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CARNAVAL 85 - DO PARAÍSO DA LAPA AO SAMBA ESPACIAL Em julho de 1984, quatro meses
após a bem sucedida inauguração do Sambódromo, o mundo do
samba viria a ser sacudido por uma novidade: a criação de uma
liga, que faria com que as principais agremiações se
desvinculassem da Associação das Escolas de Samba da Cidade do
Rio de Janeiro. Estava fundada a LIESA, que teve como seu
primeiro presidente o patrono da Mocidade Independente, Castor de
Andrade.
Sob a euforia de uma Nova República que se anunciava, os sambas-enredo de 85 foram ganhando as ruas do Rio e se espalhando por todo o Brasil, através das rádios e dos programas de televisão. No Cassino do Chacrinha, por exemplo, a cada sábado uma escola se apresentava, com som ao vivo e com vários de seus segmentos no palco. Era uma verdadeira festa, anunciada e esperada durante toda a semana.
À medida que o desfile se aproximava, os debates e programas
sobre carnaval nas televisões iam aumentando. Aliás, coube a
três emissoras a felicidade de transmitir o desfile das
principais escolas: Globo, Bandeirantes e Manchete.
O Grupo 1-A estava, mais uma vez, dividido em dois dias, mas, ao
contrário do que ocorrera em
EM CIMA
DA HORA – O
início do desfile das grandes escolas estava marcado para as
19h, mas a Em Cima da Hora teve muitas dificuldades para se
“armar” e sua apresentação começou com mais de meia
hora de atraso, o que acarretaria em punições previstas no item
“Concentração e Início de Desfile”. Com o enredo
“Me Acostumo Mas Não Me Amanso”, desenvolvido pelos
carnavalescos Sid Camilo e Edson Mendes, a escola voltou ao Grupo
1-A para contar a saga dos nordestinos que chegam ao Rio de
Janeiro em busca de melhores condições de vida. No abre-alas, a
escola apresentou uma enorme abóbora e, em seguida, alguns
paus-de-arara surgiram no desfile. O samba era bem descritivo e
tinha boa melodia, mas, plasticamente, quase tudo se perdeu, pois
além da extrema falta de recursos, os 1500 componentes não
estavam bem divididos em seus segmentos. Ainda assim, as duas
alas de baianas rodopiaram bem ao som da cadenciada bateria, que
foi, a meu ver, o ponto alto do desfile. O setor alusivo à Feira
de São Cristóvão apresentou adereços interessantes, mas a Em
Cima da Hora, lamentavelmente, não desenvolveu de forma
convincente seu enredo. Faltou dinheiro e, sobretudo, bom gosto.
Uma pena!
UNIDOS
DO CABUÇU –
Com pouco mais de 2000 componentes, a escola apresentou o enredo
“A Festa é Nossa e Ninguém Tasca”, desenvolvido pelo
carnavalesco Sidelson. Tendo Zé Carioca como narrador, a
proposta era contar a história política do Brasil, enfatizando
a luta do povo por dias melhores. Abrindo o desfile, surgiu uma
caravela, deixando claro que a busca pela liberdade começou com
os nativos, que, segundo a letra do samba, “foram
massacrados e trocaram a tanga pela calça Lee”. Várias
alas vestidas de índios compuseram a primeira parte do enredo. O
trabalho escravo e os quilombos foram motivos de alegorias e
fantasias de outros setores. A falsa independência proclamada
por D. Pedro também foi questionada em um dos quadros do
desfile, mas o espírito irreverente e contestador, no entanto,
foi mais claro no samba do que nas fantasias, carros e tripés.
As baianas - vestidas de branco, prata e azul - desfilaram no
final da escola e celebraram os quarenta anos da agremiação.
Para uma escola que subia de grupo, até que a Cabuçu se portou
bem.
IMPÉRIO
DA TIJUCA –
Pelo segundo ano consecutivo entre as grandes, a escola do Morro
da Formiga pisou na Sapucaí para relembrar a vida e a obra de
Custódio Mesquita – ator, pianista e compositor dos anos 30
e 40 –, com o enredo “Se a Lua Contasse”, nome de
um dos maiores sucessos do homenageado. Iniciou seu desfile com
uma comissão de frente formada por mulheres, vestidas ao melhor
estilo da Belle Époque. O enredo começou a ser mostrado a
partir de 1910 – ano de nascimento de Custódio Mesquita
– e várias alegorias e fantasias reviveram o Rio antigo.
