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O
SAMBA-ENREDO CARIOCA NA ERA SAMBÓDROMO
Ao término do carnaval de 1983,
ganho pela Beija-Flor, voltava à tona o debate pela escolha de
um local definitivo para o acontecimento dos desfiles, ainda mais
com a informação de que a cidade do Rio de Janeiro ficava por
apenas quatro meses livre do processo de montagem e desmontagem
de arquibancadas. Os recém-empossados Leonel Brizola e Jamil
Haddad para os cargos de, respectivamente, governador e prefeito,
receberam a sugestão das escolas de que o desfile fosse dividido
em duas noites. Até 1983, os desfiles eram realizados numa
única noite e, em alguns casos, se estendiam até a hora do
almoço. O debate se estendeu até 11 de setembro de 1983, quando
Brizola anunciou o projeto do arquiteto Oscar Niemeyer, o mesmo
que construiu Brasília, na rua Marquês de Sapucaí (onde os
desfiles já ocorriam desde 1978). A obra levou apenas quatro
meses para ficar pronta e recebeu o nome oficial de Passarela do
Samba, embora a denominação “Sambódromo” - idéia do
vice-governador Darcy Ribeiro - é a que mais tenha se
popularizado. Darcy, que havia encomendado a obra a Niemeyer,
sendo bastante ativo durante a sua construção, seria
homenageado dias depois de sua morte: desde 18 de fevereiro de
1997, o Sambódromo chama-se Passarela do Samba Darcy Ribeiro. Tem bumbum de
fora pra chuchu O samba é considerado uma
autêntica marchinha. Não é à toa que esse tipo de samba que
naquela época já tomava conta dos desfiles como até hoje
ocorre recebe a alcunha de marcha-enredo. O hino da Caprichosos
em 1985 fez um estrondoso sucesso, o refrão “Tem bumbum de
fora pra chuchu” era contagiante, ainda mais na voz do
irreverente Carlinhos de Pilares, considerado o primeiro
intérprete “animador” do carnaval. A agremiação de
Pilares realizou um desfile com pinta de favorita, mas acabou
apenas em quinto lugar. O título ficou com a Mocidade, que levou
à Sapucaí pela primeira vez um enredo futurista, intitulado
“Ziriguidum 2001 – Um Carnaval nas Estrelas”. A
inovação não foi só no enredo: pela primeira vez, uma escola
de samba colocava uma musa para desfilar em frente à bateria.
Monique Evans, que comandou os herdeiros do lendário Mestre
André da Mocidade (falecido em 1981), foi a pioneira das rainhas
de bateria. Jamelão ainda desfalcou a Mangueira, chegando
atrasado à Marquês de Sapucaí para cantar o samba da
verde-e-rosa, já que havia acabado de voltar da Europa, onde
fazia shows.
O disco de 1985 possuía uma
temática diferente com relação aos atuais, pois no seu encarte
consta o seguinte comunicado: “Foram dispensados todos os
cuidados técnicos na gravação desse disco, no sentido de
aproximá-lo o mais fielmente possível do desfile das escolas na
Passarela do Samba”. Hoje em dia, se faz exatamente o
contrário, mas vamos chegar nessa parte. Os sambas no LP de 1985
possuem uma energia bastante emocionante, com um forte coral
acompanhando o intérprete (cuja voz mal aparece, tamanho o
destaque do coral), num estilo de gravação que deixou saudades,
tamanha a capacidade com que o samba mexe com a alma até de quem
não é aficionado pelo ritmo ao ouvirmos este LP. Será, ô
será O último verso rima exatamente
com o mais popular dos palavrões brasileiros, tanto que, no
desfile, a maioria dos presentes cantava “e vai pra
PQP”. A Portela chamava o patrão de “vacilão” em
seu hino, a Caprichosos aparecia com um refrão de gosto
duvidoso: “Não enfie o pau, em outra bandeira/mas tira,
tira, e bota a nossa brasileira”. Mas nada que supere os
escandalosos versos do samba da Unidos da Tijuca, que apresentou
em 86 o enredo “Cama, Mesa e Banho de Gato”. Há quem
diga que eles foram feitos, na verdade, para Bezerra da Silva (o
porta-voz dos morros, falecido em 17 de janeiro de 2005, 17/1
– 171): Uma só
mulher é pouco Fora os sambas de versos
espalhafatosos, 1986 apresentou obras de boa qualidade, como
“Eu Quero” (Império Serrano), “Tijuca, Cantos,
Recantos e Encantos” (Império da Tijuca) e
“Ganga-Zumba – Raiz da Liberdade” (Engenho da
Rainha, no Segundo Grupo), além dos dois sambas mais populares
do ano, cantados pelas duas primeiras colocadas daquele carnaval:
“O Mundo é uma Bola”, onde a Beija-Flor, em ano de
Copa do Mundo, obteve o vice-campeonato; e “Caymmi Mostra ao
Mundo o que a Bahia e a Mangueira Tem”, que ajudou a
Estação Primeira a conquistar mais um título muito em função
da força do refrão principal: Tem xinxim e
acarajé No ano seguinte, mais uma vez
foram lançados dois álbuns, pois Salgueiro, União da Ilha e
Caprichosos (que estreou Luma de Oliveira como rainha de bateria)
mantiveram o acordo com a tradicional Top Tape, que pela última
vez participaria da produção do álbum de sambas-enredo no
Primeiro Grupo (a gravadora, que iniciou seus trabalhos no
carnaval em 1973, faria seu derradeiro trabalho no LP do Acesso
de 1988). A Estácio aderiu à LIESA e gravou seu samba no LP da
RCA, assim como as demais grandes escolas. Num dos mais
equilibrados desfiles de todos os tempos, a Mangueira conquistou
o bi. Os principais sambas de 1987 foram o da Portela
(“Adelaide, a Pomba da Paz”), Estácio (a simpática
marcha-enredo “O Tititi do Sapoti”) e Vila Isabel
(“Raízes”).
