Coluna do João Marcos
COMO
CRIAR UMA VERDADE
Em 2001, o Galeria do Samba fez uma enquete - qual seria o pior
puxador do carnaval carioca? Cerca de 40% dos participantes
apontaram Gera; Paulinho Mocidade foi o segundo; Neguinho, o
terceiro; seguiram Jamelão, Wander Pires, Jackson Martins...
... e Quinho, em sétimo, com pouco menos de 04% dos votos da
enquete.
Quinho foi o intérprete de Festa Profana, Abrakadabra e Peguei
um Ita No Norte, três sambas marcheados, mas excepcionalmente
bem feitos. E a força de sua performance rendeu três grandes
desfiles, com muita comunicação com o público. É um intérprete
de sambas animadinhos, não é? Engraçado é que eu o vi
cantando o pesadíssimo samba "Um Herói, Uma Canção, Um
Enredo", sua estréia como intérprete principal, há 22
anos, na União da Ilha. Também vi "Aquarilha do
Brasil", muito alegre... porém, samba. No Salgueiro, ouvi,
em sua voz, o samba sobre a Rua do Ouvidor, na minha humilde
opinião, o melhor de 1991. Em 1992, outra grande obra:
"Soca no pilão
Preto velho mandingueiro
O negro que virou ouro
Lá nas terras do Salgueiro"
Samba de verdade, com qualidade, boa letra, boa melodia. O
rendimento na avenida foi excelente. O da Grande Rio do mesmo ano
da enquete, que cantava a vida do profeta Gentileza, pode não
ser excepcional, mas era samba. E na época, Quinho não era
considerado um puxador pavoroso por 96% dos internautas. Em 2005,
no Salgueiro, ele interpretou uma boa marchinha e garantiu quatro
notas dez para a escola.
Abro o site do O Dia na Folia e vejo uma reportagem intitulada
"Polêmica no Salgueiro", sobre uma comunidade na
internet detonando o intérprete. Nos fóruns, até campanha para
substitui-lo foi feita. Muitos clamam pela volta de Rico Medeiros
(que é excelente) ao Salgueiro. Se a enquete de pior puxador
fosse feita hoje, provavelmente Quinho seria eleito com a mesma
percentagem (ou até superior) a de Gera, em 2001.
O que mudou?
Quinho continua cantando como sempre. Não é um fora do comum,
mas tem uma história invejável no carnaval. Como mostrei,
rendeu bem com vários sambas de verdade. Por que não rendeu com
o samba do Salgueiro?
Eu sinto que muita gente quer ver o Salgueiro de antigamente. Eu
também quero. E este não é o Salgueiro de antigamente, mesmo
com o enredo afro. O samba é fraco, por mais que muita gente não
queira acreditar. No CD, a faixa destoa das outras. O samba não
marca. Por isso, o emocional entra em combate com a razão. Você
quer acreditar que o samba é bom, que este é o Salgueiro, que o
samba de seus colegas de internet é lindo... mas escuta algo que
não cai bem. É evidente que não funcionou, basta ouvir e
sentir o samba. Tem alguma coisa errada, mesmo que você não
saiba o que é. De quem é a culpa?
Para aqueles que querem acreditar que o samba é bom, a culpa é
do Quinho. Eu já previa isso nos meus comentários aqui no
SAMBARIO. É a resposta mais simples. São estes que estão
fazendo uma campanha na Internet pela saída do intérprete. Eu
fico imaginando este samba do Salgueiro na voz de Rico Medeiros.
Se afundasse na avenida, a culpa seria do Rico, que estaria
"velho", "sem condições físicas para cantar
durante 80 minutos", "ultrapassado", etc. Além
disso, outras desculpas já estão sendo disseminadas, com base
no ensaio técnico - a bateria está muito "para
frente", os diretores de harmonia não se preocuparam em
fazer a escola cantar, etc.
Aliás, o ensaio técnico do Salgueiro vem sendo apontado como o
melhor pelos meios de comunicação. Engraçado é que os tópicos
mostrando preocupação com o rendimento do samba apareceram aos
montes nos fóruns. O torcedor começou a temer. Porém, o
problema apontado nunca é o samba. Há uma enorme preocupação
em não criticá-lo, como se o seu fracasso significasse o fim do
sonho de um Salgueiro nem melhor, nem pior, apenas diferente.