Com cerca de 1400 componentes, a escola se apresentou ao som de
um bom samba, que retratava de forma poética o enredo, mas que
acabou não funcionando muito bem no dia do desfile, pois faltou
vibração. Um ponto positivo a ser ressaltado foi a opção do
carnavalesco Ney Ayan pelo predomínio das cores da agremiação.
O verde e o branco, realçados com prata e dourado, dominaram
toda e escola, que passou com um visual leve. Gostei da ala dos
pierrôs, dos postes de iluminação da Avenida Central e,
também, das notas musicais que enfeitaram uma das alegorias. A
escola conseguiu, com pouquíssimos recursos, passar o
“espírito” do enredo, mas não teve componentes e nem
dinheiro suficiente para mostrar com mais profundidade a obra do
homenageado. Para o meu gosto, o Império da Tijuca superou a
Cabuçu e sua permanência no grupo parecia quase certa após sua
apresentação, embora o regulamento previsse a queda de quatro
escolas.
ACADÊMICOS
DO SALGUEIRO –
Uma grande queima de fogos anunciou o início da apresentação
dos 3500 componentes do Salgueiro, que completava dez anos sem
ganhar um campeonato. Com o enredo “Anos Trinta, Vento Sul
– Vargas”, dos carnavalescos Edmundo Braga e Paulino
Espírito Santo, a escola se propôs a mostrar a saga política
do estadista, tirando grande proveito plástico das tradições
gaúchas. O enredo foi escrito (e muito bem!) como se fosse um
poema medieval e a vida de Vargas foi carnavalizada ao extremo. O
desfile foi aberto por um carro pede-passagem e por uma ala de
moças que formavam o nome do ex-presidente. Tudo foi preparado
com muita coerência pela dupla de carnavalescos. O busto de
Getúlio veio à frente do setor inicial, alusivo ao Rio Grande
do Sul, e dois painéis, referentes às vinhas e aos trigais,
compuseram o cenário da primeira parte do enredo. O Palácio das
Águias foi representado por um grande carro, onde vários
destaques, inclusive Clóvis Bornay, mostraram suas ricas
fantasias. Não faltaram referências à criação da Petrobrás,
às leis trabalhistas e, é claro, ao drama dos últimos dias de
vida de Getúlio Vargas. As baianas, não tão bonitas quanto no
ano anterior, evoluíram razoavelmente bem, como, aliás, toda a
escola, que, inclusive na enorme Praça da Apoteose, soube ocupar
os espaços com inteligência. As fantasias, em geral, estavam
bem cuidadas e a maior parte delas permitia uma boa
identificação com os elementos do enredo, que, a meu ver, foi
mais bem mostrado nas 23 alegorias. O melhor carro surgiu no
final e trazia vários destaques luxuosamente fantasiados sobre
uma armação giratória com esculturas referentes ao nosso
folclore. Gostei do desfile do Salgueiro por sua correção, mas
o samba, que tinha uma melodia tradicional e muito agradável,
não conseguiu empolgar. Apesar disso, os componentes da escola
saíram da pista certos de que o Salgueiro estaria na briga, ao
menos, por uma boa colocação.
UNIÃO
DA ILHA DO GOVERNADOR – Após o desfile da quarta escola estava
previsto um intervalo de 30 minutos para a limpeza da pista, mas,
como o abre-alas da União da Ilha quebrou na concentração, o
desfile teve uma pausa muito maior. Somente por volta das 3h a
Ilha conseguiu iniciar sua apresentação, trazendo seu carro
abre-alas puxado por um guincho. O tema “Um Herói, uma
Canção, um Enredo” era de autoria do jornalista Luiz
Orlando, que também foi responsável, como carnavalesco, pela
concepção plástica da escola. O enredo foi dividido em três
partes. No primeiro setor, a Ilha mostrou as mulheres do cais e o
busto de João Cândido, sobre o qual havia um efeito de raio
laser, uma novidade para a época. A história da Revolta da
Chibata, que visava acabar com os castigos físicos na marinha,
foi mostrada no segundo momento, com destaque para o navio
Satélite e para um carro alegórico que trazia um dragão que
cuspia fumaça. As fantasias dos primeiros setores eram bem
previsíveis, mas estavam de acordo com o enredo e produziam bom
efeito no conjunto. A presença das tradições africanas na
cultura brasileira marcou o terceiro momento do desfile, com alas
referentes ao frevo, bumba-meu-boi e aos orixás. As baianas,
assim como boa parte da escola, desfilaram com as cores da Ilha.