Um outro samba que se destacou
no ano de 1987 foi o da Tradição, com o enredo “Sonhos de
Natal” em homenagem ao lendário Natal da Portela, o
comandante da escola nos anos 40, 50 e 60. O samba-enredo, que
ajudou a escola a chegar pela primeira vez ao Primeiro Grupo com
o vice-campeonato do Acesso, é de autoria da dupla João
Nogueira e Paulo César Pinheiro, que compôs para a novata
Tradição algumas das melhores obras-primas da era
pós-Sambódromo. Antes, Nogueira e Pinheiro já haviam feito
sambas antológicos para a escola, que ainda desfilava em grupos
menores. “Xingu, o Pássaro Guerreiro” (85) e “Rei
Sinhô, Rei Zumbi, Rei Nagô” (86) são dois dos melhores
sambas da história dos Grupos de Acesso. Com a promoção da
Tradição para o Grupo 1-A (Especial), a parceria (cuja
característica de seus sambas era a ausência de refrões)
continuaria ainda mais motivada.
Em 1988, todas as escolas do Grupo 1-A gravaram pela RCA, fazendo
com que, pela primeira vez, os sambas fossem lançados num álbum
duplo. Naquele ano, ocorreu aquele que é considerado o melhor
desfile da história da Marquês de Sapucaí. Com uma exibição
impecável, cuja garra dos componentes bastou para superar o
conjunto visual não tão brilhante, a Vila Isabel venceu com
sobras o carnaval com o enredo “Kizomba - Festa da
Raça”, idealizado por Martinho da Vila e que proporcionou
um dos melhores sambas de todos os tempos. Valeu, Zumbi João Nogueira e Paulo César
Pinheiro também encantaram com o esplendoroso “O Melhor da
Raça, o Melhor do Carnaval”, da Tradição (cantado no
disco pelo próprio Nogueira, em sua única participação em
LP’s de samba-enredo). A Portela fez o mais popular samba do
ano, com seu refrão “Briga é, eu quero briga”. A
Unidos da Tijuca se destacou com seu enredo crítico “Templo
do Absurdo” e versos sinceros e irreverentes como “Ai
quem me dera se eu fosse um marajá/ganhasse a vida sem precisar
trabalhar/mas acontece que é só a minoria/que desfruta a
mordomia/nessa tal democracia”. Naquela época, o slogan da
Rede Globo era “Pegue essa onda, essa onda pega”. A
São Clemente, escola também marcada pela irreverência, mandou
a Vênus às favas com o seguinte refrão:
Se essa onda pega, vai pegar noutro lugar
Quem avisa amigo é São Clemente vai passar Mas a grande obra-prima de 1988 e também de toda a era pós-Sambódromo foi cantada pela Mangueira. Vice-campeã com “100 Anos de Liberdade, Realidade ou Ilusão”, todo o Brasil foi agraciado com os seguintes versos entoados pelo inconfundível timbre de Jamelão: Será que já
raiou a liberdade O Grupo 1-A se agigantava cada
vez mais. Desde 1984, com os desfiles realizados em duas noites,
este número vinha se elevando. Eram 14 escolas no primeiro ano,
16 em 85, 15 em 86, 16 em 87 e 88. No ano de 1989, novamente o
número aumentaria, agora para 18 escolas. Uma boa safra de
sambas marcou 89 (safra que garantiu um milhão de cópias
vendidas do LP de samba-enredo, recorde que nunca mais deverá
ser batido), composta por obras como “Rio, Samba, Amor e
Tradição” (mais uma de Nogueira e Pinheiro para a
Tradição, que seria rebaixada), “Festa Profana”
(União da Ilha, e aquela que é considerada a melhor
marcha-enredo de todos os tempos), “Templo Negro em Tempo de
Consciência Negra” (Salgueiro) e “Direito é
Direito” (Vila Isabel). A Beija-Flor, com o tema “Ratos
e Urubus, Larguem Minha Fantasia”, marcou época não pelo
samba – que era mediano – mas pelo desfile que
apresentou. Entre outras atrações inusitadas, despontaram uma
ala de mendigos e uma alegoria de Jesus Cristo coberta por um
pano que trazia a mensagem “Mesmo proibido, olhai por
nós”, em função da proibição pela Igreja Católica da
exibição da imagem. Bem típico de Joãosinho Trinta...
A Imperatriz Leopoldinense, no ano anterior, havia obtido a
última colocação. Mas acabou favorecida pelo regulamento, que
não previa rebaixamento no ano de 1988. Isso motivou a escola,
que se apresentou com um enredo em homenagem ao centenário da
República: “Liberdade, Liberdade, Abre as Asas Sobre
Nós”. Há quem diga que apenas a força do samba, cantado
na avenida pelo experiente Dominguinhos do Estácio, tenha sido
suficiente para dar o título à Imperatriz. O refrão abaixo faz
parte do subconsciente até de quem não é aficionado por samba: Liberdade,
liberdade
1990, ao mesmo tempo em que se
debatia a proibição da chamada “genitália desnuda”
nos desfiles, marcou o lançamento dos sambas-enredo em CD pela
primeira vez. Na época, só os mais abonados possuíam aparelhos
de som que rodavam compact-disc. Por LP, que ainda dominava o
mercado, os sambas voltaram a ser lançados em um único álbum,
com 14 sambas (sete em cada lado) espremidos e de duração de
módicos três minutos cravados cada um. Em contrapartida, no CD
(raríssimo de se encontrar em sebos) os sambas despontam com
duração de quatro a cinco minutos. Numa safra menos inspirada
com relação aos anos anteriores, os sambas mais populares foram
os que se destacaram, como o da Beija-Flor (“Todo Mundo
Nasceu Nu” do refrão “Toca fogo no rabo de quem nada
faz”), da Santa Cruz (“Os Heróis da Resistência”
e seu “gip-gip, nheco-nheco”, famoso na voz de
Carlinhos de Pilares) e da Mocidade, que seria a campeã com o
famoso “Vira Virou, a Mocidade Chegou”. Antes da
conquista do título, um fato triste abalou os componentes da
agremiação de Padre Miguel: o legendário intérprete Ney
Vianna, na Mocidade desde 1974, morreu de enfarte em plena quadra
da escola, no dia da escolha do samba-enredo. O cantor e
compositor Paulinho Mocidade foi promovido a intérprete oficial
da escola, que homenageou Ney Vianna na gravação do samba
colocando seus gritos de guerra no decorrer da faixa do LP de 90.
