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Coluna do Marcelo Guireli

CARNAVAL 84 - A INAUGURAÇÃO DA PASSARELA DO SAMBA

26 de maio de 2009, nº 14, ano V


Da arquibancada quase pronta, Leonel Brizola e Darcy Ribeiro observam as obras na Marquês de Sapucaí

Em meados de 1983, ninguém sabia como seria a organização do desfile do próximo carnaval. Com um número cada vez maior de agremiações no grupo principal, Alcione Barreto, presidente da Associação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, e um grupo de dirigentes sugeriram à prefeitura que o desfile fosse realizado em dois dias, mas não obtiveram resposta imediata. Também não se sabia onde seriam realizados os desfiles, já que alguns queriam transferi-lo para a Avenida Presidente Vargas ou até mesmo para o estádio do Maracanã. Mas, no dia 11 de setembro, o carnaval de 1984 começou a ganhar forma: o governador Leonel Brizola convocou a imprensa ao palácio Guanabara e apresentou um projeto para a construção de um espaço definitivo para as apresentações das escolas de samba. Tal projeto, encomendado pelo vice-governador Darcy Ribeiro ao arquiteto Oscar Niemeyer, confirmou a Rua Marquês de Sapucaí, que desde 1978 era o palco dos desfiles, como o local escolhido para a realização das obras.

Poucas pessoas, no entanto, acreditaram que o projeto fosse concluído em pouco mais de cinco meses. Porém, as vésperas do carnaval, a Passarela do Samba (batizada popularmente de Sambódromo) ficou pronta, e trazendo uma novidade para as escolas, que teriam que ocupar de maneira criativa um enorme espaço criado por Niemeyer no final da pista: a Praça da Apoteose. Aumentando a polêmica, Darcy Ribeiro anunciou que a decoração da Passarela estava suspensa, com o argumento de que enfeitar a arquitetura de Niemeyer seria o mesmo que colocar gravata no Cristo Redentor.

Com a decisão, em dezembro de 1983, pelos dois dias de desfile, a Riotur confirmou que haveria duas comissões julgadoras distintas: uma para avaliar as sete escolas de domingo e outra para as sete de segunda-feira. Uma terceira comissão foi designada para o sábado posterior ao carnaval, quando as três escolas mais bem colocadas em cada dia, mais as duas campeãs do Grupo 1B, disputariam o título máximo do carnaval.

À Rede Manchete caberia a felicidade de exibir com exclusividade o desfile, pois a TV Globo se mostrou desinteressada em desistir de sua programação normal em favor da transmissão do carnaval, alegando que não tinha condições técnicas para operar na Passarela do Samba durante dois dias. Havia também o fator político, pois a visibilidade do governador do Estado não interessava ao dono da emissora. No entanto, com os patrocínios anunciados pela Manchete, a Globo tentou reverter a situação às vésperas do carnaval, mas a emissora de Adolpho Bloch bateu o pé, justificando que havia um contrato de exclusividade, e que seus anunciantes já haviam pago por ele.

Montando uma equipe de comentaristas de primeiro nível e muito bem preparada tecnicamente, a TV Manchete se fez presente também no desfile de sexta-feira, dia 2 de março de 1984, quando a Passarela foi oficialmente inaugurada com a apresentação das escolas do Grupo 1B. Além de uma cabine central, comandada por Fernando Pamplona, Sérgio Cabral, Haroldo Costa, Albino Pinheiro, Juvenal Portela, José Carlos Rêgo e Maria Augusta, a emissora montou uma estrutura na Apoteose, onde quatro comentaristas (Adelzon Alves, Renato Sérgio, Aílton Escobar e Geraldo Carneiro) davam suas impressões sobre a ocupação das escolas naquele novo espaço, já que ali havia sessenta pontos em julgamento. O sucesso da transmissão seria tão grande que a vitória sobre a Globo no Ibope chegaria a ter picos de 61% a 2% no Grande Rio.