Juju Maravilha e Bagdá formaram o primeiro casal de mestre-sala
e porta-bandeira e a nota máxima parecia ser inevitável. Os
4000 componentes cantaram um dos melhores sambas do ano, de
autoria de Didi, Aurinho e Aritana. A bateria, sob o comando de
Mestre Paulão, esteve impecável e foi um dos pontos altos do
desfile. O carnaval da Ilha chegou ao fim com uma homenagem a
Elis – principal intérprete da música “Mestre-Sala
dos Mares”, que narra o sofrimento e a luta de João
Cândido – e com um painel mostrando a Declaração
Universal dos Direitos Humanos. O enredo foi bem escrito e
apresentado de forma correta, mas faltaram leveza e criatividade
na sustentação da idéia. Além disso, a escola passou sem
muita empolgação, talvez devido ao fato do enredo e do samba
não terem nada a ver com o perfil alegre e jovial da Ilha.
UNIDOS
DE VILA ISABEL
– Com cerca de 3500 componentes, divididos em 42 alas, a
Vila apresentou o enredo “Parece Até Que Foi Ontem”,
do carnavalesco Max Lopes. O tema – além de prestar uma
homenagem a Mauricio de Souza, Monteiro Lobato e Maria Clara
Machado – era um passeio pelo universo infantil e estava
dividido em 3 partes. Na primeira, a escola apresentou o quadro
denominado “A Preparação da Festa”, com castelos,
soldadinhos de chumbo e baianas doceiras. Na comissão de frente,
15 arautos anunciavam o mundo encantado da infância, enquanto no
abre-alas, os destaques ficavam por conta dos personagens de
Mauricio de Souza, que também estava na alegoria. No segundo
quadro, “Entra na Roda”, a Sapucaí foi tomada por
brinquedos antigos e pelas brincadeiras de rua, com destaque para
a ala das pipas e para as casas de bonecas. A bateria do
excepcional Mestre Ernesto surgiu nesse setor e, além de firmes
na cadência, os ritmistas estavam muito bem fantasiados. O samba
de David Correia, Jorge Macedo e Tião Grande tinha boa melodia e
era tão leve quanto o enredo. Na terceira parte de seu desfile,
a Vila apresentou o quadro “Os Amigos Encantados”,
revivendo os contos de fada e as histórias infantis. Gepeto e
Pinóquio, Cinderela e sua carruagem, a Cigarra e a Formiga
– assim como a brasileiríssima turma do Sítio do Pica-Pau
Amarelo – foram representados através de alegorias e
fantasias de muito bom gosto. Apesar de alguns pecados em
harmonia e evolução, a Vila desfilou muito bem e encantou o
público com um desfile bonito e de extrema leveza. Foi um
amanhecer mágico e inesquecível.