Em matéria de técnica, os sambas-enredo da Vila Isabel
(“Se esta Terra, se esta Terra fosse Minha”, num
inédito enredo pregando a reforma agrária) e da Mangueira
(“Deu a Louca no Barroco”) também apareceram muito bem
em 1990.
A São Clemente, que já havia ridicularizado a Rede Globo dois anos antes, voltou a se destacar com o melhor samba do ano e um dos mais críticos de todos os tempos. E a nova vítima da escola da Zona Sul (cujo lema é “olha a crítica”) era o próprio carnaval e os novos rumos que a melhor festa do mundo havia tomado. As “super-escolas de samba S.A” denunciadas pelo Império Serrano em 1982 novamente eram execradas, com a São Clemente deixando claro que a mercantilização do carnaval era a síntese da elitização no mundo das escolas de samba. A extraordinária letra do samba explica tudo: Vejam só
O carnavalesco Renato Lage se
consagraria com seu estilo “high-tech”, de alegorias
luxuosas, modernas e repletas de luzes de néon. Ele levaria a
Mocidade ao bicampeonato em 1991 com o enredo “Chuê, Chuá,
as Águas vão Rolar”. No desfile, a escola niteroiense
Unidos do Viradouro, estreante no Grupo Especial (esta
nomenclatura também estreava no carnaval carioca), ganhou todas
as atenções com a aparição da homenageada Dercy Gonçalves de
seios de fora. Também foi o primeiro ano da Acadêmicos do
Grande Rio na elite do carnaval (que seria rebaixada). Os
melhores sambas de 91 foram cantados pelo Salgueiro (“Me
Masso se não Passo pela Rua do Ouvidor”), Portela
(“Tributo à Vaidade”), Estácio (“Brasil Brega e
Kitsch”) e Imperatriz (“O que que a Banana Tem”,
de onde surgiu o famoso alusivo “o meu sonho de ser feliz,
vem de lá sou Imperatriz”), além do samba da bicampeã
Mocidade. O mais popular daquele ano até hoje anima os bailes de
carnaval e é a trilha sonora ideal para quem gosta de farra: Hoje eu vou
tomar um porre Pra quem não sabe, o nome do
samba cantado pela União da Ilha em 91 é “De Bar em Bar,
Didi um Poeta”, homenagem ao compositor insulano Didi, um
dos maiores vencedores de sambas-enredo da história do carnaval
carioca. A gravação original do extraordinário Aroldo Melodia
para o samba é cômica, pois a voz de bêbado presente durante
toda a gravação deixa de lado o lirismo que marcava suas
interpretações para os sambas-enredo da União da Ilha nos anos
70 e 80. Um derrame sofrido depois do carnaval de 1996 provocou a
aposentadoria de Aroldo Melodia, que hoje vê orgulhoso seu filho
Ito lhe suceder no microfone principal da União da Ilha. A
gravadora RCA (que já era comandada pela BMG) corrigiu o erro do
ano anterior e voltou a lançar os sambas num LP duplo.
Em 92, a Estácio conseguiu seu
primeiro título no carnaval carioca com o enredo
“Paulicéia Desvairada – 70 Anos de Modernismo”. O
samba, bastante marcheado, tinha como refrão “me dê me
dá/me dá me dê/onde você for/eu vou com você”. Já era
uma época em que os refrões chamavam mais atenção do que as
demais partes do samba. Os sambas-enredo destaques daquele ano
foram os da Viradouro (“E a Magia da Sorte Chegou”, com
um incêndio em uma das alegorias tirando as chances da escola de
conquistar o título já no seu segundo ano de Grupo Especial),
Salgueiro (“O Negro que Virou Ouro nas Terras do
Salgueiro”), Unidos da Tijuca (“Guanabaran – O
Seio do Mar”), além do hit da Mocidade “Sonhar não
Custa Nada! Ou Quase Nada”. No Grupo de Acesso, a Grande Rio
levava o título com o belíssimo samba “Águas Claras para
um Rei Negro”, retornando para o Grupo Especial, de onde
não sairia mais. O LP do Especial voltou a ser comercializado
num único álbum e sem as faixas da Tradição e do Leão de
Nova Iguaçu, com os demais sambas de duração reduzida em
relação ao CD (que trouxe os dois sambas excluídos).
Joãosinho Trinta fez seu último carnaval na Beija-Flor depois
de 16 anos na escola de Nilópolis. Ele sofreria uma isquemia no
ano seguinte, da qual se recuperaria parcialmente.
1993 talvez seja o marco na história do samba-enredo contemporâneo. E o motivo é um só: o Salgueiro e seu “Peguei um Ita no Norte”. A princípio, os mais leigos podem não conhecer o samba pelo nome. Mas ao ouvir o refrão imortalizado na voz do irreverente intérprete Quinho, facilmente será identificado: Explode
coração, na maior felicidade Este samba-enredo inaugurou uma
fórmula que seria copiada exaustivamente pelas demais escolas
até hoje: a utilização de um refrão popular, no formato
alusivo, com expressões que nada tenham a ver com o enredo
contado, procurando apenas exaltar a escola e chamar o público
para cantar. Expressões como “vou sacudir a Sapucaí”,
“meu amor”, “vou invadir seu coração”,
“eu tô que tô”, “(nome da escola) chegou”,
“(nome da escola) vem aí” tornar-se-iam corriqueiras
nos refrões atuais. Tudo isso em função do estrondoso sucesso
que o “explode coração” do Salgueiro obteve, de
maneira à escola conquistar o título depois de 18 anos de
jejum. Outros sambas também se destacaram em 93, ainda que com
bem menos impacto, como “Gbala – Viagem ao Templo da
Criação” (Vila Isabel, último samba para a escola de
Martinho, na única vez em que se aventurou como intérprete na
avenida), “No Mundo da Lua” (Grande Rio), “A
Dança da Lua” (Estácio), “Amor Sublime Amor”
(Viradouro) e “Império Serrano, um Ato de Amor”
(Império Serrano, pelo Acesso). O mesmo fenômeno do disco de 92
se repetiu, com o único LP excluindo as faixas da Unidos da
Ponte e da Grande Rio (presentes no CD, que trouxe versões mais
longas das faixas com relação ao LP). E pela primeira vez, os
sambas-enredo foram gravados ao vivo no Teatro de Lona da Barra
da Tijuca, expediente que se realizaria até 1998.
