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Coluna do João Marcos

PUNINDO QUEM DEVE PUNIR

Recebi a lista de jurados do carnaval do Grupo Especial do Rio de Janeiro. Muitas modificações. Partindo da suposição de que há lisura no julgamento, a renovação do júri é sempre interessante porque muda as regras do jogo. Seguir o modelo vitorioso no passado não é garantia de sucesso - e isto é muito bom.

O que me incomodou nisso tudo foi o método utilizado. As escolas indicaram os nomes que deveriam ser cortados. É hora da vingança – deu nota 9,5 para mim? Não quero saber se seu julgamento foi correto. Fora! No primeiro artigo aqui no SAMBARIO, analisei os jurados de samba-enredo. Os dois que eu classifiquei como “bonzinhos” ficaram. O melhor dos quatro jurados, o músico Ruy Mauriti, provavelmente foi cortado por uma das escolas que apresentaram sambas horrendos e, de forma justíssima, receberam notas baixas.

Então, meus amigos, preparem-se – este será o carnaval do 9,8, 9,9, e (muitos) 10,0! Quem quiser julgar separando o joio do trigo será punido. Tem de nivelar todo mundo, tentar agradar todas as escolas. O resultado fica imprevisível. Tudo pode acontecer, uma vez que a diferença entre as notas tende a cair com o medo dos jurados de perderem seus “postos”. E o resultado pode ficar na mão de um jurado doido, tipo o “Bafo de Bode”, que resolver sair detonando as escolas a seu bel prazer, sem qualquer critério técnico.

O pior de tudo, porém, é ver a coisa ser nivelada por baixo. Um samba ruim terá notas semelhantes a um samba de boa qualidade. A conseqüência é que, sem sofrer o ônus pelas escolhas mal feitas, as escolas continuarão fazendo das disputas o verdadeiro circo de horrores dos últimos anos, onde as nefastas “firmas” reinam e impedem a evolução do gênero, impondo suas fórmulas de “sucesso”. Ou, pior, onde panelas impõem vitórias com base em influência extra-samba – inclusive, do tráfico.

Ou seja, sendo a renovação do júri feita dessa forma, com relação ao quesito samba-enredo, perdeu-se uma grande oportunidade de sacudir os compositores e as escolas, exigindo que os mesmos busquem a qualidade. Esses jurados, com medo, vão dar nota alta para todo mundo. Portanto, é só manter o esquema, rapaziada, que a vitória nas eliminatórias de samba-enredo vai estar garantida.

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O SAMBARIO se dedica aos Sambas-Enredo das escolas do Rio de Janeiro. Porém, o amante de samba-enredo não pode deixar de acompanhar o que está acontecendo nos outros lugares do Brasil. Em razão disso, aproveitando que estamos próximos do carnaval, falaremos um pouco sobre os sambas enredos de outro(a)s estados/cidades. A idéia é aproveitar a visibilidade do site para traçar um pequeno panorama do gênero no Brasil todo.

Em mãos, tenho o CD de São Paulo de 2007. É um CD caótico porque a produção é totalmente descentralizada, sendo cada faixa produzida pela própria escola. Se por um lado isso atrapalha a unidade do produto, por outro o torna menos monótono. A qualidade da produção varia bruscamente de faixa para faixa. A maioria das escolas optou por encher suas gravações com fru-frus desnecessários. Uma tendência que vem se consolidando, e que me preocupa muito, é a dos intérpretes cantando os sambas como se fossem “pagode mauricinho”, o que acaba tirando a força das obras. Entretanto, é interessante notar que os compositores de São Paulo estão arriscando muito mais do que os do Rio - errando muito, mas também apontando caminhos interessantes para o gênero. Uma pena o samba da Gaviões da Fiel, rebaixada ano passado, não estar no CD - é o melhor do ano. Mais lamentável ainda é o encarte do CD, horroroso. NOTA: 5,0.

IMPÉRIO DA CASA VERDE – A atual bicampeã do carnaval paulista tem um samba com muita pegada e um belo refrão de cabeça. A letra, entretanto, é pobre e confusa, resumindo de forma bruta a sinopse. Não tem qualquer poesia. Os tópicos abordados no enredo, sobre os Impérios ao longo da história, são jogados sem muito critério. Os compositores, inclusive, utilizaram expressões como “dando um salto para tal lugar” para tentar conectar os assuntos. Vários versos soam esquisitos pela forma como o conteúdo da sinopse foi transformado em samba. O refrão do meio é longo e sem qualquer força. É inferior aos sambas que deram os dois títulos à escola. NOTA: 8,0.

