredo trouxe uma
exaltação à própria escola de samba, lembrando seus
sambistas e toda a sua trajetória no carnaval carioca. O
desfile fora encerrado por um grande pandeiro com os
dizeres “Mangueira é povo, é povo, é povo!”,
que futuramente se tornaria um lema da agremiação.
Ganhando o Estandarte de Ouro de comunicação com o
público, a Mangueira mostrou seu chão no asfalto da
Sapucaí. Um desfile excelente, que levou muita gente às
lágrimas, inferior apenas ao da campeã, Beija-Flor. A
verde-rosa foi vice-campeã.
Para
1979, Julinho escolheu como enredo as histórias contadas
a ele em uma viagem a Ilhéus, zona agrícola da Bahia,
sobre o plantio e a importância do cacau no Brasil e no
mundo. A temática se chamaria Avatar... E a selva
transformou-se em ouro, lembrando que, na época da
colheita, o verde intenso das plantações se transfigura
literalmente no forte dourado dos cacaus, fazendo a
floresta se transformar em ouro. Antes de o desfile
começar, o compositor Cartola anunciou não participar
do carnaval de sua agremiação, alegando não ter
fôlego para percorrer toda a avenida em obrigatórios 80
minutos. “Isso não é carnaval! É parada
militar!”, protestou o sambista. De qualquer forma,
a apresentação da Mangueira fora aberta pela velha
guarda, diante de um abre-alas saudando o público e de
alas referentes ao Império Asteca, povo descobridor do
chocolate. No mesmo setor da escola, também foi lembrada
a fidalguia francesa, local onde o consumo de cacau se
expandiu em larga escala durante o século XVIII. Com
fantasias alusivas aos povos indígenas e suas crenças,
a segunda parte do desfile fez uma menção a Amazônia,
região nativa do cacaueiro, até despontar o carro
“A Transformação”, seguido de descrições da
beleza da selva em época de colheita. O terceiro quadro
do enredo citou a cultura cacaueira na Bahia, abordando o
trabalho sofrido dos camponeses nas plantações, movidos
pela ilusão de se enriquecerem com venda do cacau. A
verde-rosa realizou uma apresentação simples e
empolgante. Contudo, a escola teve problemas com o
tamanho exagerado de seus carros alegóricos, o que
prejudicou bastante sua evolução. Unida a um samba
considerado de muito mau gosto, a Mangueira acabou com a
4ª colocação.
Depois
dos desfiles de 77, 78 e 79, Julinho se afasta da
confecção dos carnavais da Mangueira, somente
retornando à escola em 1986, desenvolvendo o enredo Caymmi
mostra ao mundo o que a Bahia e a Mangueira têm, uma
homenagem ao músico e compositor baiano Dorival Caymmi.
Cotando com um dos melhores sambas-enredo dos anos 80, de
autoria de Ivo Meirelles, Lula e Paulinho Carvalho, a
apresentação da escola fora iniciada por baianas da
lavagem do Bonfim como comissão de frente, seguida de um
grande abre-alas com o símbolo da verde-rosa. O primeiro
quadro do enredo fez referência à paixão de Caymmi
pelo mar, lembrando inúmeras canções do compositor
sobre este tema. O carnavalesco se utilizou de acetato
transparente para compor as fantasias deste setor, que
também apresentou o carro “Jangadeiro”,
alusivo à música “Promessa de pescador”, e
uma belíssima alegoria com imagens de Netuno e Iemanjá.
A segunda parte do desfile retratou as festas de rua de
Salvador e os vendedores do Mercado Modelo, até a
chegada do carro “Motivos de inspiração de
Caymmi”, onde desfilou o homenageado. Julinho não
se esqueceu de citar os pratos típicos da Bahia,
representados de forma bem objetiva na alegoria
“Preta do acarajé”, além de exaltar os
orixás do candomblé, com direito ao carro em que
desfilou Clóvis Bornay. Com sombrinhas de frevo e
elefantes do maracatu, Julinho desenhou todo um setor
dedicado ao samba-canção “Dora, rainha do frevo e
do maracatu”. A Mangueira terminou seu desfile com
um painel com imagens tradicionais de Salvador e a
alegoria “O que é que a baiana tem”, em
homenagem a Carmem Miranda. Dando um show de samba no pé
e desfilando com uma alegria sobre-humana, a verde-rosa
garantiu brigar por um campeonato, o que, no final,
felizmente acabou acontecendo.
