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Coluna do Marcelo Guireli

CARNAVAL 79 - DESFILE DO GRUPO 1-A

Domingo, 25 de fevereiro de 1979. A ansiedade era grande entre os admiradores das escolas de samba do Rio de Janeiro. Era o dia do esperado desfile do Grupo 1-A, nova denominação do antigo Grupo 1. A maior festa popular do planeta, a ser realizada pelo segundo ano consecutivo na Rua Marquês de Sapucaí, estava marcada para o início da noite, e previa a participação de apenas oito agremiações.


O tema da Imperatriz representado em alegoria

IMPERATRIZ LEOPOLDINENSE - Passava um pouco das 19h quando a simpática escola de Ramos iniciou a sua apresentação. "Oxumaré, a Lenda do Arco-íris", uma criação do carnavalesco Mário Barcellos, foi o enredo da Imperatriz, que tentava firmar-se novamente entre as grandes escolas, após uma rápida passagem pelo segundo grupo, depois de um tropeço no carnaval de 1977. Com poucos recursos para montagem de grandes carros, o carnavalesco optou pela utilização de alegorias de mão em várias alas. A bateria, um dos pontos altos da escola, desfilou com fantasias alusivas à serpente Dan. Apesar do vibrante naipe de tamborins, que fez bonitos desenhos em cima da melodia do bom samba-enredo, a Imperatriz não evoluiu muito bem e acabou por fazer um desfile aquém de suas melhores exibições na década de 70.


Destaque do último carro alegórico da Unidos de São Carlos

UNIDOS DE SÃO CARLOS - Contando com cerca de 1500 componentes, a tradicional escola do Estácio voltou ao grupo principal defendendo o enredo "Das Trevas ao Sol, uma Odisséia dos Karajás". A comissão responsável pela concepção visual do desfile foi composta por quatro carnavalescos: Roberto Nascimento, Célia Oliveira, Elizabeth Filipeck e Paulo Luís. Optando por materiais decorativos bastante simples, tais como flores do cerrado, ráfia e plástico, eles apresentaram um carnaval sem brilho e com formas pouco favoráveis a um conjunto estético equilibrado. Da primeira alegoria (um quadripé com o nome da escola) ao último carro (com adereços alusivos ao sol), o que se viu, em termos visuais, não agradou. E para agravar a situação, o samba, que era digno de elogios, não foi bem cantado, fator prejudicial à harmonia e à evolução, também comprometida pela absurda invasão de pista. Com todos os percalços, a São Carlos acabou realizando um desfile sofrível.


A Mangueira desfilou com vários destaques entre as alas

ESTAÇÃO PRIMEIRA - "Avatar e a Selva Transformou-se em Ouro", do carnavalesco Júlio Matos, foi o enredo apresentado pela Mangueira. Contando e cantando a história do cacau, a escola abriu o desfile destacando seus símbolos no abre-alas, com a comissão de frente, composta por seus baluartes, se apresentando logo em seguida. A primeira parte do enredo foi defendida por bonitas alas alusivas aos Astecas. Um carro alegórico representando o cacau e o imperador Montezuma compôs a cenografia do setor. Em seguida, a verde-e-rosa mostrou a influência francesa no cultivo do cacau na Bahia. E por falar da terra de todos os santos, vale lembrar que quem assistiu animado ao desfile foi o escritor Jorge Amado, citado pela Mangueira no enredo pela constante presença da cultura do cacau em seus romances. O terceiro momento do desfile foi dedicado à "transformação". Dizia a sinopse que, como num passe de mágica, o verde se transformava em ouro e a cor dourada das plantações, além da riqueza proporcionada pelo cacau, serviu de inspiração para um dos carros mais bonitos da escola. As baianas, já no final do desfile, estavam vestidas como "As Filhas de Mamãe Oxum", em agradecimento às dádivas do cacau. A bonita exibição mangueirense agradou o público, mas, infelizmente, dois problemas pareciam muito prejudiciais à escola: a invasão de pista, que atrapalhou a evolução natural de seus componentes e a fragilidade do samba-enredo, que, mesmo cantado com entusiasmo, não tinha a poesia costumeira de outros carnavais.