Em maio de 1993, a Justiça
condenou 13 grandes bicheiros do Rio por formação de quadrilha.
Durante todo aquele ano foi debatido se as escolas conseguiriam
sobreviver sem a ajuda de seus patronos. Durante a polêmica, o
carnaval perdia um de seus maiores intérpretes, Abílio Martins,
em novembro. Ao mesmo tempo, a Sony lançava uma coletânea
composta por dez discos de dez das principais escolas do Rio, com
regravações dos dez melhores sambas de cada uma abrilhantadas
por arranjos extraordinários do produtor Rildo Hora. Os poderes
que possuíam fizeram com que os tempos de cárcere dos bicheiros
durassem pouco, o que acarretou a realização do desfile de
1994. O grande hit daquele ano foi cantado pela Mangueira: Me leva que
eu vou Apesar da popularidade do samba
e do enredo, que juntou na avenida e também na gravação os
“Doces Bárbaros” Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria
Bethânia e Gal Costa, a Estação Primeira não passou de um
11º lugar na apuração. Muitos sambas se destacaram em 94, ano
em que a Imperatriz foi campeã: “Passarinho Passarola,
Quero Ver Voar” (Tradição, famoso pelo refrão “Vou
voar de asa delta/o céu do meu Rio de Janeiro eu vou
voar”), “Abrakadabra, o Despertar dos Mágicos”
(União da Ilha), “Quando o Samba era Samba” (Portela),
“Os Santos que a África não Viu” (Grande Rio),
“Tereza de Benguela, uma Rainha Negra no Pantanal”
(Viradouro, onde Joãosinho Trinta estreava, sendo campeão em
97) e, por fim, aquele que é apontado por muitos como o melhor
samba da década de 90: “Muito Prazer! Isabel de Bragança
ou Drummond Rosa da Silva, mas Pode me Chamar de Vila”, uma
singela homenagem ao bairro da Vila Isabel e seus baluartes (como
Noel Rosa, Martinho José Ferreira “da Vila” e Paulo
Brazão) feita pela própria escola: Desperta, seu
China, acorda Noel Os 16 sambas do Grupo Especial
de 1994 foram lançados em dois LP’s, mas comercializados
separadamente ao invés do recurso do álbum duplo. Naquela
época, boa parte da população já tinha aparelhos de som com
CD, podendo usufruir com conforto o compact-disc que reunia todos
os 16 sambas.
Após o carnaval de 1994, foi criada a Liga Independente das Escolas de Samba do Grupo de Acesso (Liesga), uma dissidência da Associação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (AESCRJ), administradora das agremiações do Acesso. 19 escolas passaram a formar o Grupo A (Segundo Grupo) de 1995, que teve seu desfile realizado em duas noites. O inchaço da categoria apressou a ascensão da são-gonçalense Unidos do Porto da Pedra que, do Grupo de Avaliação (Quinto Grupo) de 1994, passou rapidamente para o Grupo Especial com o título do Grupo A-95. A Liesga duraria pouco e a AESCRJ voltaria a administrar os Grupos de Acesso em 1997, diminuindo o número de agremiações por grupo. O Especial em 1995 também inchou, aumentando para 18 escolas (só para constar: tivemos 16 agremiações no Primeiro Grupo em 90 e 91, 15 em 92, 14 em 93 e 16 em 94). Porém, tanto no LP (dois discos, vendidos separadamente) como no CD constam 16 sambas. Prejudicadas com a formação da Liesga, Villa Rica e São Clemente - as duas escolas vencedoras do Acesso-94 - não conseguiram incluir suas obras no disco do Especial nem no do Acesso. Assim, não há registro oficial fonográfico desses dois sambas que desfilaram no Grupo Especial, a não ser os presentes no site Sambario. Em 95, aparecem com destaque os sambas da bicampeã Imperatriz (“Mais Vale um Jegue que me Carregue, que um Camelo que me Derrube lá no Ceará”), da Mocidade (“Padre Miguel, Olhai por Nós”) e o melhor do ano: “Gosto que me Enrosco” da Portela. Além destes, mais dois sambas se popularizaram: os da Beija-Flor (“Bidu Sayão e o Canto de Cristal” e seu famoso refrão “nesse palco surge ela, Bidu Sayão/Sacudindo a passarela, quanta emoção”) e o da Estácio (o tema “Uma Vez Flamengo” em homenagem ao centenário do Mengão animou os rubro-negros). Roberto Ribeiro, que fez história ao cantar os sambas do Império Serrano nos desfiles, morreria atropelado em janeiro de 1996.