Em
1987, Julinho, inspirado no poema “À procura da
poesia”, decidiu homenagear o poeta e cronista
Carlos Drummond de Andrade, com o enredo No reino das
palavras. Toda a temática fora construída a partir
das obras do poeta e o carnavalesco preparou um carnaval
bonito e plasticamente simples a fim de passar a mensagem
do enredo ao público com muita clareza. Uma forte
comissão de frente, formada por alguns dos grandes
admiradores do homenageado, como Chico Buarque, João
Nogueira, Hermínio Bello de Carvalho e Aldir Blanc,
abriu o desfile da escola, aliado a um belo abre-alas.
Seguiram-se diversas referências às figuras de Debret e
ao próprio carnaval carioca, além de um carro em
homenagem à Fazenda dos Doze Vinténs, que pertenceu ao
pai de Drummond, em Itabira, onde o poeta nasceu, passou
férias escolares e, futuramente, dedicou muitos de seus
poemas. Julinho aludiu belamente vários setores de seu
desfile às obras “Passeios na Ilha”,
“Quixote e Sancho, de Portinari” e
“Brincando de brincar”, este último repleto de
alas fantasiadas de piratas, arlequins, palhaços, entre
outros, representando o Rio de Janeiro dos antigos
carnavais. A Mangueira também fez uma exaltação a Zé
Pereira, reproduzido esculturalmente em uma alegoria. O
carnavalesco retratou o poema “Canto ao homem do
povo” com inúmeras fantasias em preto e branco
sobre Charles Chaplin, que depois acabou virando um carro
com a figura inconfundível do personagem Carlitos e seu
cachorro, tendo Laerte Raphael como destaque principal.
Aleijadinho foi lembrado por um carro contendo
simbolizações dos doze profetas de pedra-sabão,
seguido por uma menção ao poema “Carrancas do São
Francisco” e pelo carro do Scala, todo em um tom
rosa forte com a escultura de um grande palhaço e a
presença do saudoso Grande Otelo, rodeado de vedetes. As
baianas, com panos de costa verde, encerraram o desfile
mangueirense, juntamente a um setor sobre o conto
“História de dois amores”, narrando a paixão
entre o elefante Osborne e a pulga Pul. Apesar de alguns
problemas, como a invasão de pista e a falta de
acabamento em algumas fantasias, a Mangueira fez outra
apresentação com muita garra, que sacudiu de
empolgação toda a Sapucaí, levando a escola a um
bicampeonato.
Em
1988, ano do centenário da abolição da escravatura,
Julinho desenvolveu um enredo a respeito desse tema,
questionando as realidades e ilusões tidas pelos
afro-brasileiros desde 1888 aos dias atuais. Com um
contingente de 5.000 desfilantes e um belíssimo
samba-enredo, considerado um dos melhores de todos os
tempos, de autoria de Hélio Turco, Alvinho e Jurandir, a
verde-rosa iniciou sua apresentação com uma comissão
de frente composta por negros famosos, que superaram os
infortúnios da vida e conseguiram prosperar. As
primeiras alas se demonstraram muito bem fantasiadas,
referentes à vida do negro pré-escravidão, quando
ainda eram nobres e guerreiros em suas tribos na África.
O segundo quadro do enredo trouxe a transposição dos
povos africanos à nossa terra, seguida por uma citação
do livro “Casa Grande e Senzala”, de Gilberto
Freyre, narrando a vida dos negros como escravos, e um
setor alusivo aos ciclos econômicos do Brasil Colonial.
