Vamos imaginar o seguinte: É o Tchan
faz sucesso nacional com a música “Segura o Tchan”.
As platéias apaixonadas cantam “Segura o Tchan” com
toda a força; um canto bonito, uniforme, único. No ano
seguinte, o grupo lança “Segura o Tchun”, usando a
mesma fórmula, os mesmos caminhos melódicos, o mesmo
número de refrões. Outro sucesso.
As demais bandas começam a imitar o É o Tchan.
Mais sucesso. As gravadoras chegam à conclusão de que
aquela é a fórmula do sucesso. O É a Manivela
lança “Segura o Gum”, em homenagem ao zagueiro do
Fluminense, e estoura nas paradas. Novos grupos pipocam, todos seguindo
a mesma fórmula, algumas trazendo pequenas
inovações: o É o Zoológico
lança “Segura o ‘Tião’”,
utilizando as aspas pela primeira vez, denotando que aquela palavra
teria duplo sentido – seria uma homenagem a Tião
Macalé e ao Macaco Tião. Os críticos acham uma
sacada genial. O É a Psicanálise
lança “Segura o Freud”, com letra rebuscada sobre o
complexo de Édipo utilizando quase a mesma melodia e o mesmo
número de refrões. Os intelectuais dizem adorar e
não confessam que, na verdade, não entenderam nada.
Chega o momento em que as rádios só tocam músicas
que seguem aquele padrão, as gravadoras só produzem
artistas que utilizam aquela fórmula. O resto é ignorado.
Todos os cantores cantam como Cumpadi Washington; todos os grupos
têm duas dançarinas, uma loira e uma morena. Todas as
bandas têm seus fãs-clubes apaixonados e ninguém
conhece direito as músicas – jogam as mãos pra
cima, cantam o “Segura o...”, mas não sabem mais o
resto das letras. Para falar a verdade, já estão
até meio de saco-cheio daquilo tudo, mas continuam apoiando
porque amam a Carla Perez, o Jacaré, as Sheilas, e similares. Os
CDs vendem cada vez menos. Culpa-se a pirataria.
Surge um site chamado MPBRio mostrando que a música popular
brasileira é rica, lembrando como era boa a diversidade de
estilos, enaltecendo Elis Regina e Tom Jobim e, ao mesmo tempo,
apontando a qualidade de Odair José e Eduardo Dusek. O site
apresenta artistas negligenciados, como Vanessa da Mata, e exibe os
novos trabalhos de Maria Bethania. É o veículo da
resistência da qualidade diante do poder da mídia
chapa-branca, que só mostra as músicas de É o Tchan
e congêneres. Os fãs-clubes odeiam o site e tentam
denegrir sua credibilidade, mas, apesar de tudo, o trabalho vai
seguindo, sempre com a esperança no renascimento da
música brasileira.
A maior parte das pessoas não escuta mais MPB e não
dá a mínima para as rádios. Os fãs-clubes,
vendo o desinteresse pelas novas músicas, exigem que os
associados compareçam em reuniões pagas para que aprendam
tudinho ou serão cortados dos quadros. Pagam-se cervejas para
que se tenha gente nessas reuniões. O sucesso passa a ser
artificial, os shows do É o Tchan
se esvaziam antes do fim porque ninguém agüenta mais as
músicas. No entanto, poucos se apercebem dos caminhos errados
que a coisa foi tomando. É o Tchan
lança “Segura a Trozoba”, para aplausos de todos que
defendem a fórmula, que dizem que aquela é a
evolução e que quem não gosta está
ultrapassado.
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Achou tudo isto absurdo? Pois é, vivemos o absurdo e ninguém percebe.
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E começam a sair por aí os Júris dos sites com as
notas aos sambas-enredo 2011. Uma coisa deve ser explicada: o SAMBARIO
não faz júri – nós comentamos os
sambas-enredos de todos os anos, inclusive sambas que já
passaram pela avenida e já foram julgados. Fazemos
crítica musical. Não estamos querendo adivinhar nota de
jurado e nem quem terá o Estandarte de Ouro. A nossa
visão é a do colecionador, a do cara que tem samba-enredo
de todo lugar, de todos os grupos, sem preconceito, que está
pouco se importando em estar certo ou errado de acordo com o
júri oficial - até porque criticamos duramente o
júri oficial. Queremos apenas mostrar o que achamos bom e o que
não achamos.