No ano seguinte, o Grupo Especial continuou com 18 escolas. Mas
ao contrário de 1995, todos os 18 sambas foram incluídos no
álbum do Grupo Especial. Mas eis uma história curiosa daqueles
tempos de transição do LP pro CD. Para as 18 faixas caberem num
CD de 80 minutos, condensaram-nas bastante, fazendo com que
durassem no máximo quatro minutos cravadinhos. O curioso é que,
no LP, a maioria das faixas tem uma duração bem maior. Uma
faixa poderia ter quatro minutos no CD e seis no vinil. E mais
uma vez os sambas foram lançados em dois LP’s e
comercializados separadamente. Os sambas que se destacaram em 96
foram “Na Era dos Felipes, o Brasil era Espanhol”
(Grande Rio, famoso pelo alusivo “Imponho sou Grande Rio,
amor/Dando um banho de cultura, eu vou”), “A Viagem da
Pintada Encantada” (União da Ilha), o extraordinário e
emocionante “Verás que um Filho Teu não Foge à Luta”
(Império Serrano, numa homenagem ao sociólogo Herbert de
Souza), “Imperatriz Leopoldinense Honrosamente Apresenta:
Leopoldina, a Imperatriz do Brasil” e “Criador e
Criatura”, cujo refrão cantado pelo excelente Wander Pires
ajudou a Mocidade a conquistar o título: A mão que
faz a bomba, faz o samba
1997 foi o último ano em que os
sambas-enredo do Rio foram lançados em LP. No carnaval marcado
pela paradinha funk da bateria da campeã Viradouro comandada por
Mestre Jorjão, apenas os sambas da Mocidade (“De Corpo e
Alma na Avenida”) e da Grande Rio (“Madeira-Mamoré, a
Volta dos que não Foram lá no Guaporé”) se destacaram. No
Grupo de Acesso-97, “A Coroa do Perdão na Terra de
Oyó” (Império da Tijuca) e “Todas as Marias de Nossa
Terra” (Unidos do Cabuçu) despontaram como sambas de
qualidade superior aos apresentados no Grupo Especial.
Após as 16 escolas de 97, o Primeiro Grupo passaria a ter 14
escolas de 1998 até 2006. 98 foi o ano em que Mangueira e
Beija-Flor dividiram o título, além de Luma de Oliveira causar
polêmica ao desfilar em frente à bateria da Tradição com uma
coleira no pescoço com o nome do marido estampado. A Beija,
então sem tanta tradição no quesito samba-enredo, passou a
investir, a partir deste ano, em obras de melodia pesada e triste
aliada à letra requintada de poesia. A tática usada pela escola
de Nilópolis se tornaria muito bem-sucedida, com a Beija-Flor
passando a brigar anualmente não só pelo título como também
pelo Estandarte de Ouro de melhor samba. O primeiro dessa série
foi baseado no tema “O Mundo Místico dos Caruanas nas
Águas do Patu-Anu”, melhor samba do ano. Outros bons sambas
de 98, ano em que o samba do Salgueiro não entrou no CD por
problemas contratuais: “Os Olhos da Noite” (Portela) e
“Fatumbi, a Ilha de Todos os Santos” (União da Ilha),
além dos populares “Chico Buarque da Mangueira”
(levado pela campeã Estação Primeira), “Prestes, o
Cavaleiro da Esperança” (Grande Rio, famoso pelo refrão
“Ah, eu tô maluco amor”) e “De Gama a Vasco, a
Epopéia da Tijuca” (Unidos da Tijuca, que celebrou o
centenário do Vasco com o refrão “Vamos vibrar meu povão
(eu vou, eu vou)/a rede vai balançar (vai balançar)/sou Vasco
da Gama meu bem/campeão de terra e mar”). Um dos últimos
sambas-enredo que fez parte das paradas de sucesso do povo, algo
que infelizmente não ocorre mais em função do interesse da
população por novos ritmos, é “Orfeu, o Negro no
Carnaval”, da Viradouro. Você vai cantarolar na hora os
versos entoados por Dominguinhos do Estácio: Hoje o amor
está no ar
O desinteresse das pessoas pelo
samba-enredo deve-se muito também à perda de qualidade das
obras apresentadas pelas escolas nos últimos anos. A rígida
cronometragem de 80 minutos para a realização do desfile aliada
ao grande aumento do número de componentes por escola, motivado
pelo interesse cada vez maior dos turistas, resultaram, a partir
da metade da década de 90, na aceleração do andamento do samba
na avenida, o que limita sua melodia e impede um melhor
arrojamento desta, além da poesia praticamente desaparecer nos
versos, dando lugar a uma sucessão de clichês. Também
contribuiu para a rejeição o surgimento, nos mesmos anos 90, de
conjuntos de pagodeiros mauricinhos, que criaram um estilo de
samba romântico bastante meloso (equivocadamente chamado de
pagode), repleto de coreografias, o que acabou por abalar a
reputação do dito samba verdadeiro, já que, lamentavelmente,
as pessoas acabam achando a mesma coisa o bom samba de raiz e
este “falso pagode”.
Com a mercantilização existente, a escola de samba hoje em dia
busca a solução mais proveitosa financeiramente, podendo assim
desprezar um desfile ou um samba-enredo de mais qualidade. Por
isso proliferam atualmente os enredos patrocinados, com as
instituições “homenageadas” injetando dinheiro para a
escola desenvolver seu carnaval. Além disso, as eliminatórias
dos sambas-enredo foram tomadas pelas chamadas
“firmas”, em que um compositor é responsável pelos
sambas campeões de várias escolas, mas assinando apenas um, já
que só é permitido ao autor assinar um samba-enredo por grupo.
A escola costuma preterir, nas eliminatórias, sambas
concorrentes de mais qualidade, pois, na mente das diretorias, a
parceria que tiver mais condições financeiras para bancar
gravações, intérpretes, torcida, ônibus para a torcida,
cerveja para a torcida e camisas para a torcida ganha o concurso
de samba-enredo, independente se a obra composta pelos abonados
compositores for boa ou não. Hoje em dia, para uma parceria
vencer um concurso de samba-enredo, é necessário gastar no
mínimo uns R$ 10 mil. Sobre os intérpretes, fidelidades eternas
como as de Jamelão pela Mangueira e Neguinho pela Beija-Flor
não existem mais. Os ditos puxadores de samba com freqüência
“vendem seus passes novamente”. Nomes consagrados como
Rixxa, Wander Pires e Bruno Ribas geralmente defendem uma escola
diferente a cada ano, “carregados por cartolas, do poder de
quem dá mais”. É a maldição das “super escolas de
samba S.A.”. Bem como a Império Serrano em 82 e a São
Clemente em 90 tinham avisado. Mas paciência! Afinal, o show tem
que continuar, pois muita gente ainda pode faturar...