VAI-VAI – O enredo de Chico Spinoza, sobre os três reinos naturais e o quarto reino – o do absurdo – gerou um samba burocrático, que causa indiferença em sua totalidade. Vaguinho, intérprete da escola, não consegue trazer qualquer sentimento. Passa em branco no CD. NOTA: 7,6.

MOCIDADE ALEGRE – O melhor samba do ano em São Paulo. O enredo sobre o riso, além de uma pequena homenagem pelos 40 anos da escola, traduziu-se num samba inspirado, com uma inocência encantadora que não combina muito com o estilo do intérprete Daniel Collete, acostumado com sambas de muita pegada, que caracteriza os sambas da Mocidade Alegre nos últimos anos. Mesmo assim, a faixa se destaca das demais. NOTA: 9,4.

VILA MARIA – Este samba vem sendo injustamente tachado de trash por causa do refrão de cabeça, em especial pelo verso “Advinha quem é? Vila Maria!”. Apesar de não ser grande coisa do ponto de vista técnico, o samba não é trash - é bem interessante e ousado. A letra tenta ser poética, mas em momentos soa forçada e vazia – dificilmente seria diferente já que o enredo é Cubatão. Pelo menos, não tenta vender pacote turístico, como geralmente ocorre nos enredos desta linha. A produção da faixa é um meio bizarra e precária. Interessante é que parte do samba é cantada por Baby, um dos poucos intérpretes de São Paulo que canta com personalidade, sem frescura, e a outra parte por Fernandinho. O samba acaba ficando esquizofrênico, parece uma colagem de gravações totalmente diferentes. Acredito que, por incrível que pareça, isso tenha dado uma energia estranha e viciante ao samba. Destaque para o refrão do meio, que é levíssimo, totalmente diferente do restante da obra.  NOTA: 8,6.

ROSAS DE OURO – Uma das produções mais cheia de fru-frus do CD, com teclados e efeitos sonoros de todas as espécies. O enredo sobre a “Mãe Terra” gerou um samba com algumas variações melódicas interessantes e, infelizmente, extremamente mal exploradas pelos compositores. A letra acaba travando o samba. É um samba que não é inferior ao de 2006, mas não pode ser comparado a “Mar de Rosas” e outros clássicos da escola, uma das maiores fábricas de grandes sambas de São Paulo. Este fica devendo. NOTA: 7,5.

X-9 PAULISTANA – Bom samba, com variações melódicas ousadas, apesar dos refrões burocráticos. A letra é bonita apesar de não passar bem o enredo. Lamento que o intérprete, muito limitado, não tenha valorizado partes do samba que mereciam uma interpretação com mais força e sentimento. NOTA: 8,5.

ÁGUIA DE OURO – Com Serginho do Porto no microfone, a escola vem com um samba ousado. Aliás, é uma das escolas mais ousadas de São Paulo. De cara, temos dois refrões, um ligado ao outro. A melodia tem variações arrojadas. A letra é simples, conta o enredo sem grandes pretensões. É quase o oposto do samba da Mocidade Independente de Padre Miguel, que tem enredo semelhante. NOTA: 8,2.

TUCURUVI – Esse samba é a prova de como o intercâmbio entre o carnaval de São Paulo e o do Rio é prejudicial para todo mundo em termos de samba. Parece que estou escutando o samba da Mocidade Independente. A chatice é a mesma. Até a voz do intérprete é a mesma, com aquele estilo de cantar meio de cantor de pagode, meio de Wander Pires. Comparado ao da Mocidade, este aqui flui melhor, mas não tem qualquer trecho que sobressaia. NOTA: 7,4.

TOM MAIOR – É um samba interessante, mesmo tendo de refletir um enredo árido e panfletário. Se for levado na cadência correta, é o que tem melhores condições de dar “caldo” no Anhembi. Tem variações melódicas muito bem pensadas e desenvolvidas e só peca quando incorpora traços de pagode mauricinho. Infelizmente, o intérprete é mais um imitador de Wander Pires. Mesmo assim, é uma das faixas mais agradáveis do CD. NOTA: 9,1.