Voltando aos júris, teve gente concordando com a gente –
Mangueira teria o melhor samba. Teve júri que apontou Salgueiro;
outro chegou a apontar o da Porto da Pedra. Quem tem a razão?
Todos e nenhum. Música é uma experiência
individual. Você vai reagir à determinada faixa de acordo
com o seu passado musical, sua bagagem cultural, seus valores, seus
sentimentos, etc. Para o jornalista, talvez o importante seja uma letra
mais rebuscada e intelectualizada; já o velho sambista pode
gostar mais do samba de um ex-parceiro ou um que tenha uma cara mais
nostálgica; o rapazinho da internet pode preferir o samba da
escola onde foi mais bem tratado quando freqüentou a quadra ou que
o compositor participa do fórum de internet que ele gosta. E
tudo isto é válido.
Cabe a cada um, na medida de seu interesse sobre o assunto, ler as
justificativas, as opiniões e filtrar tudo. O importante
não é quem ficou na frente de quem em tal enquete, mas o
que é dito e, na média, há coisas interessantes e
bizarrices em todas as análises.
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Com relação à reação aos
comentários, nós do SAMBARIO nos acostumamos a ser
apedrejados. Geralmente, o povo não gosta das notas que damos,
até porque não seguimos o padrão LIESA – as
nossas notas são de 0 a 10, o que acaba incomodando aqueles que
acham que a gente tem de dar 9,7 como notas mínimas. Algumas
reações são até engraçadas, como a
do rapaz que não entendeu a crítica às
“aspas” do verso de um determinado samba. Quando se critica
as “aspas”, não é pela presença do
sinal de pontuação na letra – até porque
ninguém canta as aspas. O problema é que, geralmente,
elas indicam aquela solução cansada de usar uma palavra
com diversos sentidos, sendo que o sentido não tem qualquer
ligação com o discurso que vinha sendo desenvolvendo na
letra, fazendo a coisa soar artificial e hermética para o grande
público.
Para vocês terem idéia de como as “aspas”
podem prejudicar o entendimento das letras, uma das que mais utilizaram
o recurso foi a da Porto da Pedra. O samba ficou tão
incompreensível que um amigo comentou: “Cara,
eu fui mostrar esse samba da Porto para a minha mãe. Ela ouviu,
achou bonitinho, mas comentou: Eu só não entendi o que a Clara Nunes tem a ver com o enredo”.
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Nós, do SAMBARIO, recebemos um e-mail que, para mim,
particularmente, foi muito especial. Confesso que sou fã de
carteirinha da parceria, autores de alguns dos melhores sambas-enredos
do carnaval brasileiro. Mostra que o nosso trabalho chega a quem tem de
chegar, aos verdadeiros craques do samba.
Reproduzo aqui e aproveito para divulgar o trabalho dos mesmos:
“Prezados jornalistas, esse
email está sendo enviado por Heraldo Faria, Flavinho Machado e
Edu Velocci. Nós dois, primeiros, somos antigos compositores de
samba de enredo e o Edu se juntou a nós em 1999. Depois dos
últimos anos de disputa, inclusive após ganharmos o samba
enredo da Viradouro de 2009, compusemos um samba de meio de ano, que se
chama "A Vírgula", que trata da composição do
samba, das disputas, dos recebimentos do prêmio e de outras
coisas. Esse samba, que estamos enviando agora e que se encontra no
youtube http://www.youtube.com/watch?v=rI55raBIAXY,
gostaríamos que fosse ouvido por vocês e divulgado no meio
dos compositores que ganham e perdem, ano após ano, com muita
briga e muita reclamação, mas que permanecem na disputa
apesar de todo o sofrimento. Agradecemos a atenção e
pedimos desculpas pelo atrevimento. Abraços do Heraldo, Flavinho
e do Edu, ressaltando que ficamos muito orgulhosos quando vocês,
apesar de toda polêmica, escolheram nosso samba "Vira Bahia, Pura
Energia" - Viradouro 2009, como o melhor samba do ano. Obrigado.”