ESTAÇÃO
PRIMEIRA DE MANGUEIRA – Supercampeã em 84, a escola mais popular
do Rio de Janeiro cedeu à modernidade para tentar o bi. Fundou
uma empresa para angariar fundos para o rico carnaval que
pretendia realizar e chegou a enviar seus carnavalescos, Elói
Machado e Bia Dumont, a Hollywood, para um estágio nos estúdios
de George Lucas. O desfile estava marcado para as 4h, mas somente
após as 6h30, já com o dia claro, a Mangueira teve
autorização para iniciar sua esperada apresentação. O enredo
“Abram Alas Que Eu Quero Passar”, uma homenagem a
Chiquinha Gonzaga, foi dividido em 4 partes. No prólogo,
surgiram alas e carros em homenagem ao carioca, à Chiquinha e ao
carnaval. O abre-alas, com luzes que foram ofuscadas pelo sol,
era um imenso chafariz, com vedetes e seus gigantescos leques de
plumas rosas, que proporcionavam um efeito muito bonito. Quatro
gigantescos “Zé Cariocas” cumprimentaram o público na
segunda alegoria. No primeiro ato, a Mangueira apresentou o Rio
antigo da pequena Chiquinha, com carruagens, candelabros e alas
de escravos e nobres. Um carro de grande porte, com uma bela
escadaria de espelhos, destacou o piano da futura maestrina. No
segundo ato, a obra musical de Chiquinha ganhou evidência e,
também, seu drama pessoal ao abandonar a família abastada para
se tornar artista popular na Rua do Ouvidor. Na última parte, os
carnavalescos mostraram os carnavais do Rio, com destaque para o
tempo em que foi fundado o cordão Rosa de Ouro. Plasticamente, a
Mangueira passou bonita em 85. Foi o mais rico carnaval feito
pela escola até então. O uso do lilás, misturado às várias
nuances de rosa, funcionou muito bem no conjunto. As alegorias,
apesar de pouco criativas, tinham formas atraentes e bom
acabamento, mas, apesar do luxo apresentado, a escola teve
problemas. O samba, que era dos mais executados na fase
pré-carnavalesca, foi cantado na avenida por Jurandir e Lula,
pois Jamelão não chegou a tempo de uma viagem que fizera aos
Estados Unidos. Eles deram conta do recado, mas a não presença
do intérprete oficial representou uma quebra de tradição para
a qual muitos componentes não estavam preparados. Além disso, a
escola correu demais para dar vazão aos seus mais de 5000
componentes. Com o excesso de tripés e de figurantes, a
Mangueira, por vezes, abriu alguns claros, mas conseguiu cumprir
os 85 minutos exigidos pelo regulamento. Apesar dos percalços, a
escola fez um carnaval grandioso e bonito, mas, inegavelmente,
fora de suas características.
MOCIDADE
INDEPENDENTE DE PADRE MIGUEL – Passava das 8h15 e o sol brilhava forte
quando a Mocidade começou a desfilar com seu fantástico enredo:
“Ziriguidum 2001”, do genial carnavalesco Fernando
Pinto. Pierrôs lunares e colombinas siderais enfeitaram os
primeiros carros. O abre-alas era um conjunto de carretas com
formas de seres incríveis que compunham o que Fernando Pinto
chamou de “Um Corso na Lua”. Ainda na primeira parte,
um grande carro encantou o público com a simbolização dos
planetas em movimento e um grande sol. Beth Andrade desfilou
majestosa sobre uma alegoria que jorrava água de verdade, no
setor que retratava uma primavera em Vênus. Além do forte
impacto causado pelo uso do branco e do prata, que reluziam sob a
luz do sol, chamavam a atenção os efeitos de fumaça e os
movimentos nas alegorias. As baianas ganharam asas, capacetes e
antenas, deixando todos de boca aberta diante da beleza de suas
roupas e de suas ágeis evoluções. Um bumba-meu-boi de três
cabeças – que surgiu em um dos carros – e os
“caboclinhos marcianos” deixaram clara a preocupação
do carnavalesco em estabelecer uma interligação de nosso
folclore com as delícias siderais de 2001. Os mais de 3200
componentes evoluíram cheios de garra, cantando um samba forte e
muito adequado às idéias de Fernando Pinto. Roxinho e Soninha
defenderam o pavilhão da escola e a bateria, vestida de robô,
deu ao samba o andamento ideal. No final do desfile, a grande
surpresa preparada pelo carnavalesco: a “nave-mãe”,
formada por cinco discos voadores acoplados, trazendo do espaço
os sambistas, numa espécie de resumo do
“carnaval-cosmo” criado por Fernando Pinto. O desfile
foi fantástico em todos os sentidos e a escola, que foi
ovacionada na Praça da Apoteose, fez, sem dúvida, a melhor
exibição de domingo. Na verdade, a Mocidade acabara de fazer
uma apresentação histórica e inesquecível.