A venda do CD com os
sambas-enredo de 1998 foi baixa, muito em função da ausência
da faixa do Salgueiro – que lançou um CD independente com o
seu samba (o fracasso também ocorreu nas vendas de CD’s
extras lançados depois do carnaval pela BMG como
“Sambas-Enredo 98 Ao Vivo da Sapucaí”, “Esquentas
na Sapucaí” e “Bateria das Escolas 98”). Por
isso, para o álbum de 1999, muitas mudanças foram realizadas.
Os sambas voltariam a ser gravados no estúdio, deixando assim de
serem registrados ao vivo no Teatro de Lona da Barra da Tijuca.
Além disso, dois “pagodeiros” no auge do sucesso foram
convidados para participar do CD a fim de melhorar as vendas:
Alexandre Pires, que cantou com Jamelão o samba da Mangueira; e
Belo, na época líder do Soweto, que dividiu os vocais do hino
da Beija-Flor com Neguinho. Os arranjos foram bruscamente
modificados com relação ao ano anterior. Os sambas ganharam uma
cadência bastante lenta, sendo entoados de forma bem arrastada,
com retoques líricos, repletos de teclados com som de violino
(que já apareciam desde o CD de 95). Os intérpretes basicamente
se limitaram a cantar o samba, com gritos de guerra, cacos e
alusivos sendo praticamente abolidos. A bateria passaria a ter um
som artificial, praticamente sintetizado, nos impossibilitando de
ouvir todos os instrumentos de bateria com perfeição como até
o CD de 98. Lembram-se da prioridade do disco de 1985 para que os
sambas no disco se aproximassem o máximo de suas execuções na
avenida? Pois os produtores a partir do CD de 1999 estavam
fazendo exatamente o contrário... Pedras
preciosas quero me enfeitar A Rede Bandeirantes transmitiu
em 99 todos os desfiles no Sambódromo, do Grupo A até o Sábado
das Campeãs. Infelizmente foi apenas neste ano, já que depois a
emissora investiria no carnaval de Salvador, forçada pela
aquisição da exclusividade dos desfiles do Rio pela Rede Globo
(que atualmente libera à Band apenas o desfile de sábado das
campeãs). Em agosto de 1999, o samba perdia Carlos Cachaça, um
dos fundadores da Mangueira. Ainda no mesmo ano, falecia também
o legendário intérprete Silvinho do Pandeiro, o melhor da
história da Portela.
A Rede Manchete, tradicional por sua cobertura do carnaval carioca, seria extinta em julho de 99. Desde 2000, a Rede Globo transmite os desfiles com exclusividade. A cobertura, porém, é anualmente criticada por sua superficialidade ao não valorizar o samba-enredo (em função dos locutores e comentaristas falarem demais); ao cometer o absurdo de não mostrar o emocionante esquenta das escolas (momento em que o samba-enredo começa a ser cantado pelo intérprete); ao procurar esconder a todo custo os eventuais problemas que uma agremiação apresenta no desfile (tornando todas as apresentações “perfeitas”, iguais, frias e sem “nenhum erro”); ao insistir em efeitos visuais dispensáveis; e, por fim, ao priorizar entrevistas supérfluas com famosos e anônimos, cuja pergunta é sempre a mesma: “Qual a emoção de desfilar na Marquês de Sapucaí?”. No ano 2000, foi realizado um carnaval temático. Todas as escolas do Grupo Especial falaram sobre temas relacionados com os 500 anos do Brasil. A safra de sambas foi muito fraca, onde apenas Mangueira (“Dom Oba II – Rei dos Esfarrapados, Príncipe do Povo”) e Vila Isabel (“Sou Índio, eu Também sou Imortal”) se destacaram. Curiosamente, a Vila seria rebaixada para o Grupo A. Pelo menos o CD de 2000 foi menos lírico e arrastado com relação ao de 1999, com a fórmula do ano anterior, bem como o teclado ao som de violino, sendo definitivamente abandonados. O CD do Grupo A de 2000 era comercializado no país inteiro, com a mesma qualidade de gravação do álbum do Especial. Em junho de 2000, morre João Nogueira. No primeiro carnaval do milênio, o de 2001, a Imperatriz conquistou o seu terceiro título consecutivo. A safra deste ano é considerada a melhor da década até agora, fortalecida por obras de melodia dolente como “A Saga de Agotime, Maria Mineira Naê (Beija-Flor, em mais um exemplo de samba com melodia pesada, mas belíssima), “A Seiva da Vida” (Mangueira), “Gentileza X, o Profeta Saído do Fogo” (Grande Rio, onde estreava Joãosinho Trinta, que colocou no desfile um homem voador), “O Rio Corre pro Mar” (Império Serrano), “Goiás, um Sonho de Amor no Coração do Brasil” (Caprichosos), “A União faz a Força, com Muita Energia” (União da Ilha, na sua ultima participação no Grupo Especial), “Um Mouro no Quilombo. Isto a História Registra” (Paraíso do Tuiuti, na sua única participação no Primeiro Grupo desde os anos 50) e “Orun Ayê” (Boi da Ilha, no Grupo A). Isso sem falar no popularíssimo samba da Tradição (cujas obras caíram muito de qualidade a partir da metade dos anos 90) “Hoje é Domingo, é Alegria, Vamos Sorrir e Cantar” em homenagem a Silvio Santos, que o SBT celebrizou em vinhetas que apareciam em todas as inserções comerciais da emissora nos dias que antecederam o carnaval de 2001. E depois de 19 anos sem ser produzido, voltava o CD com os sambas do Grupo B do Rio, que contou com faixas de algumas escolas do Terceiro Grupo, além de outras convidadas. E o CD do Grupo A de 2001 foi comercializado pela última vez para todo o Brasil. A partir do ano seguinte, as vendas seriam restritas apenas ao Rio.