Teste de iluminação no dia 27 de fevereiro

DESFILE DE DOMINGO


Passistas da Unidos da Tijuca brincam o carnaval na enorme Praça da Apoteose

UNIDOS DA TIJUCA – Abrindo o desfile das grandes escolas, a agremiação do morro do Borel entrou na Passarela enfrentando um sério problema: os integrantes de sua comissão de frente não conseguiram chegar na concentração na hora prevista e somente minutos antes de ser dada a ordem para o início do desfile é que a diretoria decidiu chamar um grupo de mulatas para defender o quesito. Menos bem preparada do que nos anos anteriores, a Unidos da Tijuca apresentou o enredo “Salamaleikum, a Epopéia dos Insubmissos Malês”, contando a saga da etnia de escravos politizados que desembarcaram no Brasil entre os séculos XVII e XIX. Com pouco mais de 2.000 componentes, a escola abriu seu carnaval apostando no seu símbolo (o pavão), que, infelizmente, desfilou sobre um quadripé de acabamento muito precário. Ao longo do desfile, o azul e o amarelo – misturados ao branco, prata e dourado – predominaram nos figurinos e adereços, mas, em termos plásticos, a Unidos da Tijuca deixou a desejar, tendo nas fantasias de alguns destaques seus melhores momentos. O samba, defendido por Sobrinho, e a bateria foram os pontos positivos. No final, a escola conseguiu agradar com sua ocupação na Praça da Apoteose, afinal era a primeira grande escola a chegar naquele novo espaço.


Alegoria do Império da Tijuca

IMPÉRIO DA TIJUCA – Protestando contra a lei que fechou os cassinos no Brasil, o Império da Tijuca apresentou o enredo “9.215”, desenvolvido pelo carnavalesco José Félix. Com cerca de 1.500 componentes, a escola evoluiu razoavelmente bem, apesar do samba muito fraco, defendido pelo competente puxador Almir Saint-Clair. O carro abre-alas era formado por uma escadaria espelhada, com vedetes e destaques emplumados. Atrás, vinha a garbosa velha guarda, defendendo os 20 pontos do quesito comissão de frente. Menos numerosa que a escola anterior, o Império da Tijuca não ocupou de forma compacta todos os espaços da Praça da Apoteose, mas seu diretor de harmonia conseguiu fazer com que a maioria das alas continuasse a evoluir com animação. Tendo como pontos altos a bateria, a ala das baianas e a comissão de frente, o Império da Tijuca passou sem grandes tropeços, apresentando carros e figurinos mais bonitos do que em anos anteriores.


Com seu enredo crítico e bem-humorado, a Caprichosos foi a primeira escola a empolgar a plateia

CAPRICHOSOS – Quando os mais de 5.000 componentes entraram na Passarela, o público foi só animação. O enredo “A Visita da Nobreza do Riso a Chico Rei, num Palco nem Sempre Iluminado”, uma bela criação do carnavalesco Luiz Fernando Reis, não apenas fazia crítica política bem-humorada, mas também satirizava o próprio desfile das escolas de samba. No abre-alas, destaque total para escultura de Chico Anísio (o Chico Rei do enredo), que cumprimentava o público girando a cabeça de um lado ao outro. A comissão de frente surgiu vestida de Popó e imitava os gestos de uma comissão formal. Multicoloridas, as alas representavam os vários personagens de Chico e as demais figuras citadas no enredo, com espaço inclusive para uma tal “Alice num País de Ilusões”, muito bem representada pela ala mirim. A Caprichosos de Pilares ocupou toda a Praça da Apoteose, mantendo o público animado até o final de seu desfile, que foi somente um pouco prejudicado pelos problemas no sistema de som e pelo excesso de componentes, que fez com que algumas alas deixassem claros na pista. Clamando por eleições diretas para Presidente, a Caprichosos surpreendeu e fez uma exibição que jamais será esquecida. 