Muita beleza e criatividade nos figurinos da Ilha

UNIÂO DA ILHA - Bem sucedida nos dois últimos desfiles, a Ilha decidiu continuar em sua linha de temas abstratos, ainda que sem contar com a carnavalesca Maria Augusta, autora de "Domingo" e "O Amanhã". "O Que Será?", enredo de 1979, foi desenvolvido por Adalberto Sampaio, e abordava a expectativa do folião em relação ao próprio desfile, além de mostrar toda a magia e o universo de sonhos que envolvem a preparação de um carnaval. O grande abacaxi, que surgiu na primeira alegoria, abriu passagem para alas com fantasias bastante recorrentes nos desfiles das escolas de samba naquela época. Passaram índios, melindrosas, africanos, além de bruxas, fadas e magos. A criatividade do carnavalesco fez com que fantasias feitas de papel e plástico alcançassem um efeito maravilhoso no conjunto. Tudo na Ilha transmitia vida e era absolutamente jovial. A platéia acompanhou com palmas toda a apresentação da escola, afinal, além do visual atraente, o samba de Didi e Aroldo Melodia era dos melhores do ano, e a bateria deu um show. Compositores, carnavalescos e sambistas de todas as escolas foram homenageados em grandes estandartes que ladeavam alas. O desfile se encerrou com a lembrança dos antigos carnavais, através de fantasias muito bonitas. Com tanta empolgação, a Ilha saiu da Sapucaí deixando a melhor impressão até aquele momento.


A bela decoração da Passarela brilhou para o Salgueiro passar

SALGUEIRO - Tentando sair de uma crise política, o Salgueiro investiu em uma temática até então nova: a defesa ecológica. O enredo "O Reino Encantado da Mãe Natureza Contra o Rei do Mal" foi desenvolvido por um trio de carnavalescos: Edmundo Braga, Paulino Espírito Santo e Stoessel Cândido Silva. Eles acreditavam no sucesso do enredo, principalmente porque a segunda parte do desfile, que abordaria o "Rei do Mal", ou seja, a poluição, possibilitaria a confecção de fantasias jamais vistas em escolas de samba. Passava um pouco da 1h da madrugada de segunda-feira quando o belo abre-alas da escola começou a se movimentar, dando início ao desfile. Bonito e brilhante o Salgueiro estava, mas em nenhum momento conseguiu empolgar. Talvez o seu samba, apesar de ter boa melodia e uma letra correta, necessitasse de um refrão explosivo. Nem mesmo a excelente atuação da bateria foi capaz de fazer com que a evolução e a harmonia tivessem um resultado melhor. Apesar das quatro partes do enredo (A Mãe Natureza, o Mal, A Guerra, O Ressurgimento da Natureza Violentada pelo Mal) terem sido apresentadas com correção e com momentos de beleza, o Salgueiro fez um desfile frio.


Os encantos naturais de Vera Cruz retratados no desfile da Mocidade

MOCIDADE INDEPENDENTE - Mesmo após o bom desfile da Mangueira e a empolgante apresentação da Ilha, o povo sabia que a verdadeira briga pelo título estava guardada para o final. Portanto, a passagem das três últimas escolas era aguardada com bastante ansiedade. Quando o abre-alas da Mocidade apontou na armação, a certeza de que uma candidata ao título estava surgindo foi imediata, tamanha a beleza do carro que trazia a destaque Marlene Paiva. "Descobrimento do Brasil", do carnavalesco Arlindo Rodrigues, foi o enredo apresentado. Com a categoria de sempre, Arlindo expôs com elegância todos os setores propostos na sinopse, começando seu desfile com a rosa dos ventos, ainda no abre-alas, e com uma bela ala de baianas, que introduziram o tema com rebuscadas caravelas sobre o torço. Portugal e os bravos navegadores da Escola de Sagres serviram de inspiração para as belíssimas fantasias que se sucederam. Elefantes indianos surgiram no terceiro setor, ladeando alas lindamente fantasiadas. Tudo na escola era de um rebuscamento inigualável, e, aliada a essa beleza, estava a cadência da bateria de Mestre André, que fazia um perfeito acompanhamento ao samba de Padre Miguel. O mar dos descobridores foi revivido na avenida através dos mitos que povoavam a imaginação européia na era das navegações, com destaque para o Séqüito de Netuno, muito bem representado por uma embarcação estilizada, puxada por grandes cavalos. O desfile chegou ao fim com figurinos e adereços alusivos à fauna e à flora da terra descoberta. Arrancando aplausos do público, a Mocidade deixou a Sapucaí dando pinta de que estaria firme na luta pelo título.


