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Coluna do João Marcos

MADUREIRA SOBE O PELÔ E INICIA A REVOLUÇÃO

16 de outubro de 2011, nº 46, ano VI

De onde ninguém poderia esperar, veio o início da revolução. Quando digo isto não é por achar que a gloriosa Portela e sua história não pudessem ser os iniciadores da revolução. Mas quem presenciou os últimos anos com as escolhas de samba ultrajantes e os desfiles vergonhosos não poderia acreditar que a diretoria da Portela tivesse peito de escolher o samba que escolheu. Talvez tenha sido a pressão da imprensa, as manifestações dos torcedores, as indicações que os jurados deram nos comentários ao desfile catastrófico de 2011. Não importa – Madureira sobe o Pelô feliz da vida e o resto é bobagem.

Se o samba é esta coca-cola toda? Até é, mas nos últimos anos vimos coisas ainda melhores. Dizer que este samba é o melhor do milênio é exagero. Só a parceria do Medrado fez uns dois ou três melhores. Além disso, alguns sambas diferentes e de ótima qualidade pintaram aqui e ali em vários lugares. Para falar a verdade, eu acho, p.ex., o samba do Império Serrano superior ao da Portela.

A grande diferença, ao meu ver, é que esta foi uma mudança desejada. O samba do Martinho, no enredo sobre Noel, em sua versão original, era superior ao samba da Portela deste ano. Muito superior. Só que não era o que a escola queria – a Vila de hoje não é a de Kizomba: é a Vila dos professores e dos alunos dos cursinhos do Rio. O samba de Martinho, que eu pensei que poderia iniciar a revolução, quase foi um tiro no pé do samba de verdade – foi alterado, mexido, sabotado, tiraram toda a sua essência, como se quisessem que não desse certo, como se quisessem mostrar que os escritórios estão certos, "(...) antigamente, como no samba de 94, podíamos fazer obras mais longas. Hoje, ter três refrões é impensável".

O samba do 'Mar de Fiéis' e alguns da Beija-Flor, em especial 2004 e 2005, também são superiores a este da Portela. Mas são sambas que apenas tiveram muito sucesso e qualidade em usar a estrutura e os recursos que quase todos os outros sambas usam. São melhores, tops de linha na fórmula atual, dos sambas em menor, densos, com letras rebuscadas. Mas não eram a revolução.

A Mangueira, de uma certa forma, tentou mudar as regras. Etiquetou seus sambas com códigos malucos, subverteu a lógica em algumas escolhas, surpreendeu como no samba de 2011, mas não foi o início da revolução. A forma estranha de escolha de samba da verde e rosa apenas demonstra que muitas vezes o que faz com que alguns sambas tenham repercussão é a assinatura de um compositor vitorioso. Nos fóruns de internet, o que mais se vê são garotos apontando como preferidos os sambas que acham que vão ganhar, e não aquele que toca a sua alma de sambista. E a Mangueira, ao confundir todo mundo - pelo menos no inicio, já que todos logo descobrem de quem são os sambas - apenas força o garoto a procurar o samba que o Andanças, o Ito ou o Tinga cantam e escutar, pelo menos, 10 segundos dos outros.

E aí veio este samba, que teve apoio maciço de todo mundo, em especial, de quem não é Portela, um samba que transcendeu os limites de Osvaldo Cruz e Madureira. Um samba que os compositores simplesmente fizeram do jeito que queriam. Um samba que venceu duas parcerias símbolos do que há de mais feroz nas disputas de samba. Um samba num enredo sobre Bahia, sobre Clara, com um carnavalesco que tem o estilo da Portela.

É evidente que seria improvável essa vitória na mesma Portela, na mesma disputa, se a parceria não tivesse a assinatura de compositores campeões dos últimos anos. Talvez se o samba fosse meu ou seu, não teria ido 'pra frente', ninguém tivesse escutado. E que bom que esses compositores tenham saído da zona de conforto.

Acho que a adesão a este samba demonstra como o sambista está cansado da fórmula das firmas. Novidade em samba não é meter contracanto ou outras besteiradas. Não é ter dois ou três refrões. É o clima, o sentimento que passa. O samba da Portela passa algo diferente de todos os demais.

É o tipo de samba que o futuro vem apontando, apesar dos escritórios tentarem sufocar. É um samba com forma mais livre, com um sentimento diferente, com as variações na melodia, ora cantada mais rápida, ora mais lentamente, com versos simples que grudam no ouvido, como em um dos refrões - “No mar...”, que é seguido pela velocidade de: “eu também sou almirante de Nossa Senhora Iemanjá”. Isto é o novo, como é o laiá laiá do samba do Império.

Que este samba faça os compositores buscarem novas soluções, usem os ôôôs, laiá laiás, tirem da cabeça as regras bestas de que o samba tem de ser curto ou longo, em tonalidade maior ou menor, que refrão tem de explodir, que o samba tem de ser pra cima, pra baixo... e, simplesmente, busquem a qualidade, o sentimento, aquilo que mexe com o coração do sambista.

Não é fácil – é muito mais difícil compor um samba como o da Portela do que um do estilo dos escritórios. Mas a revolução está aí. Agora é torcer para a exceção virar a regra geral.