Setor africano do bonito desfile do Salgueiro

ACADÊMICOS DO SALGUEIRO – Faltavam alguns minutos para as duas horas da madrugada de segunda-feira quando o Salgueiro deu início ao seu esperado desfile. O enredo “Skindô, Skindô” foi inspirado em um show de Haroldo Costa, denominado “Na Pista do Samba”, e abordava a influência negra na música brasileira. De volta à escola, o carnavalesco Arlindo Rodrigues criou um carnaval de inegável bom gosto, mas nem todo o seu projeto pôde ir para a Sapucaí. Ainda assim, os 2.500 componentes, divididos em 22 alas, desfilaram trajados com elegância, em figurinos que respeitavam as cores da escola. Mas por pouco, alguns deles não ficaram sem desfilar, pois algumas fantasias só foram entregues poucas horas antes do desfile. No primeiro setor, Arlindo Rodrigues mostrou a África, com destaque para uma ala de palha e uma carroça puxada por zebras, sobre a qual Paulo Varelli reinava absoluto em linda vestimenta africana. Na sequência surgiram alas ricamente vestidas e diversos tripés e painéis ilustrativos do enredo. Um lindo pavão espelhado abriu o quadro denominado “Samba Apoteótico”, mas a grande surpresa do desfile foi guardada para o final, quando Arlindo mostrou aquela que seria considerada uma de suas principais criações: o Carro da Favela, no qual esculturas em dimensões humanas representavam vários sambistas. Apesar de toda a beleza, o samba de David Corrêa (um dos mais cantados na fase pré-carnavalesca) não conseguiu empolgar tanto quanto o esperado. Outro problema aconteceu com a bateria: Mestre Louro foi destituído do cargo de diretor por Laíla semanas antes do carnaval. Mas, mostrando amor à bandeira, Louro desfilou tocando tamborim e ajudou seus ritmistas em uma apresentação impecável. Ao ocupar com grande beleza toda a Praça da Apoteose, o Salgueiro chegou ao final de sua apresentação tendo feito um desfile tecnicamente perfeito, mas, na comparação com a escola anterior, ficou faltando uma maior empatia com o público.


Em meio aos ditos populares, a Ilha esbanjou alegria e simpatia na nova Passarela

UNIÃO DA ILHA – Contando com cerca de 3.500 componentes, divididos em 38 alas, a simpática escola tricolor apostou suas fichas nos provérbios e ditos populares, defendendo o tema “Quem Pode, Pode, Quem Não Pode...”, desenvolvido pelo carnavalesco Geraldo Cavalcante. E se o samba de Didi e Aurinho alertava que “vovó sempre dizia: olha menino, leia o BÊ-A-BÁ”, nada melhor do que abrir o desfile com a enorme escultura de uma simpática velhinha (a “vovó-sabedoria”) mandando beijos para o público. Algumas das alas mais bonitas do carnaval de 84 passaram na Ilha, a começar pelas belas bruxinhas que compunham o quadro “Quem Vê Cara Não Vê Coração”. No setor “Nem Tudo que Reluz é Ouro” a Ilha mostrou suas fantasias mais luxuosas, todas muito bem ornamentadas com penas de pavão. Nas alegorias, houve um certo desnível, com destaque positivo para o abre-alas e para o carro da praça. Mas, se a escola passou bonita, nada melhor nesse desfile do que a atuação fantástica da bateria, com paradinhas e outras nuances rítmicas que deixaram o samba, ligeiramente fraco, em uma obra pra lá de saborosa. Belo desfile!


Surgindo das águas, a nova águia abriu alas para os "Contos de Areia"

PORTELA – Quando a escola entrou na Passarela, o relógio marcava 6 horas da manhã e já era dia no Rio de Janeiro. “Contos de Areia”, dos carnavalescos Edmundo Braga e Paulino Espírito Santo, era o enredo a ser defendido pelos mais de 6.000 componentes, um gigantismo que poderia atrapalhar um bom desempenho. Exaltando três de suas figuras mais importantes, a Portela se auto-homenageou através dos orixás de Paulo da Portela (Oranian), Natalino José do Nascimento (Oxossi) e Clara Nunes (Iansã). Os veteranos da velha guarda abriram o desfile na comissão de frente. A águia tradicional, dessa vez, desfilou no abre-alas emergindo das águas do mar, e só mostrou sua cabeça ao público, fato que acabou causando estranheza para quem não conhecia a belíssima sinopse desenvolvida pelos carnavalescos. 