Desde 2002, ano em que o CD apresentaria uma bateria pesada, apenas a campeã do Grupo A sobe para o
Especial, de onde apenas uma escola é rebaixada. O samba da
campeã Mangueira (que perderia Dona Zica, viúva de Cartola, no
ano seguinte) “Brazil com Z é pra Cabra da Peste, Brasil
com S é Nação do Nordeste” foi o melhor e mais cantado
daquele ano. Seu refrão: Vou invadir o
Nordeste, sou cabra da peste No ano seguinte, em que a
Beija-Flor seria campeã, mais uma vez a safra de sambas-enredo
ficou devendo. Do barulhento CD de 2003, em função do som do
coral altíssimo na gravação, destaque apenas para “Os Dez
Mandamentos, o Samba da Paz Canta a Saga da Liberdade”
(Mangueira) e “A Viradouro Canta e Conta Bibi – Uma
Homenagem ao Teatro Brasileiro”. Apesar da péssima
interpretação de Nêgo na avenida, o samba da Unidos da Tijuca
de 2003 é considerado por muitos o melhor da década até agora.
Eis alguns versos de “Agudás: os que Levaram a África no
Coração e Trouxeram para o Coração da África, o
Brasil”: Obatalá Para comemorar os vinte anos do
Sambódromo em 2004, a LIESA apresentou uma novidade no seu
regulamento: a permissão às escolas para reeditarem enredos
antigos, com a utilização do samba original. Quatro escolas do
Grupo Especial aproveitaram a novidade: o Império Serrano
apresentaria seu enredo de 1964 “Aquarela Brasileira”;
a Portela desfilaria com “Lendas e Mistérios da
Amazônia”, que lhe deu o título em 1970; a Viradouro viria
com o enredo original da Estácio (na época, Unidos de São
Carlos) de 1975 “A Festa do Círio de Nazaré”; e a
Tradição relembraria “Contos de Areia”, tema
portelense de 1984. O CD de 2004 foi gravado com arranjos
diferentes dos anos anteriores, tão cadenciados que quase
lembram o disco de 99. O diferencial era a ausência da bateria
na primeira passada, medida que procurou valorizar o canto e o
entendimento do samba-enredo.
No desfile, a Unidos da Tijuca
foi a grande surpresa com a inovação do então desconhecido
carnavalesco Paulo Barros. Uma alegoria que representava a
molécula do DNA executava coreografias sincronizadas, deixando
os espectadores boquiabertos com tamanha beleza visual. A escola
acabou conquistando o vice-campeonato e lançou a moda das
alegorias coreografadas, condenadas por quem é contra a
“teatralização” dos desfiles. A Beija-Flor levou o bi
com o lindo samba “Manõa, Manaus, Amazônia, Terra Santa:
Alimenta o Corpo, Equilibra a Alma e Transmite a Paz”,
disparado o melhor dos sambas-enredo inéditos de 2004. Mas o
Império Serrano foi o protagonista de um dos momentos mais
inesquecíveis da história do Sambódromo: a linda execução na
avenida do samba “Aquarela Brasileira”, de Silas de
Oliveira, que emocionou o Brasil inteiro. O intérprete Nêgo
(irmão mais novo de Neguinho da Beija-Flor), que havia tido um
infeliz desempenho no ano anterior, recuperou-se com uma
atuação impecável na condução do samba. Em agosto de 2004, o
intérprete da Caprichosos, Jackson Martins, é brutalmente
assassinado na Ponte Rio-Niterói. Imperiano de fé não cansa
Confia na lança do Santo Guerreiro E faz a festa porque Deus é brasileiro
Para o carnaval de 2006, o presidente da LIESA, Ailton Guimarães
Jorge, toma uma polêmica decisão: de que o número
de escolas
no Grupo Especial seria diminuído de 14 para 12 a partir de
2008. Para isso, no regulamento de 2006 e 2007, duas escolas
desceriam para o Grupo A, com apenas uma subindo. Assim, 2007
teria 13 escolas no grupo. Segundo Capitão Guimarães, a
medida
tornará o carnaval “menos cansativo”. O CD daquela
temporada inaugurava uma sequência de registros nada inspirados
que duraria até 2009, com arranjos mornos e som artificial da
bateria, como se fosse algo sintetizado. A Vila Isabel
surpreendeu, “bailou la bamba” conforme a letra de seu
samba-enredo, e conquistou seu segundo título na história
com
um enredo em homenagem à latinidade. Detalhe que a Vila, dois
anos antes, ainda se encontrava no Grupo de Acesso. Quatro sambas
se destacaram: “O Império do Divino” (Império
Serrano), “Brasil, Marca Tua Cara e Mostra para o
Mundo” (Portela), “Poços de Caldas Derrama Sobre a
Terra Suas Águas Milagrosas: Do Caos Inicial à
Explosão da
Vida - Água, a Nave-Mãe da Existência”
(Beija-Flor) e
“Gueledés, o Retrato das Almas” (Arranco, no Grupo
A). Sou quilombola Beija-Flor Com o fim do casamento da LIESA com a Sony/BMG, o CD do Grupo Especial de 2007 é lançado pela gravadora Universal. No ano em que Beth Carvalho foi barrada de um carro alegórico da Mangueira e a bateria da Viradouro desfilou em cima de uma alegoria, a Beija-Flor cantou o melhor samba do ano ("Áfricas, do Berço Real á Corte Brasiliana") e recuperou o título perdido em 2006. Outros quatro bons sambas e uma reedição passaram pelo Grupo Especial: “Candaces” (Salgueiro, que voltou a desenvolver um enredo afro, largando a mania de sambas oba-oba existente desde 1993), “Preto e Branco à Cores” (Porto da Pedra), “Os Deuses do Olimpo na Terra do Carnaval: uma Festa dos Esportes, da Saúde e da Beleza” (Portela, homenageando o Pan do Rio de 2007) e “Minha Pátria é minha Língua, Mangueira, meu Grande Amor. O Samba vai ao Lácio e Colhe a Última Flor” (Mangueira, gravado no CD e puxado na Sapucaí por Luizito, substituto de Jamelão - que sofreu duas AVC’s às vésperas do registro fonográfico da obra). A Estácio reeditou seu samba de 1987 “O Tititi do Sapoti”, o que