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A REAÇÃO 19 de dezembro de 2011, nº 49, ano VI Falar
sobre Joãosinho Trinta e samba-enredo é uma tarefa
espinhosa. Sem dúvida alguma, ele foi um revolucionário
em quesitos visuais, internacionalizando e expandindo as
temáticas dos enredos, verticalizando os desfiles, etc. Mas qual
seria o seu o legado para a evolução do samba-enredo em
si? Seus desfiles, geralmente, eram embalados por sambas medianos ou
fracos, com poucas exceções e, de clássico mesmo,
sem consultar nada, só lembro mesmo de Beija-Flor 1978, “A
Criação do Mundo na Tradição
Nagô”.
Este fato, da qualidade duvidosa dos sambas-enredos dos desfiles de Joãosinho Trinta, tem fundamento na própria visão de carnaval que ele construiu. O samba era apenas a trilha sonora dos desfiles de Joãosinho. Se o visual, antes, servia para ilustrar a apresentação do samba, com Joãosinho Trinta, a coisa se inverteu e o samba passou a ter de explicar o que você estava vendo, estando subordinado ao direcionamento do trabalho do carnavalesco. Ele se metia diretamente nas escolhas e, dizem, chegou a fazer rascunhos de letra para serem musicados para que a sua visão do todo permanecesse intacta. Ele mudou tudo nos desfiles e conseguiu, com isso, reinar indiscutivelmente nos anos 70 – foram seis títulos como carnavalesco, sendo cinco deles consecutivos. E, evidentemente, ninguém tem tanto sucesso impunemente. Você acha que o pessoal pega pesado nas críticas ao Paulo Barros? Com o Joãosinho era quinhentas vezes pior. E é aí que a história começa a ficar interessante. Vencer o Joãosinho no estilo do Joãosinho era impossível – ninguém fazia desfiles como ele. Ele estaria sempre um passo a frente de todo mundo. Você consegue imaginar um desfile todo feito para demonstrar que Paulo Barros e sua concepção de carnaval estariam errados? Pois bem, com o Joãosinho isso aconteceu – uma crítica direta, taxativa, arrasadora: Super Escolas de Samba S.A, Super Alegorias... Escondendo gente bamba, que covardia! Aquilo que Joãosinho fazia não seria carnaval e estaria relegando o que é importante para o segundo plano. Abaixo Joãosinho Trinta e seu carnaval vertical! E foi isso o que aconteceu nos anos 80. Se de um lado, a verticalização dos desfiles, que Joãosinho Trinta idealizou, tornou-se inevitável em qualquer desfile, inclusive com a construção do Sambódromo, que obrigou todas as escolas a terem ‘super alegorias’, por outro, não bastava luxo e criatividade para ser campeã. Não bastava seguir a fórmula de Joãosinho Trinta. Os jurados não eram técnicos – lembre-se que Sócrates, um jogador de futebol que nasceu no interior de São Paulo, sem qualquer formação musical, foi jurado de bateria. E aí, outras coisas tiveram de entrar em cena para que Joãosinho Trinta não vencesse os desfiles mais dez anos seguidos. O trabalho de Joãosinho Trinta abriu o leque dos enredos. Não precisava ser homenagem, não precisava ser acadêmico, não precisava ser edificante – os enredos poderiam delirar, falar de tudo, até mesmo do jogo do bicho. E, mesmo criticando Joãosinho, a rapaziada atravessou a porta que ele abriu. Nos anos 80, a liberdade temática deu asas ao imaginário dos carnavalescos. Uma frase infeliz de um político poderia se tornar um enredo. Você poderia brincar. E foi assim que os anos 80 se desenharam. Os carnavalescos perceberam que não venceriam no luxo e criaram seus próprios estilos – um era o irreverente da turma, o outro era o crítico, um terceiro apostava em temas simples, e assim por diante. Essa liberdade fez com que os sambas, apesar de nem sempre acertarem a mão, buscarem caminhos diferentes. Ousadia. Era preciso ganhar a simpatia do povo. O povo influenciava os jurados. Então, para vencer, você tinha de divertir o homem