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Coluna do João Marcos

UM MASSACRE EM VERDE E BRANCO

19 de novembro de 2011, nº 48, ano VI

Nos últimos anos, por questões éticas, tenho evitado analisar as safras do acesso do Rio e São Paulo, trazendo apenas algumas impressões gerais. Este ano, não será diferente. Peço desculpas antecipadamente aos leitores que mandam e-mails pedindo que eu comente tais CDs.

É minha obrigação, no entanto, apontar o grande samba do ano, que novamente vem da minha escola do coração, o Império Serrano.

Poucas vezes vi na vida uma diferença tão gritante entre um samba e o restante de uma safra.

É um massacre, uma avalanche, um absurdo. O CD do acesso, este ano, vale a pena, nem que seja para colocar a faixa e deixar no ‘repeat’ no CD player.

Apurando com as minhas fontes, tive a informação de que o samba seria alterado, que haveria uma mudança no refrão de cabeça - mudança esta que seria feita pelos próprios compositores, a pedido da escola. Felizmente, a coisa não foi para frente. O grande charme do samba é justamente a sacada, a união entre o moderno e tradicional, o ‘laia laiá’, referência ao nome da homenageada e ao recurso que ela e outros grandes compositores usavam para facilitar o canto na avenida, muito presente nos sambas dos anos 60.

Mas o hino imperiano não é apenas o ‘laiá laiá’. É, também, todo o resto. É a melodia doce e leve, com belas variações, como, p.ex., a que tem no meio da primeira parte – o “Ivone Lara ia”. É uma melodia singela, que flui perfeitamente, gostosa de cantar.

E a letra? Passa o enredo de forma clara, precisa, sem rodeios, sem jogos de palavra. Sim, porque é Dona Ivone e ela é real, é rainha da casa, mãe esposa de fé. Sem aspas estúpidas. E quando ela realiza sua obra artística? É dama, é diva. É “estrela do samba de luz radiante” – um verso simples e, ao mesmo tempo, de uma riqueza profunda. Uma imagem poética precisa, sem rebuscamentos desnecessários.

O samba é uma celebração do que é o Império, da alma imperiana. Curto, fácil de memorizar, gruda no ouvido. É um sentimento que hoje nosso Império aclama, e talvez seja este o grande trunfo deste samba, e que faz com que ele tenha algo que talvez os outros não tenham. O samba da Paraíso do Tuiuti, p.ex., é bom, mas não traz o sentimento do que é Clara Nunes e do que ela representa. O samba do Império traz o ‘sentimento Dona Ivone Lara’ e o sentimento do que é ser imperiano - o sentimento de ser tradição e revolução ao mesmo tempo, de leveza e magia, de nobreza e força. O sentimento de despertar e cantar feliz.

Mas é ‘samba de escritório’, como alguns já me questionaram. Que seja. Quando questionamos os escritórios e suas vitórias, a nossa luta não é contra pessoas. Os ‘escritórios’ usam suas armas, como as parcerias ‘da comunidade’ também usam. Muitas vezes ganham no grito, nos bastidores, no poder financeiro. A nossa luta é para que o vencedor ganhe no samba e que a obra de melhor qualidade vá para a avenida. Se o melhor samba é do escritório, que ganhe o escritório.

O problema dos escritórios é que já chegaram até ao Grupo E do Rio e se alastram por todo o Brasil, produzindo sambas em série. Por mais genial que seja um compositor, é impossível manter um nível de qualidade aceitável compondo 20 sambas por quinzena. E, dependendo da escola, eles deliberadamente fazem sambas fracos, de fórmulas batidas, porque levam em consideração a burrice de presidentes e diretores de agremiações, que preferem obras que não dêem trabalho e pareçam “sambas de bloco” (na conotação mais negativa da expressão).

Não analiso o nome do compositor. Analiso o samba, e o samba do Império é um dos melhores dos últimos 20 anos, se não é o melhor. Tenho certeza absoluta que os ‘laiá laiás’ ecoarão pela Sapucaí  e que uma obra de arte desta magnitude pode gerar uma reviravolta no gênero.

*****

Da nossa série de bizarrices em disputas de samba, vamos para Manaus. A tradicional Vitória Régia, inúmeras vezes campeã do carnaval de lá, abriu concurso para a escolha de seu samba. Vinte e poucas parcerias se inscreveram.

A escola pegou os sambas, cortou uns dez no CD, e anunciou uma chave dividindo o restante. Os sambas do primeiro dia foram apresentados, tudo ‘dentro dos conformes’. Aí, anunciam que no segundo dia, sambas que não constavam na relação dos vinte e pouco que se inscreveram no prazo, também concorreriam. Um desses sambas era de parceria do Rio de Janeiro.

Chegou o dia, as parcerias protestaram e impediram o samba de concorrer. Perfeito. Classificados os finalistas, ocorreu a final e um dos sambas foi declarado campeão.

E aí começa o drama.

A escola, depois de quase dois meses anunciando que o samba “sofreria modificações”, decidiu que o campeão seria basicamente "fundido" com o samba da parceria do Rio que sequer se inscreveu nas eliminatórias. E para completar o cenário, nem todos os compositores do samba do Rio tiveram o seu nome colocado dentre os compositores da obra oficial.

E o pior é que quando me manifestei na comunidade do carnaval de lá no Orkut, fui sumariamente expulso, numa tentativa esdrúxula de “abafar o caso”.

Lembro que a escola, que foi tantas vezes campeã, ficou em sexto lugar em 2011. Se para o Rio de Janeiro, um sexto lugar é uma posição honrosa, em Manaus, tendo em vista a diferença entre as tradicionais e as que sobem e descem todo ano é gigantesca, a colocação é bem ruim. Basta lembrar que a Aparecida sofreu um incêndio gigantesco no meio do desfile, com direito a carro de bombeiro entrando na avenida, e terminou em segundo lugar.

Abraços a todos.