não foi suficiente para conseguir permanecer no Grupo Especial. No Grupo A, a Tradição tentou apelar mais uma vez para uma reedição, agora de um enredo próprio: “Passarinho, Passarola, Quero Ver Voar”, de 1994, mas caiu para o Grupo B, onde a Tuiuti desfilou com “Vamos Falar de Amor”, seu enredo de 1983; e a Lins Imperial foi campeã com “Chico Mendes – O Arauto da Natureza”, tema de 1991 da escola. E no Grupo C, o Engenho da Rainha desfilou com “Ganga-Zumba, Raiz da Liberdade”, seu enredo em 1986. Como no ano passado, foi comercializado apenas no Rio um CD duplo reunindo os sambas dos Grupos A e B de 2007, além do produtor Chico Frota ter novamente lançado o álbum com os sambas do Grupo C deste ano, além da inclusão no CD dos sambas do Canários das Laranjeiras e da Unidos de Cosmos, agremiações do Grupo D convidadas. Jamelão fez seu último desfile em 2006, morrendo dois anos depois A Beija-Flor de Nilópolis conquistou o bi em 2008 repetindo a fórmula no samba, com muitos trechos melodicamente semelhantes ao do ano anterior. A boa obra cantou o enredo "Macapaba: Equinócio Solar, Viagens Fantásticas ao Meio do Mundo". Aquele período refletia a pouca inspiração dos sambas-enredo, pois o excesso dos enredos patrocinados, como o da cidade amazonense de Coari para a Grande Rio, dificultava a tarefa dos compositores. "João e Marias" da Imperatriz Leopoldinense foi o melhor do Grupo Especial naquela temporada. O da Mocidade ("O Quinto Império: De Portugal ao Brasil, uma Utopia na História") foi outro destaque. O polêmico desfile da Viradouro, "É de Arrepiar", foi o que mais repercutiu. Paulo Barros tentou impactar com um abre-alas incomum representando uma pista de esqui ornamentada com gelo de verdade e esquiadores profissionais, além de uma alegoria sobre o Holocausto que acabou vetada. Terminou fora das campeãs. O episódio envolvendo o corte precoce e mal-explicado do belíssimo samba concorrente de Gusttavo Clarão, Gilberto Gomes, Nando e Dominguinhos do Estácio iniciou uma crise, que culminaria na saída deste último da escola, e ainda implodiria mais a vermelho-e-branco de Niterói. A obra derrotada inspiraria o samba-exaltação da Viradouro. No Grupo de Acesso A, a União da Ilha repetiu o clássico "É Hoje", de 1982. Dos inéditos, a Cubango cantou o melhor samba da chave: "Mercedes Baptista de passo a passo, um passo". Na Intendente, outra obra reeditada foi "A Visita do Jacarezinho ao Reino Encantado de Maria Clara Machado" (Jacarezinho 1992). Na metade de 2008, duas perdas entristeceram o mundo do samba. José Bispo Clementino dos Santos, o Jamelão, partiu em 14 de junho. Antes do enterro, seu caixão percorre toda a Marquês de Sapucaí, simbolizando o último desfile na passarela que tanto o consagrou. No mês seguinte, em 2 de julho, morre Aroldo Melodia, legendária voz da União da Ilha do Governador. No dia 15 de julho de 2008, é fundada a Liga das Escolas de Samba do Grupo de Acesso (LESGA), que passa a administrar os grupos de acesso do carnaval carioca no lugar da AESCRJ. É finalizado o expediente do CD duplo dos Grupos A e B, produzido por Leonardo Bessa em 2006, 2007 e 2008. Ivo Meirelles se torna o encarregado do CD do Grupo de Acesso e faz um trabalho que divide opiniões. Ainda que valorize bastante as baterias, intérpretes de queixam da supressão dos gritos de guerra, além das reclamações com os corais desafinados dos ritmistas ao invés da utilização de um coro profissional. No disco, se destaca a reedição de "O Mundo de Barro de Mestre Vitalino" (1977), cantado pela Império da Tijuca, além da homenagem a Leonel Brizola da Inocentes de Belford Roxo na voz de Dominguinhos do Estácio ("Do Rio Grande do Sul ao Rio de Janeiro, a Inocentes canta Brizola, a voz do povo brasileiro") e do hino da Renascer de Jacarepaguá, "Como vai, vai bem? Vai a pé ou veio de Trem?". Campeã do Grupo A, a União da Ilha volta à elite do Carnaval, onde estava fora desde 2001. A safra do Grupo Especial de 2009 sintetiza a decadência do gênero. Uma sucessão de escolhas equivocadas, aliada a uma produção morníssima do CD, faz daquele ano o mais esquecível do Carnaval Carioca musicalmente. Apenas a reedição imperiana do clássico samba de 1976 "Lendas das Sereias, Rainha do Mar" merece alguma posteridade naquela temporada, marcada também pela superação de Neguinho da Beija-Flor, em plena recuperação de um câncer, numa atuação memorável minutos depois de se casar em plena Sapucaí. O Salgueiro foi campeão com "Tambor", acabando com um jejum de 16 anos sem o título, mas o samba-enredo não era dos melhores. Até hoje, os aficionados não se esquecem do concorrente de Edgar Filho, Luiz Antonio Simas, Beto Mussa, Gari Sorriso e Bené do Salgueiro, aclamado pelos internautas e que chegou na final muito por força dos fóruns de Carnaval, já que as redes sociais ainda eram incipientes. Mas o "Menina, quem foi teu Mestre?" não levou nenhum voto dos segmentos na decisão na quadra da Academia. No Grupo B, o CD teve uma produção elogiada, com destaque para o belo arranjo na primeira passada sem bateria. A Cubango reeditou "Afoxé", cantado em 1979 no Carnaval de Niterói, e foi uma das campeãs da chave (junto com a Unidos de Padre Miguel). TOP 20
– SAMBAS-ENREDO 1º 100 Anos de Liberdade,
Realidade ou Ilusão (Mangueira – 1988) FONTE BIBLIOGRÁFICA: |
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