As quatro estações foram lembradas na exaltação aos orixás

Dividindo seu tema em partes distintas, a Portela começou seu carnaval na Bahia, o berço dos Orixás. Depois, as alas ganharam várias tonalidades de azul para mostrar a criação do mundo portelense de Paulo Benjamim de Oliveira. No setor dedicado à Natal, a escola exaltou Oxossi, orixá que cuida dos homens e dos animais, através de alas e alegorias que representavam as florestas, as estações do ano e o jogo do bicho. Na homenagem à Clara Nunes, a alusão aos ventos e tempestades de Iansã não foi esquecida, mas os destaques foram as alas alusivas às congadas e aos reisados de Minas Gerais, além da presença de Beth Carvalho representando a cantora no asfalto. Esse final foi emocionante, principalmente quando uma nova águia bateu asas abrindo o último momento do desfile, denominado “Portela na Avenida”. 


Setor final do desfile da Portela

Mas, mesmo com toda a beleza do tema e do excelente samba-enredo, alguns percalços na evolução, em decorrência do excesso de componentes e das coreografias em homenagem aos orixás, colocavam em dúvida uma possível vitória da Portela.


"Dom João VI pegou o ouro e se arrancou" e em meio ao desfile do Império brilhou a coroa dourada com a figura de Dom Pedro I

IMPÉRIO SERRANO – O sol brilhava forte quando os 2.800 componentes do Império pisaram na Passarela. O enredo “Foi Malandro, É”, de autoria de Fernando Pamplona, foi desenvolvido pelo carnavalesco Renato Lage, e contou a história da malandragem no Brasil (não no sentido da picaretagem, mas sim da esperteza) desde os tempos do Descobrimento. Segundo o enredo, tudo começou com Pero Vaz de Caminha, que em sua carta ao Rei de Portugal pediu emprego para o sobrinho, inventando o pistolão. O desfile foi aberto por um lindo abre-alas, que mostrava de forma bem-humorada Pero Vaz (Evandro de Castro Lima) cercado pelas belezas naturais da terra descoberta. Na sequência surgiram várias alas e adereços que representavam o encontro dos índios com os portugueses. Em um dos setores mais bonitos, dedicado ao Barão de Drummond (inventor do jogo do bicho), o Império mostrou lindas alas com penas de pavão e um grande carro espelhado. Misturando dourado ao verde e branco tradicionais, o carnavalesco produziu o maior show de beleza da primeira noite, dando um desenvolvimento correto e muito bonito ao enredo sobre a malandragem. E embora o samba de Bicalho não estivesse entre os melhores, a bateria e os integrantes da escola deram a ele o brilho que faltava, fazendo com que a harmonia fosse praticamente perfeita, ajudada, inclusive, pela fluência do desfile, que se desenrolou de forma homogênea do princípio ao fim. Ocupando com animação e beleza a enorme Praça da Apoteose, o Império terminou sua apresentação deixando a todos uma ótima impressão.

DESFILE DE SEGUNDA


Bonita ala de pierrôs da Estácio de Sá

ESTÁCIO DE SÁ – Estreando seu novo nome e de volta ao grupo principal, a ex-Unidos de São Carlos entrou na Passarela do Samba disposta a iniciar uma nova fase em sua história. Contando com carros alegóricos e fantasias de bom gosto, a Estácio defendeu o tema “Quem é Você”, do carnavalesco Silvio Cunha. Seus mais de 2.000 componentes desfilaram com muita animação, celebrando os quatro dias de carnaval, com destaque para os mascarados e foliões que saem de suas casas em busca de diversão. O samba de Jangada, Darcy do Nascimento e Dominguinhos foi um dos mais executados na fase pré-carnavalesca, sendo bastante cantado no dia do desfile. Apresentando a comissão de frente, estava a figura importante de Bicho Novo, mestre-sala da Deixa Falar, a primeira escola de samba do Rio. Um bonito carro abre-alas, coberto de espelhos e figuras carnavalescas, surgiu em seguida. Nas fantasias das alas, houve a total predominância das cores da escola (vermelho e branco), misturadas ao rosa, prata e dourado. Sem muito luxo, mas com um carnaval bonito e bem apresentado, a Estácio deixou no ar um delicioso clima de carnaval.