PERUCHE – O grande problema do samba perucheano é que o tratamento dado ao enredo, sobre Maurício de Souza, é muito parecido com os da Cabuçu do final dos anos 80. A introdução do enredo, para vocês terem uma idéia, começa com a o momento da criação do universo, que é linkado ao poder de criação do artista até chegar ao homenageado. Essa confusão acaba refletindo na letra do samba, que não tem um discurso poético bem definido. O trecho inicial é burocrático – os compositores já estão tão habituados com esse tipo de viagem que o samba sai no piloto automático. A segunda parte, quando o foco é o criador da Turma da Mônica, é mais bem feita, sendo introduzido por um refrão bonito. NOTA: 7,8.

NENÊ DA VILA MATILDE – Talvez seja o samba que melhor sintetize as características do samba-enredo de São Paulo dentre os da safra de 2007. É um samba leve, alegre, com andamento acelerado e estrutura incomum. São cantados seguidamente os dois refrões principais - o que apresenta a escola e o da comemoração dos setenta anos da Rede Bandeirantes. Depois, o samba fala de João Jorge Saad quase que de uma tacada só, com um refrão curtíssimo no meio. Apesar de alguns erros de técnica – o mais claro é o erro de métrica na entrada do refrão de cabeça “São 70 anos de tradição... no ar” – o samba é um dos que mais me agrada justamente por ser ousado, mas não ter a influencia negativa do pagode mauricinho que prejudica muito os sambas-enredo de São Paulo. Destaque para o intérprete da escola, o excepcional Royce do Cavaco, um dos mais importantes da história do carnaval da terra da garoa. NOTA: 9,0.

MANCHA VERDE – A escola fez um desfile emocionante em 2006, quando cantou um enredo sobre os injustiçados. Interessante notar que a escola foi injustiçada também ao longo da preparação de seu carnaval,  quando teve de enfrentar uma série de problema para desfilar, desde um imbróglio judicial absurdo (que acabou excluindo-a da competição no Grupo Especial) até um incêndio que destruiu dois de seus carros, que já estavam estacionados nas proximidades do Anhembi. Os componentes cantaram com garra e desfilaram como poucas vezes se viu, embalados pelo belo samba da escola. Para 2007, a Mancha, ligada à torcida organizada do Palmeiras, tentou seguir a mesma linha de sambas do ano anterior. Ele tem a mesma atmosfera do de 2006. No entanto, talvez por culpa do enredo, não passa a mesma emoção. Nem mesmo o refrão do meio, clamando pela Virgem Maria, consegue qualquer efeito. O samba acaba sendo cansativo no CD, mas pode subir de produção na avenida por não ter grandes problemas técnicos. NOTA: 8,0.

IMPERADOR DO IPIRANGA – O samba é fraco e passaria em branco no CD se não fosse por um detalhe – o refrão de cabeça é IDÊNTICO ao do samba da Portela deste ano. Os autores não são os mesmos – pelo menos, oficialmente. Será coincidência? Não sei. Todo mundo é inocente até que se prove o contrário. Entretanto, fica um “gosto ruim na boca”, principalmente levando-se em conta a verdadeira farra das parceiras clandestinas e das firmas no carnaval. Tais firmas estão saindo do Rio e invadindo outros centros, na sua busca incessante por vitórias, esmagando o talento dos compositores locais. Enfim, seja qual for a razão dos refrões dos dois sambas serem iguais, o fato é que este refrão é a única coisa que presta no samba, que é sonolento, indigente e lamentável em todos os aspectos. NOTA: 5,9.

PÉROLA NEGRA – O enredo de Jorge Freitas, ex-carnavalesco da Portela e responsável por “Gosto que me enrosco”, sobre o comércio, deu origem a um samba que segue bem a fórmula utilizada pela maioria das escolas de São Paulo nos últimos anos – tom menor, um refrão de cabeça sem ligação com o enredo, duas partes separadas por um refrão longo e sem força, sendo a primeira com mais pegada e a segunda mais melódica. É uma pena porque se percebe, principalmente na primeira parte, variações melódicas interessantes. Na segunda parte, os versos “Quem quer comprar...eu vou vender / Só não vendo meu amor, jóia rara por você” poderia ter sido um refrão muito mais interessante dos que o que o samba efetivamente apresenta. As estruturas rígidas que as escolas impõem aos compositores acabam os levando o a não valorizar aspectos que tornariam os sambas muito mais interessantes. Mesmo assim, este é bem razoável e fecha relativamente bem o CD. NOTA: 8,3.

Abraços a todos!

João Marcos
joaomarcos876@yahoo.com.br