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DESCARTANDO O SAMBA Eu
acabei de comprar uma toca discos. Isto mesmo, um toca discos
Stanton T.90! Evidentemente, não é um toca discos qualquer,
até porque os toca discos hoje são feitos para equipes de som.
Comprar um toca discos é complicado. O CD chegou e acabou com o
vinil.
Só que a "bolacha" é melhor do que o CD. É o que eu acho. Científicamente, eu tenho razão - a faixa de freqüência de sons é superior. No LP, ficam registrados mais detalhes da gravação. O CD "corta" grande parte desta faixa de freqüência. A diferença do LP para o CD é quase a mesma do CD para o MP3 - gigantesca. A compressão imposta pelo formato diminui a qualidade do som da música. Já fizeram testes "às cegas" e a maioria das pessoas prefere o som do LP. É mais incorpado, quente. Porém, o CD é a cara do homem moderno. É prático, fácil de levar para tudo quanto é canto. O homem moderno não tem tempo para apreciar as coisas. Tudo é superficial, barato, descartável. Os tempos são outros. As relações são outras. E os sambas enredo estão de acordo com esses novos tempos. Para Eugênio Leal, é isso mesmo e está ótimo. Segundo sua coluna no site Tamborins, é bobagem lutar. É tudo descartável, porque o samba não deveria ser? Se o futebol de hoje não é o mesmo esporte dos anos 70, por que o samba deveria ser? Eu vi Barcelona versus América do México. O Barcelona jogou o mesmo esporte que se chamava futebol nos anos 70. Mais rápido? Sim. Porém, a beleza plástica, a essência, estava ali. Por que todo mundo fala que o Barcelona é o melhor time do mundo? Por que dá gosto de vê-lo jogar? Porque o que torna algo especial não muda. O futebol bem jogado pode ser mais lento ou mais veloz e continuará a ser isso - um prazer, um espetáculo. Vai ser especial, mesmo quando 99,9% do que o cercar for medíocre. A diferença do futebol atual para o futebol antigo é que apenas um time no mundo é bom mesmo, enquanto, no passado, vários bons times conviviam. Nos anos 60, p.ex., tinhamos o Santos de Pelé, o Botafogo de Garrincha e o Cruzeiro de Tostão. Eu não estou nem citando o Real Madrid de Di Stéfano e o Benfica de Eusébio - só no Brasil, tínhamos 3 times do nível deste Barcelona, para não dizer superiores. Em 1982, o Brasil perdeu a Copa e o futebol passou a ter como referência a retranca horrorosa da Itália. Para ser campeão, era necessário ser pragmático. Que se dane o espetáculo. Em 2006, perdemos a Copa, jogando de forma fria e sem arte. A indiferença do torcedor foi total. Ainda sofremos com 1982. Ainda sofremos com a derrota de 1950, que nenhum de nós viu, mas que é relembrada até hoje! A arte exige um envolvimento emocional. Sem ela, surge a indiferença. Para você entender porque os LPs são melhores que os CDs, você tem de compreender a música como arte, ter um equipamento bom, tem de cuidar dos 'bolachões' como filhos. O CD não exige isso, não exige esse envolvimento emocional. É só jogar o disquinho no porta-luvas do carro e colocar no aparelho quando você quiser. Se você se dedica ao vinil, a recompensa aparece. Você volta a apreciar a música. Ela deixa de ser algo que está no ambiente enquanto você está fazendo outras coisas. Você pega as capas e vê o trabalho de arte elaborado, tão artístico quanto a música que você está ouvindo. A experiência é outra. O envolvimento emocional é outro. Envolvimento emocional... O homem moderno desconhece isso. A conquista amorosa era uma arte. Hoje em dia, os relacionamentos são superficiais. Acabam como começam, sem deixar grandes traços na alma das pessoas. Ninguém quer se envolver, ninguém quer se doar. Ninguém quer chorar, sofrer, correr riscos. No carnaval de resultados da LIESA, nada de riscos. Os sambas têm de utilizar aquela fórmula que André Diniz explicou muito bem