Quando eu critiquei o samba do Salgueiro, recebi ataques violentíssimos
dos fóruns de internet. Eu já imaginava algumas pessoas falando
mal, como nos anos anteriores. Toda vez que você mexe com a paixão
das pessoas, a reação é forte. Nunca poderia imaginar que a
repercussão seria tamanha. Porém, o que eu achei interessante
foi o fato de praticamente nenhum comentário dos foristas ter
sido uma contra-argumentação. Foram ataques a mim, ao meu currículo
como sambista. O que ele fez? Ele fez algum samba? O que o
credencia a ser comentarista?
Para falar a verdade, fui membro da Ala de Compositores da
Renascer de Jacarepaguá, onde concorri uma vez - mais por insistência
de amigos do que por vontade própria - sem investir um centavo.
Confesso que o samba era horroroso, apesar de ter causado uma
certa reação quando foi apresentado. Os bastidores do samba não
me animam. Prefiro manter uma certa distância para conservar o
pouco de magia que o carnaval ainda me oferece.
Na era dos escritórios, basta ter dinheiro e patrocinar um samba
para você ser "compositor". Ou você pode fazer o
samba e não assinar, como fiz este ano, quando um samba meu
chegou numa final do concurso de uma escola do Grupo de Acesso.
Mas isso não é currículo e nem pretendo que seja. O que me fez
ser convidado a participar do SAMBARIO foram minhas opiniões e o
pequeno conhecimento que tenho sobre o assunto. Utilizando a
comparação com o futebol, que eu particularmente gosto muito,
é como o Juca Kfouri - na opinião de alguns, ele não poderia
ser comentarista já que nunca jogou futebol profissionalmente. Já
Pelé deve ser um gênio das opiniões, uma vez que foi o maior
jogador de todos os tempos.
Eu quero que as idéias sejam discutidas. Vamos analisar o
seguinte trecho da letra do samba do Salgueiro, p.ex:
"Novo mundo, novos tempos
O suor da escravidão
A bravura persistiu
Aportaram em nosso chão"
O que "aportaram" em nosso chão? O suor da escravidão
"aportaram"? Ou será que o verso está solto e este
"aportaram" não tem ligação com qualquer dos versos
do samba? Qual o sujeito do verbo? Você não sabe o que
"aportaram". Ninguém comentou isso até agora. A letra
é pessimamente construída, como todo o samba.
Porém, o culpado é o Quinho. Pelo menos na internet. Aliás, o
site O Dia na Folia teve uma análise bastante interessante do
fato - conseguiu ver "polêmica" pela manifestação de
alguns no orkut. Não foi à quadra, não conversou com ninguém
da comunidade. O que há de verdade nisso?
Eu tenho recebido algumas mensagens de apoio. Muita gente não
gosta do samba do Salgueiro e se revoltou com os ataques que eu
sofri. Muita mesmo. Entretanto, parece que há um certo receio -
não se pode falar mal do samba nos fóruns. Isso é lamentável
porque é apontando os erros que você pode ajudar a pessoa a
melhorar. E os compositores do Salgueiro têm muita qualidade. O
Dudu Botelho, p.ex., é autor de um lindíssimo samba que perdeu
na Mocidade Alegre, em 2005. Se o Salgueiro tivesse um samba como
aquele, como diria Rico Medeiros... Nossa Senhora!
Quinho não é um gênio. É um bom intérprete, com
personalidade própria. Não é um imitador de Wander Pires, nem
um cantor de ópera. Não é de salvar samba. O que é bom, fica
bom. O que é ruim, não fica. É simples assim. Um intérprete
como Jamelão, p.ex., poderia maquiar os pontos fracos do samba.
Porém, na minha opinião, é como varrer a sujeira para debaixo
do tapete - a aparência de limpeza pode até está presente na
sala, mas o lixo continua ali, apenas escondido.
Duvido que os compositores sejam tão auto-suficientes para não
conseguirem receber críticas severas quando estas são
fundamentadas, que sejam egocêntricos a tal ponto de quererem um
bando de gente bajulando e elogiando o samba apenas para promovê-los.
Acho que quiseram fazer um samba para alegrar os salgueirenses. Só
no desfile veremos se conseguiram. E se o samba não der certo,
paciência. O que acho triste é esta manipulação (que, é bom
frisar, parece não ter dedo de compositor) para culpar o Quinho
por um possível fracasso do samba. O samba tem falhas e
aponta-las não é crime.
Abraços a todos!
João
Marcos
joaomarcos876@yahoo.com.br
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