Coluna do João Marcos
DO
VIRTUAL AO REAL, UMA EPOPÉIA MUSICAL
Peço licença aos amigos, que
entram no site para ler e comentar os sambas-enredo das escolas
do Rio de Janeiro e mudar um pouco o foco da análise. É que
começou esta semana o quarto desfile do Carnaval Virtual,
realizado pela LIESV (www.liesv.kit.net), e que conta com a minha participação
como compositor, intérprete, enredista, etc, etc.
A LIESV é uma experiência interessante para quem gosta de
Carnaval. Ali, você pode colocar suas idéias sobre as escolas
de samba em prática. Todas as etapas da produção do desfile
ficam por conta de pessoas como você e eu. Podemos escolher o
samba em eliminatórias democraticamente abertas a todos,
elaborar o enredo que nos agradaria ver na passarela real...
Enfim, podemos nos transformar em um Laíla, em um Renato Lage,
etc.
É essa liberdade e democracia que deveriam fazer do projeto algo
diferente, libertador, mostrando caminhos para o carnaval real no
futuro. Entretanto, é muito interessante ver como inúmeros
erros são cometidos na hora do "vamos ver". Quase
nunca as escolas escolhem os melhores sambas. Os enredos quase
sempre são os mesmos temas que vemos ano após ano na avenida
real: história da cerveja, enredos geográficos, viagens
estapafurdias, sinopses misturando alhos com bugalhos, etc.
Pode parecer estranho fazer propaganda do evento e criticar as
escolas ao mesmo tempo, mas é interessante notar que, mesmo sem
envolver prêmios em dinheiros, mesmo sem estar presos a
patrocinadores, a mentalidade do sambista virtual se aproxima da
do sambista real.
E aí fica a pergunta - até que ponto as pessoas que dirigem as
escolas reais têm capacidade de reinventar o desfile das escolas
de samba, levando ao público coisas novas, mas resgatando o que
o passado tem de melhor, principalmente na questão dos sambas
enredo? Será que essas pessoas conseguiram fugir da fórmula do
"sucesso"? Grande parte das escolas da Liesv, mesmo
tendo essa liberdade, não consegue.
Eu pensei nisso quando discutindo com Marcelo Camões, compositor
vencedor na Cubango em 2006 e que tem uma escola virtual, a
Corações Unidos, fui informado que em 2005, ele escolheu fazer
uma fusão criticadíssima, mesmo tendo a grande safra de sambas
daquele ano, para garantir que sua escola tiraria nota 10 no
quesito. E conseguiu seu objetivo. Agora, eu me pergunto - mudou
alguma coisa? Nada. A opção artística e o gosto popular foram
desprezados em troca... de nada.
Não é isso que criticamos nas escolas reais? Então, por que,
tendo a chance de fazer diferente, repetimos os mesmos erros? E
isso na Liesv, que é um grande palco para experimentos!
Entretanto, a Liesv também possui gente que busca o diferente.
Temos enredos interessantíssimos, com o da União do Samba
Brasileiro, inspirado no filme Bye Bye Brasil; temos sambas com
melodias inusitadas e experimentais, como o da própria
Corações Unidos deste ano. A maioria dos compositores tenta
fugir do oba-oba, criando letras poéticas.
Enfim, a Liesv mostra que, no meio da mediocridade, também há
esperança. Alguns participantes das escolas virtuais têm
condições de fazer coisas muito bacanas no Carnaval Real. E,
com a visibilidade que o evento vem ganhando, tendo sido
inclusive citado no Jornal da Globo, essa transição do virtual
para o real pode ser facilitada cada vez mais. Você pode
participar disso e fazer a diferença.
*****
Falando em carnaval real,
começam a pintar os primeiros sambas concorrentes, todos da
Império da Tijuca, que vem com o enredo mais interessante do
ano, sobre São Jorge, fazendo a ponte com a religiosidade do
brasileiro.
Nenhum dos sambas me parece muito acima da média, apesar de
serem agradáveis. O melhor é o da parceria de Regina, Laert,
Adilson, Negão e Cesário, que lembra os sambas dos anos 80 pela
simplicidade, mas que tem um refrão do meio esquisito e uma
melodia sem imaginação na Segunda parte. O resto dos sambas,
causa um pouco de indiferença na audição. Esperemos por coisas
melhores.
João
Marcos
joaomarcos876@yahoo.com.br