O carnavalesco não pode se esquecer de mencionar a
figura de Zumbi dos Palmares, representado em uma
alegoria pelo destaque Laerte Raphael e que também
serviu de inspiração para muitas alas da agremiação,
além da própria Princesa Isabel, retratada no carro
“Abolição” pela belíssima fantasia de
Marlene Arruda, cujo costeiro simbolizava a “Rosa de
ouro papal”. Anastácia e a Mãe Preta também foram
lembradas, assim como os orixás do candomblé e os
antigos vendedores de flores e frutas. Logo após,
Julinho apresentou exaltações à cultura negra, ao
cortejo do maracatu e ao carnaval, terminando seu desfile
com um pequeno setor em homenagem ao negro atual,
criticando sua vida sofrida e interrogando sobre sua
verdadeira liberdade, que, segundo o próprio
carnavalesco, “ontem foi negro escravo, hoje é
gari, cozinheira”. A Mangueira realizou um carnaval
exuberante, todo em tons rosa suaves, com o verde
aparecendo nos detalhes, além de muitos adereços de
mão. Com uma animação infinita, a escola brigava
afoitamente pelo título, que, entretanto, acabou não se
tornando realidade. A verde-rosa não contou com a
participação de um dos membros de sua comissão de
frente, Martinho da Vila, que havia esgotado suas
energias de tanto sambar no desfile de sua agremiação.
A Mangueira perdeu um ponto neste quesito e ficou com o
2º lugar, perdendo apenas para a própria Vila Isabel,
com o enredo Kizomba, a festa da raça.
Para
1989, Julinho elaborou o enredo Trinca de Reis,
uma homenagem aos três grandes reis da noite carioca,
Walter Pinto, Carlos Machado e Chico Recarey. Iniciando
seu desfile debaixo de uma garoa, a Mangueira tinha seus
4.000 desfilantes extremamente empolgados, cantando seu
samba, considerado pela crítica como muito ruim, a
plenos pulmões. A comissão de frente, formada por
vedetes, fazia uma exaltação aos teatros de revista,
que abriu passagem para o primeiro quadro do enredo,
alusivo ao produtor Walter Pinto. Após uma seqüência
de alas representando índios, piratas, ciganas e
espantalhos, desfilou o homenageado em uma alegoria ao
lado da veterana vedete Virgínia Lage. A segunda parte
do desfile lembrou os espetáculos do coreógrafo Carlos
Machado, que desfilou no carro “Cassino da
Urca”, um dos cassinos mais badalados do Rio de
Janeiro. No mesmo setor, apresentou-se o belo carro
referente ao show “Carrossel”, um dos pontos
altos do desfile mangueirense. Aberto por alas
fantasiadas de espanholas, o último quadro do enredo
citou o empresário Chico Recarey, um dos acusados do
trágico naufrágio do navio “Bateau Mouche” na
Baía de Guanabara, que provocou a morte de dezenas de
turistas na noite de réveillon de 1988. A verde-rosa
terminou seu desfile deixando claro que não fez uma
apresentação a altura de suas tradições. O
carnavalesco errou muito na mão ao desenvolver suas
fantasias, muitas muito mal acabadas, e, principalmente,
suas alegorias, que possuíam desenhos retos, rústicos e
insulsos, de uma visão pouco agradável. Tirando um ruim
11º lugar, Julinho se despede de vez da Mangueira.
Em
1990, Julinho ainda auxiliou na confecção dos desfiles
da Mangueira e da Paraíso do Tuiuti, porém já havia
deixado de ser carnavalesco de ambas as agremiações,
deixando este legado a seu filho. O artesão, cenógrafo
e figurinista foi um autodidata eficiente, sempre
reaproveitando uma grande parte de seus trabalhos nas
escolas de samba e revendendo inúmeras de suas
esculturas para gente de todo o Brasil. Em abril de 1994,
o artista, infelizmente, vem a falecer. Julinho foi um
sujeito magro, despojado, de bigode e cabelos grisalhos,
pouco compridos, sempre cobertos por sua inconfundível
boina, jeito pelo qual Fernando Pamplona sempre o
descreveu. Era um artesão de primeira linha, conhecia
quase toda a comunidade de Mangueira pelo nome e sabia de
cabeça quem tinha condições de desfilar de rei ou de
escravo, fazendo sempre mais que o possível para com o
desenvolvimento de seus carnavais. Baseava-se na
simplicidade não só ao confeccionar seus carnavais,
como também um meio de vida. Fazia a Mangueira ser mais
Mangueira e o carnaval ser mais carnaval.
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