A nova águia da Portela abriu alas para a folia

PORTELA - Defendendo o enredo "Incrível, Fantástico, Extraordinário", uma criação do carnavalesco Viriato Ferreira, a Portela entrou na Sapucaí pouco antes das 4h30 da madrugada de segunda-feira, para mostrar o encanto dos quatro dias de carnaval. A comissão de frente, muito bem fantasiada, dessa vez não era composta pelos tradicionais membros da velha-guarda, motivo que causou grande polêmica na fase pré-carnavalesca. A grande águia também tinha concepção moderna. Estava linda e antecipava o grande show de beleza e emoção que a escola começava a mostrar. Alas com predominância do branco, realçadas com pequenos toques de azul, deram o tom inicial do desfile. O setor dos ranchos, um dos mais densos da escola, foi aberto com a passagem de Wanda Batista, fantasiada de borboleta. Um lindo carro, decorado com flores azuladas encerrou o capítulo e fez um bonito contraste com as sombrinhas multicoloridas do frevo, que surgiram na seqüência. Além do visual leve e do mais puro bom gosto proporcionado pelo talento do querido Viriato, a Portela se sobressaía das demais escolas por conta de seu samba-enredo, o melhor daquele carnaval. Com letra e melodia inspiradas, a obra de autoria de David Correa, J. Rodrigues e Tião Nascimento, transmitia emoção e fazia com que as alas desfilassem de forma harmoniosa, sem hesitações. Mais um ponto positivo em relação às concorrentes era sustentado pela brilhante apresentação do casal de mestre-sala e porta-bandeira. Desfilando vestidos de preto e branco, assim como todo o setor dos grandes bailes e dos corsos, Wilma e Benício se apresentaram, como de costume, com garbo e vigor. A Portela encerrou seu espetáculo com a passagem de adereços florais de rara beleza e das baianas tradicionais. Foi um desfile praticamente perfeito, que deixou muita gente com lágrimas nos olhos.


Os chuveiros da ilusão da Beija-Flor

BEIJA-FLOR - Já era dia quando a tricampeã do carnaval iniciou o seu esperado desfile. O enredo "O Paraíso da Loucura", de autoria do então pentacampeão do carnaval, o maranhense Joãozinho Trinta, contava a história do carnaval, mas, ao contrário do tema da Portela, apelava para o surreal, tendo grande inspiração no "Jardim das Delícias", obra do pintor holandês Hieronymus Bosch. No enorme e dionisíaco abre-alas, o destaque ficou por conta de Jésus Henrique e Pinah, além do naipe de mulatas em meio aos "chuveiros da ilusão". Com a mistura de elementos religiosos e simbólicos de antigas civilizações a estandartes carnavalescos, a Beija-Flor foi exuberante do princípio ao fim. Adicionando dourado e laranja ao azul e branco tradicionais, Joãozinho compôs seu carnaval com fantasias ricas e carros grandiosos. Um dos mais comentados foi o da nave, que era todo decorado com micro-lâmpadas e encimado pelas crianças de Nilópolis. Mas, se por um lado tanta ostentação chamava a atenção dos espectadores, por outro preocupava os mais conservadores, que viam na possibilidade do tetracampeonato da Beija-Flor um perigo às tradições mais puras do samba. As críticas foram tão exageradas, que Joãozinho não hesitou ao lançar mão de sua famosa frase: "pobre gosta de luxo, quem gosta de pobreza é intelectual".

O desfile, com a participação de apenas oito escolas, terminou por volta das 7h da manhã de segunda-feira. Apesar dos momentos de beleza e emoção, é impossível não lembrar que, pela primeira vez desde que se fez grande, o Império Serrano não pôde participar do grupo principal, para a tristeza dos admiradores do samba. Além do Império, outra ausência sentida foi a da tradicional Vila Isabel. Ambas haviam sido rebaixadas para o Grupo 1-B, nova denominação do antigo segundo grupo.

Conquistando seis Estandartes de Ouro, a Portela era apontada como a grande favorita ao título, mas a imprensa carnavalesca era categórica ao afirmar que a Mocidade, com seu bonito desfile, poderia atrapalhar o sonho dos sambistas de Madureira.

Na apuração, as surpresas foram muitas. A Beija-Flor, para a ira dos puristas, foi a única escola a somar os 20 pontos possíveis no quesito bateria. Enquanto isso, a Portela perdia pontos preciosos dos julgadores de evolução e alegorias, mas equilibrava a briga ao ser a única a ter pontuação máxima em samba-enredo. Surpreendendo as favoritas, aparecia com chances a Mangueira, com notas máximas em enredo e harmonia. No final da disputa acirrada, o quesito enredo acabou sendo decisivo em favor da Mocidade, que chegou ao seu primeiro campeonato, para a alegria de seus admiradores e de todos aqueles que a fizeram surgir e a se transformar em uma das grandes forças do carnaval carioca.

O resultado oficial foi o seguinte:

1º - MOCIDADE - 163 pontos;
2º - BEIJA-FLOR - 161;
3º - PORTELA - 160;
4º - MANGUEIRA - 159;
5º - UNIÃO DA ILHA - 154;
6º - SALGUEIRO - 151;
7º - IMPERATRIZ - 140;
8º - SÃO CARLOS - 138.

Marcelo Guireli

marguireli@uol.com.br