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QUESITO ENERGIA 21 de novembro de 2009, nº 34, ano IV Como grande parte
da internet carnavalesca, tive acesso ao CD do Especial. Em
breve, teremos os comentários de cada samba. No artigo de hoje,
prefiro falar sobre a produção do CD que, supostamente, tenta
recriar o “clima de avenida” nas faixas. Os recursos
são parecidos com os do LP de 1985 – um coral mais forte, a
bateria sobressaindo e a aceleração do andamento. Mas o
resultado é parecido?
Não há dúvidas de que este tipo de produção é bom para determinados sambas. Mas, e para o CD como um todo? Eu coloquei aqui no aparelho de som e pedi para quem não acompanha carnaval emitir opinião. A companheira não se interessou muito: depois de pouco tempo, sua atenção estava dispersa. Foi a empregada quem deu o veredicto: “não dá para entender nada que eles estão cantando e tudo parece igual... tá muito chato”. E é aí que entra as minhas questões, e quero frisar que não estou falando da qualidade dos sambas, mas da produção: qual é o público deste CD e para quem ele foi feito? Qual o objetivo dos produtores ao tentar dar esse suposto clima de avenida aos sambas? Uma coisa que talvez não seja clara para 99% dos sambistas, apesar da intuição de alguns, é que samba-enredo, hoje em dia, não é letra e melodia. Fala-se de funcionalidade, mas esse termo é estúpido e não significa nada – um samba lento pode funcionar e um samba acelerado pode afundar. Funciona o samba que provoca um sentimento positivo em quem participa e em quem vê o desfile. O “Ita” funcionou porque uma corrente de energia tomou conta da Sapucaí. Outros sambas, usando a mesma fórmula, mesmo sambas taxados de “funcionais”, falharam miseravelmente. Não dá para saber de antemão se um samba vai funcionar. Agora, há formas de tentar fazer com que um determinado sentimento aflore quando um samba, independente de sua qualidade, seja apresentado. Quando uma parceria, p.ex., lota a quadra de torcedores, comprados ou não, e eles cantam o samba como se o mundo fosse acabar amanhã, o clima joga o samba para cima. A quadra ganha uma energia que impressiona, mesmo se o samba for uma porcaria. O samba “funciona” e a percepção de quem está presente acaba mudando. Não é a toa que muitos dos sambistas dizem que samba não se avalia em CD, mas na quadra e na avenida, o que eu discordo brutalmente. No CD, você pode avaliar letra e melodia, na quadra você tem uma amostra da energia que determinado samba pode provocar quando bem cantado por centenas, milhares de pessoas. Mas o samba ruim continua ruim e o samba bom continua bom. E o que querem os produtores? Que as faixas tenham energia. E nesse objetivo, eu diria que conseguiram. Bateria e coral altos deixam os sambas-enredos com energia e escondem algumas falhas. Na faixa da Portela, p.ex., mal dá para se prestar atenção na letra que o Gilsinho canta. Duvido que quem não conheça o samba da Porto da Pedra pesque o verso do “o homem dá no coro” ouvindo pela primeira vez. A sonoridade das faixas é tão intensa que você não tem como se ligar nos detalhes. Isto é um recurso muito utilizado no rock - o de deixar o som mais intenso para gerar energia. É só pegar uma banda como os Ramones: Como vocês podem ver, eles tocam uma música simples, três
acordes, sem muita frescura. Mas como a sonoridade é alta e o
ritmo é acelerado, a performance é cheia de energia. E eles
não descobriram a pólvora – nos anos 60, um produtor
musical chamado Phil Spector criou a técnica do “Wall of
Sound”, ou Parede de Som, que consistia em fazer com que
cada faixa tivesse um som denso, com várias camadas
instrumentais (mas gravadas em poucos canais, para que os
instrumentos se misturassem), toneladas de reverberação e
outros efeitos que garantiam muita intensidade sonora para as
músicas, fazendo com que elas transbordassem de energia.
Hoje, na indústria fonográfica estrangeira, uma das discussões técnicas mais acaloradas é a da saturação do som provocada pela “Loudness War” – os produtores descobriram que o som ganha em energia quando se apresenta mais denso e desenvolveram a técnica da “compressão dinâmica” na masterização – eles aumentam o volume do áudio e eliminam as freqüências mais altas. O som ganha em energia, mas fica distorcido e sem qualidade. Para entender a técnica na prática, este vídeo é fundamental: E aí, voltamos para a produção do CD da LIESA. Temos uma
sonoridade mais densa, com mais energia. Qual a conseqüência
disso? De cara, o ouvinte não vai prestar atenção na letra e
na melodia dos sambas, o que iguala samba ruim e samba bom. A
experiência sonora é psicologicamente mais estressante, mais
intensa. E essa intensidade se mantém A MESMA, o TEMPO TODO. Os
CDs do Ramones são intensos, mas duram em média 30 minutos e
cada faixa tem 2 minutos e pouco. O CD das escolas de samba tem
70 minutos, com faixas de mais de 7 minutos de duração.
Essa intensidade sonora não é bem aceita para o ouvinte médio. O Ramones teve seu público fiel, mas nunca fez um sucesso gigantesco e só tocava em rádio e na MTV em programas especializado em rock pesado. Os sambas-enredo seguirão o mesmo caminho – uma faixa com tamanha intensidade não combina com a programação das rádios de grande audiência. E para o ouvinte médio (e os jurados estão nesse bolo) fica tudo igual, chato e cansativo. E esse clima intenso também acontece na avenida. Por isso, o público médio dos desfiles não agüenta ver mais do que três ou quatro escolas – antigamente, com um som menos carregado, sambas mais focados na letra e na melodia, o pessoal agüentava desfile meio-dia com calor de 40º C; hoje, a violência da sonoridade é tão grande que a experiência se torna cansativa para que não é iniciado em samba. O LP de 1985 é uma delícia de se ouvir, mas teve problemas para a execução nas rádios. Tanto é que muitas rádios usavam gravações alternativas dos sambas. Aliás, parece que a Mangueira vai fazer o mesmo para conseguir romper a barreira que o samba-enredo criou para si, fazendo regravações do samba para as diversas rádios e, inclusive, elaborando um clip para a MTV. Enfim, não me agrada essa produção padronizada em clima de avenida. Acho que cada samba tem de ter uma atenção diferente, um arranjo específico. Do jeito que a coisa está sendo feita, e isso se transporta para avenida e reflete nas notas do jurado, tudo está sendo nivelado por baixo. Tudo vira japonês. E, sinceramente, a safra, com poucas e ótimas excessões, é muito ruim e o CD está chato pra caramba.
***** Apesar do meu Atlético Mineiro ter dado uma bobeada na reta
final do Brasileirão, nada foi mais bizarro do que a queda de
rendimento do Palmeiras, que entregou a rapadura de joelhos. Em
homenagem a isso, o meu querido amigo Luis Butti, corinthiano
doente, fez uma bela paródia que deve ficar registrada. Fiz
algumas alterações nas partes impróprias para os menores, para
manter o bom gosto da coluna. Segue a letra:
“Alo Porcada, Flávio Murtosa vai baixar na Avenida!” João Marcos |
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