comum. Na época, os LPs dos sambas-enredos eram muito vendidos e rivalizavam as prateleiras das lojas de disco com os do Roberto Carlos. Os sambas tocavam nas rádios. As escolas ousavam porque os sambas tinham de ‘pegar na veia’. Eram meio caminho para o sucesso. O samba poderia não ter a mesma riqueza poética dos tempos de Silas de Oliveira, mas não era apenas um mero detalhe dentro do desfile. O carnaval se ganhava com a resposta do público, e só se conquistava o público com um samba bom. Joãosinho Trinta demorou a entender que as coisas que ele tinha mudado mudaram outra vez e que o público já estava acostumado com o luxo, e que ele teria de se reinventar para voltar a reinar. Não era apenas delirar e fazer tudo o mais bonito possível. Tinha de mexer com outros sentimentos, outros valores. Em 1988, a Beija-Flor levou ao público um dos desfiles mais luxuosos da história. Pelo júri de hoje, dificilmente deixaria de ser a campeã. Perdeu para a Vila Isabel, pobre, vestida de forma rústica – uma Vila que não tinha luxo, mas tinha samba e chão, e o impacto visual do que a escola apresentara era perceptível. Ousadia. E foi aí que veio o ‘clique’ na cabeça de Joãosinho – ele também tinha de impactar. E aí vieram os mendigos, de “Ratos e Urubus”. E a escola perdeu no samba. Perdeu no samba, sendo a campeã dos intelectuais e especialistas, os mesmos que criticavam a escola em anos anteriores, estarrecidos pela reinvenção de Joãosinho Trinta. A escola tinha superado todas as outras jogando o mesmo jogo delas e, ainda assim, não tinha conseguido voltar a ser campeã. A imprensa discutiu o erro do jurado de samba, que não entendeu os termos afros da letra. Talvez a semente para o júri mais técnico tenha sido plantada ali. Nos anos seguintes, Joãosinho voltou a tentar impactar. Não conseguiu 99% das vezes, mas quando conseguiu, em 1997, conquistou o público. Infelizmente, foi a última vez que ele foi campeão, agora pela Viradouro. Os problemas de saúde começaram a perseguir o carnavalesco. E hoje, ele é história. A importância de Joãosinho Trinta para o samba-enredo é que ele fez com que todos reagissem de alguma forma. Se a sua influência direta não foi tão positiva, ele gerou uma reação, não deixou o estilo se acomodar. Ele fez com que alternativas fossem construídas, a partir dos enredos abstratos, críticos e irreverentes e dos sambas que embalaram tais enredos. Como carnavalesco, ele mostrou para todo mundo que, acertar ou errar faz parte do jogo, mas o que faz a diferença é a ousadia, e isso vale para o samba também. Depois que ele deixou de ser a referência maior, houve uma clara estagnação nos desfiles. É preciso alguém para chacoalhar as coisas. Paulo Barros deu uma pequena mexida, mas não revolucionou como Joãosinho Trinta, porque o que Barros faz é brincar com a memória afetiva das pessoas, o que o Renato Lage sempre fez. Não há uma reação anti-Barros nos desfiles, apenas farpas trocadas pela imprensa, apenas palavras. A verdade é que o rei morreu e trono ainda está vago. Mas isso aí é papo para os especialistas em alegorias e fantasias. A nossa questão é o samba-enredo. Qual será o samba que mudará as regras do jogo, como Joãosinho fez com o visual? Ou, diferentemente, qual o samba que colocará abaixo o modelo hegemônico, qual o samba que marcará a reação aos escritórios e a padronização? Qual o samba que trará o povo de volta, o povo que não quer apenas o “correto”, como não queria apenas “o luxo”? Quando os nossos compositores mais talentosos terão o “clique” que Joãosinho teve quando imaginou o desfile dos mendigos? Este samba seria o samba da Portela, escolhido no ano da morte de Joãosinho? Deixo aos leitores estas questões. Abraços a todos. |
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