Exu abriu os caminhos para as "Oferendas" da Unidos da Ponte

UNIDOS DA PONTE – Desfilando pelo segundo ano consecutivo no Grupo 1A, a Ponte levou à Sapucaí cerca de 1.600 sambistas, que cantaram e sambaram ao som do samba “Oferendas”, enredo de autoria do carnavalesco Mário Barcelos. Dividido em 16 setores, o tema foi apresentado de forma didática, com as comidas típicas e presentes ofertados a cada santo. Destacando Exu em seu abre-alas, a Ponte iniciou o desfile corretamente, mas seu samba, ainda que bonito, não permitiu aos componentes e nem ao público uma grande empolgação. As alas pequenas, divididas pelos tripés referentes aos santos, não favoreceram uma grande visão de conjunto, ainda que transmitissem o enredo com alguma eficiência. Visualmente, o desfile ganhou mais corpo em sua segunda metade, quando a escola definiu melhor suas cores e homenageou Iemanjá e Oxalá. Tendo como pontos fortes a bateria e a ala das baianas, a Ponte fez uma apresentação ligeiramente melhor do que as duas primeiras escolas de domingo, mas na comparação com a Estácio de Sá, as vantagens para a ex-Unidos de São Carlos foram grandes.


Detalhes de uma das embarcações que abriram alas para a Mocidade

MOCIDADE INDEPENDENTE – Frustrados com a sexta colocação do ano anterior, os 3.500 componentes da Mocidade estrearam na Passarela do Samba com a disposição de disputar o título. Investimento não faltou na montagem do enredo “Mamãe Eu Quero Manaus”, delírio carnavalesco de Fernando Pinto que contou a história da muamba no Brasil desde a chegada da Família Real até à Zona Franca de Manaus. Na abertura, uma comissão de frente fantasiada de piratas (“os contrabandistas do passado”) e uma sequência incrível e de grande impacto de quatro proas de embarcações e uma grande galera arrancaram aplausos do público. Revestida em lamê dourado e carregada de tapetes, bebidas e perfumes importados, a grande alegoria trazia, nas laterais, escravos com cocares remando com talheres de prata: o maior barato! Mucamas e belos destaques emplumados compunham o quadro. As primeiras alas estavam vestidas com muito luxo e faziam alusão aos cristais, destacados em lustres e candelabros. Abrindo o setor da Zona Franca, surgiram as “baianas muambeiras”, com óculos de sol e perucas coloridas, para desespero dos tradicionalistas e delírio do grande público. E se o samba puxado pelo brilhante Aroldo Melodia não estava entre os melhores (marcheado demais para alguns), isso não importava para o povo de Padre Miguel, que dançou e cantou com entusiasmo durante todo o desfile. A escola terminou sua apresentação preenchendo com beleza todos os espaços da Praça da Apoteose e fazendo um dos melhores desfiles do ano até aquele momento.


Em meio a regadores, passistas da Vila brincam o carnaval

UNIDOS DE VILA ISABEL – Apresentando “Pra Tudo se Acabar na Quarta-Feira”, enredo inspirado em “A Felicidade”, de Tom e Vinícius, a Vila fez uma homenagem aos artesãos do carnaval, aqueles que passam o ano todo preparando figurinos e alegorias para alguns momentos de sonho e magia. O carnavalesco Fernando Costa dividiu o tema em quatro partes: “A Gente Trabalha o Ano Inteiro”, mostrando os heróis anônimos do carnaval; “Por um Momento de Sonho”, retratando a inspiração dos artistas; “Pra Fazer a Fantasia de Rei, Pirata e Jardineira” e “Pra Tudo se Acabar na Quarta-Feira”. Martinho da Vila, autor do maravilhoso samba-enredo, foi destaque no abre-alas. A Vila desfilou em suas cores e fez um carnaval romântico, à moda antiga, com alegorias pequenas e fantasias tradicionais. Terminou sua simpática apresentação mostrando a vida no morro, onde “a quaresma é colorida com fantasias já usadas na avenida, que são cortinas e são bandeiras, razões pra vida tão real da quarta-feira”. Agradou a crítica, mas não empolgou as arquibancadas.