quando ganhou o samba na Vila este ano: "Antigamente, como no samba de 94, podíamos fazer obras mais longas. Hoje, ter três refrões é impensável. As vendas do CD caíram. Tínhamos que ter uma obra com equilíbrio, que juntasse leveza e explosão". Fórmula parecida com a que Eugênio Leal costuma utilizar nos seus sambas para a São Clemente. Ele é um compositor moderno. Nada contra, é uma opção que o deu algumas vitórias em disputas de samba. Ele mesmo disse - se tudo é descartável, porque o samba não pode ser? Mas será que o Obina é melhor que o Eto'o? Será que é melhor do que Zico? Deixemos isso para lá e sejamos pragmáticos. O romantismo acabou. O negócio é tirar notas dez. Se vencermos, mais dinheiro, mais patrocínio, maior exposição na mídia. Se perdermos... Para quê chorar? Os vices de "Tupinicópolis" ou "Ratos e Urubus" não valem a mesma coisa do que o de "Amazonas, o Eldorado é aqui"? Mas... por que eu não senti um arrepio quando a Grande Rio passou? Por que foi irrelevante para mim? Temos sambas bons hoje em dia? Sim. O samba da Portela para 2007 é muito bom. Mas como no futebol, a quantidade do que é bom diminuiu assustadoramente. Antigamente, existiam sambas ruins? Sim, inclusive alguns pavorosos e deprimentes. Mais uma coisa existia e hoje não existe mais - envolvimento emocional. Buscava-se a arte, não como conceito acadêmico, mas como algo que tocasse a vida das pessoas. Os sambas hoje são descartáveis - e isto foi dito por um compositor! Não foram feitos para serem imortais. Têm prazo de validade. Por fim, uma observação - um microsystem, que toca os CDs com aquele sonzinho sem graça, custa uns duzentos reais. Um toca discos antigo, como o excelente Gradiente RP II, custa, no mínimo, seiscentos reais. Sem as caixas amplificadoras... Enquanto você pensa nisso, eu ligo meu toca discos. Pego o LP de Sambas de Enredo de 1975. "Vou me embora, vou me embora, eu aqui volto mais não / Vou morar no infinito e virar constelação". Como é mesmo o samba de 2002 da São Clemente? ***** A minha opinião sobre o samba salgueirense não foi bem recebida nos fóruns de carnaval. Já esperava. Foi o mesmo que ocorreu em 2005, quando eu fui o primeiro a massacrar o samba da Mocidade. Foi assim em 2006, quando eu apontei a fraqueza do samba da Porto da Pedra, da Rocinha e da Caprichosos. Crítico não pode ser amigo de ninguém. Perde a imparcialidade. E eu vejo a manifestação dos enfurecidos leitores como uma defesa parcial. E que bom que eles tenham esse envolvimento emocional! Pena que isso tenha sido canalizado pelas vias erradas - pela amizade com o autor da obra, não pelo samba em si. Bom, o meu envolvimento emocional é outro. É com a qualidade. E eu sou exigente. Eu já escutei tanto samba enredo na minha vida que sei o que é bom e o que é ruim. 25 anos atrás, eu, ainda molequinho, ganhei o meu primeiro LP com os sambas do Rio. São 25 anos de paixão, alegrias, decepções e... envolvimento emocional. E isso me faz qualificado a opinar. A experiência me faz dar um palpite - eu acho que o samba não irá render. E os que defendem a obra hoje colocarão a culpa no Quinho e não na qualidade do samba. Como um comentarista de futebol, posso errar o palpite. O samba salgueirense pode acontecer na avenida. O Internacional de Porto Alegre pode ser campeão do mundo (escrevo antes da final do mundial). É improvável, mas pode. O sucesso ou fracasso na avenida depende de uma série de fatores, alguns deles inexplicáveis. Posso até estar enganado. Torço para isso. Talvez eu esteja me fixando muito em letra e melodia ou na parte técnica do samba e não tenha percebido algo a mais no hino salgueirense. Por isso, peço - me expliquem o que o samba do Salgueiro tem de bom... Abraços a todos! João
Marcos |
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