Agnaldo Timoteo no abre-alas da Imperatriz

IMPERATRIZ LEOPOLDINENSE – Após o intervalo para a limpeza da pista, a escola da Zona da Leopoldina entrou na Passarela com disposição para superar seus problemas financeiros e mostrar um bonito carnaval. Foi um ano difícil para a Imperatriz, pois o patrono Luizinho Drummond esteve afastado e, como resultado, o luxo exuberante dos últimos carnavais teve que ser trocado pela criatividade, que se fez presente nas bonitas fantasias criadas pelas carnavalescas Rosa Magalhães e Lícia Lacerda. Abrindo seu desfile com um enorme telefone, a Imperatriz apresentou o tema “Alô, Mamãe”, inspirado no primeiro discurso feito pelo deputado federal Agnaldo Timoteo ao assumir o cargo em Brasília. Lamentando a desvalorização da moeda nacional, sugada pelo vampiro do dólar norte-americano, a escola tentou ser bem-humorada em relação às mazelas da economia brasileira, mas o enredo não chegou a empolgar. Decepcionando nas alegorias, a Imperatriz teve como pontos mais fortes a comissão de frente e o casal de mestre-sala e porta-bandeira, além da bonita evolução da ala das baianas. Na Praça da Apoteose, o pequeno número de componentes (a Imperatriz desfilou com menos de 2.000) fez com que o final do desfile fosse quase melancólico, principalmente por conta das vaias recebidas pelo deputado Agnaldo Timoteo.


"Navegando rumo às Índias e sonhando com riquezas", a Beija-Flor mostrou o mar e seus mistérios logo no início do seu desfile

BEIJA-FLOR – Campeã em 1983, a escola de Nilópolis preparou seu carnaval para a noite, mas só conseguiu entrar na Passarela do Samba quando o dia já estava claro. Mesmo assim, seus quase 3.000 componentes entraram firmes para conquistar o “bi”, defendendo o enredo “O Gigante em Berço Esplêndido”, através do qual o carnavalesco Joãosinho Trinta pretendia exaltar a força do povo brasileiro e o seu potencial de transformar o país. Tal idéia nasceu do mutirão organizado em Nilópolis pelo próprio carnavalesco. O desfile teve início com os navegadores da Escola de Sagres. No exuberante abre-alas, uma nau estilizada navegava sobre monstros marinhos, que se movimentavam sob destaques de composição. As três raças que formaram o povo brasileiro foram homenageadas através de grandes carros alegóricos e de alas ricamente vestidas. Dessa vez, o azul e o branco tradicionais se misturaram ao dourado e ao laranja, produzindo uma visão de conjunto muito bonita. Na Praça da Apoteose, Joãosinho Trinta organizou um espetáculo belíssimo, com uma ocupação perfeita dos espaços. Mas, mesmo com todo luxo e beleza, a Beija-Flor não conseguiu empolgar como suas principais concorrentes.


Braguinha no abre-alas da Mangueira

MANGUEIRA – Homenageando o compositor João de Barro (que esbanjou simpatia e emoção no abre-alas da escola), a Mangueira apresentou “Yes, Nós Temos Braguinha”, tema dividido em três quadros: “A Bela Época”, “Festa Junina” e o “Carnaval”. Com cerca de 3.800 componentes, divididos em 43 alas, a Mangueira iniciou o desfile com casais da Belle Époque formando sua comissão de frente, seguidos por um enorme carro com a perfeita representação de um gramofone. O carnavalesco Max Lopes optou pelo rosa claro para fantasiar as damas e cavalheiros do início do século XX, época do nascimento do homenageado. Suavizando as cores também nos demais setores, a escola desfilou bonita como nunca e mostrou as três partes de seu enredo com bastante coerência.


Alegoria alusiva à música "Pirata da Perna de Pau"

Impulsionada por um samba de primeira, interpretado pela voz potente de Jamelão, a Mangueira empolgou o público do princípio ao fim e nem mesmo um pequeno descompasso na evolução, que fez com que a escola abrisse alguns claros na pista, parecia poder atrapalhar na briga pelo título. Na Praça da Apoteose, a Mangueira evoluiu de forma contagiante e caiu definitivamente nos braços do povo quando, ao invés de dispersar, começou a retornar pela Passarela, oferecendo mais um desfile ao público, que se misturou à escola, formando um grande e comovente desfile de carnaval. Foi fantástico!


Na Praça da Apoteose, o show verde e rosa da Mangueira

Com a apresentação da Mangueira, a polêmica Praça da Apoteose parecia ter sido, enfim, coroada de êxitos, afinal, não fosse a sua existência, jamais teríamos tido um final de desfile tão emocionante. Seus críticos, contudo, continuariam a afirmar por um bom tempo que a ideia do vice-governador representava um perigo às tradições. Os tradicionalistas não observaram, porém, que os sambistas gostaram da Praça, pois o espaço tracejado por Niemeyer possibilitou um momento de brincadeira e mais tempo de carnaval. O que ninguém discordou é que a nova Passarela foi um sucesso em seu primeiro ano, com vários desfiles de alto nível. Além disso, a insuportável invasão de pista de anos anteriores não aconteceu, permitindo às escolas um total aproveitamento do espaço.

A apuração foi realizada no Ginásio do Maracanazinho, na quarta-feira de cinzas. Assim como nos anos anteriores, foram mantidos dois julgadores para cada quesito.

Os envelopes com as notas do desfile de domingo foram abertos primeiro. A Portela largou na frente ao ser a única a obter 20 pontos em bateria, aumentando sua vantagem para as demais ao receber pontuação máxima, assim como o Salgueiro, no quesito samba-enredo. Os problemas de som na avenida acabaram prejudicando as notas de harmonia da Caprichosos de Pilares, fazendo com que o Império Serrano, até então em quarto na apuração, saltasse para o segundo lugar, empatado com o Salgueiro. No quesito conjunto, o Império Serrano deixou o Salgueiro para trás, com a Caprichosos em quarto e a Ilha em quinto. Soberana até então, a Portela viu sua liderança ameaçada ao receber uma injusta nota 8 em enredo. E para a surpresa geral, o mesmo julgador atribuiu nota 6 ao “Skindô, Skindô” do Salgueiro, o que fez com que a Caprichosos, que obteve duas notas máximas, saltasse para o terceiro lugar. No quesito fantasias, o Império ficou a apenas 1 ponto da Portela ao ser a única agremiação a obter as duas notas 10. Enquanto isso, o Salgueiro, mesmo com pontuação melhor que a Caprichosos nos figurinos, parecia não ter fôlego para se recuperar da estapafúrdia nota 6 em enredo e viu sua situação piorar ao perder mais 2 pontos em comissão de frente, enquanto o pessoal de Pilares, com muita justiça, comemorava mais duas notas 10. Perdendo pontos preciosos no quesito mestre-sala e porta-bandeira, o Império não conseguiu alcançar a Portela, mesmo levando vantagem em relação às demais no último quesito: alegorias e adereços. A classificação final do desfile de domingo foi a seguinte:

1º - PORTELA – campeã com 203 pontos
2º - IMPÉRIO SERRANO – 201
3º - CAPRICHOSOS DE PILARES – 193
4º - SALGUEIRO – 192
5º - UNIÃO DA ILHA – 188
6º - IMPÉRIO DA TIJUCA – 157
7º - UNIDOS DA TIJUCA – 147

Cumprindo o regulamento, a Unidos da Tijuca foi rebaixada, enquanto Portela, Império e Caprichosos se classificaram para o desfile do supercampeonato.

Enquanto a diretoria da Caprichosos fazia festa, houve muita frustração entre o pessoal do Salgueiro, mas o fato é que a nota 6 em enredo tirou qualquer possibilidade por uma vaga no desfile de sábado. Importante observar que, apesar de mal colocada, a União da Ilha fez uma apresentação muito simpática.

Se a emoção foi grande na leitura das notas do desfile de domingo, o clima começou quente também na apuração de segunda-feira, pois logo no primeiro quesito a Mocidade Independente, uma das favoritas, recebeu nota mínima (5) em bateria, ficando logo de saída em último lugar entre as sete escolas. Enquanto isso, a Mangueira foi a única a obter pontuação máxima no quesito. Perdendo pontos preciosos em quesitos que esteve bem (alegorias e fantasias), a temida Beija-Flor de Joãozinho Trinta se viu completamente fora do páreo ao receber nota 6 em samba-enredo. Enquanto isso, a Mocidade ia se recuperando do susto inicial, fechando a contagem com um total de 201 pontos. Mas, com apenas duas notas diferentes de 10 (9 em conjunto e 9 em comissão de frente), a Mangueira se fez campeã de segunda-feira somando 208 pontos. Era a quebra de um jejum de 11 anos sem vitórias.

O resultado geral da segunda-feira ficou assim:

1º - MANGUEIRA – campeã com 208 pontos
2º - MOCIDADE INDEPENDENTE – 201
3º - BEIJA-FLOR – 193
4º - IMPERATRIZ – 189
5º - VILA ISABEL – 183
6º - ESTÁCIO DE SÁ – 173
7º - UNIDOS DA PONTE – 168

Como aconteceu com as escolas de domingo, as três primeiras colocadas na segunda-feira se classificaram para o desfile do supercampeonato. Enquanto isso, a Unidos da Ponte, mesmo tendo somado mais pontos que o Império da Tijuca (que desfilou no domingo e ficou em sexto lugar), foi rebaixada para o Grupo 1B.


Destaques da Portela e celebridades da Mangueira posam para Revista Manchete

O desfile do supercampeonato aconteceu no sábado e, pela ordem, desfilaram Acadêmicos de Santa Cruz (vice-campeã do Grupo 1B), Unidos do Cabuçu (campeã do Grupo 1B), Caprichosos de Pilares, Beija-Flor, Império Serrano, Mocidade, Portela e Mangueira. Sete quesitos foram julgados: bateria, harmonia, samba-enredo, evolução, comissão de frente, mestre-sala e porta-bandeira e conjunto.

Somando 139 pontos, a Mangueira tornou-se a supercampeã do carnaval. Com dois pontos a menos chegou a Portela, que, estranhamente, perdeu o campeonato em samba-enredo e comissão de frente, quesitos em que havia sido nota 10 no domingo. Em terceiro lugar, chegaram empatadas a Mocidade e o Império Serrano, apenas 1 ponto à frente da Beija-Flor, que, desfilando à noite, pôde mostrar o brilho das luzes de suas alegorias. Em sexto lugar apareceu a escola surpresa do ano: Caprichosos de Pilares.

Eis a classificação geral com a pontuação de todas as escolas:

1º - MANGUEIRA – Supercampeã com 139 pontos
2º - PORTELA – 137
3º - IMPÉRIO SERRANO E MOCIDADE – 128
5º - BEIJA-FLOR – 127
6º - CAPRICHOSOS – 120
7º - UNIDOS DO CABUÇU – 111
8º - ACADÊMICOS DE SANTA CRUZ – 101

Era o fim de um carnaval histórico e o início de uma nova fase nos desfiles das escolas de samba.

FONTES CONSULTADAS:

LIVROS:
CABRAL, Sérgio – As Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Editora Lumiar, 1996.
COSTA, Haroldo – Salgueiro, 50 Anos de Glória. Editora Record, 2003.

REVISTAS:
Manchete, edição número 1.665
Veja, edição número 810.

SITES:
http://www.galeriadosamba.com.br/V41
http://marceloguireli.multiply.com

Agradecimentos especiais à amiga Denise.

Marcelo Guireli

marguireli@uol.com.br