SÃO
CLEMENTE –
Recém promovida do Grupo 1-B, a simpática escola de Botafogo
abriu o segundo dia de desfiles com o mesmo espírito crítico e
irreverente do carnaval anterior. Apresentou o enredo “Quem
Casa Quer Casa”, dos carnavalescos Roberto Costa e Carlinhos
Andrade, que abordava o problema da moradia do brasileiro, desde
a barriga da mãe até o cemitério, como a “última
morada”. Os componentes da comissão de frente estavam
vestidos de forma original, como noivos e noivas. A primeira
parte do tema mostrou o casamento e as cegonhas, bem
representadas nos chapéus dos ritmistas. O setor mais
interessante foi o dedicado à natureza, mas todo o enredo foi
apresentado de forma bastante clara. Faltou, no entanto, um
cuidado maior na divisão das alas e na concepção das
alegorias, que, apesar de criativas, pecavam pelas formas
grosseiras e pelo acabamento inexistente. As baianas, com suas
saias estampadas e seus tabuleiros, desfilaram no setor final. Os
1600 componentes, embalados por um samba que contava o enredo de
forma divertida e coerente, deixaram a Sapucaí com a sensação
de terem feito um carnaval alegre e criativo, mas cientes que a
permanência no grupo era um sonho quase impossível.
ACADÊMICOS
DE SANTA CRUZ
– Um grande atraso marcou a participação da agremiação
no carnaval de 85. Um acidente na concentração, envolvendo um
dos principais carros da escola e uma grande alegoria da
Beija-Flor, fez com que a Santa Cruz – que tinha horário de
entrada previsto para às 20h25 – iniciasse sua
apresentação somente por volta das 23h. Durante esse intervalo,
uma enorme confusão tomou conta da Sapucaí. As informações
eram desencontradas. Enquanto alguns diretores diziam que havia
acontecido um acidente entre uma alegoria e um ônibus, outros
confirmavam o que Anízio Abraão David, presidente de honra da
Beija-Flor, explicava com certa indignação aos repórteres:
“as alegorias das escolas de segunda-feira tinham que estar
na concentração antes das dez da manhã e a Santa Cruz estava
trazendo seu carro agora”. O desentendimento era tanto, que
o abre-alas da Estácio de Sá, terceira escola a se apresentar,
chegou a se posicionar na armação, em frente ao Setor 1, para
uma possível inversão de desfile, mas, logo em seguida, voltou
para a concentração e a Santa Cruz, enfim, começou a ocupar a
armação. Quando iniciou seu desfile, com o enredo
“Ibrahim, de Leve Eu Chego Lá” (uma homenagem ao
colunista social Ibrahim Sued), a escola chegou a ser vaiada por
causa do atraso, mas seguiu em frente para mostrar seu carnaval
orçado em 800 milhões de cruzeiros, cifra alcançada graças ao
patrocínio do champanha M. Chandon e do Grupo Monteiro Aranha.
Muitos colunáveis, para a ira dos críticos, desfilaram entre os
2500 componentes da Santa Cruz, que se apresentou com duas alas
de baianas e levou para a Sapucaí uma bateria das melhores.
Aroldo Melodia puxou muito bem o samba, mas a escola não
conseguiu empolgar. Em termos plásticos, o destaque ficou por
conta do grande carro que mostrava um banquete. O verde e o
branco predominaram, mas, apesar de desfilar mais rica do que de
costume, a escola, com um enredo que não causou muita empatia,
acabou não agradando muito.
ESTÁCIO
DE SÁ –
Embalada por um dos melhores sambas-enredo do ano, a escola
apresentou o tema “Chora, Chorões”, desenvolvido pelo
carnavalesco Fernando Alvarez. A idéia de homenagear o chorinho
e a música popular brasileira agradou os críticos, embora, no
desfile, o enredo tenha sido mostrado de forma pouco criativa e
sem maiores brilhos. No abre-alas, o leão da Estácio marcou
presença para pedir passagem aos mais de 2500 componentes da
agremiação. Os corações decoraram quase todas as fantasias e
alegorias dos primeiros setores. Estavam presentes, inclusive,
nas saias das baianas e num dos carros mais bonitos apresentados
pela escola. A bateria, com notas musicais e penas vermelhas,
exibiu-se bem e o samba melodioso – feito por Djalma Branco,
Caruso, Jangada e Djalma das Mercês – conduziu a escola em
uma apresentação correta. O carro em homenagem ao choro
Carinhoso, de Pixinguinha, foi bastante aplaudido. O vermelho e o
branco, misturados ao rosa, deram leveza ao conjunto visual, mas
faltou um pouco mais de dinheiro para que a escola pudesse ter um
resultado plástico melhor. Apesar da simplicidade, a Estácio de
Sá deu seu recado com simpatia.
IMPÉRIO
SERRANO –
Terminado o desfile da Estácio, um novo contratempo ameaçou
atrasar ainda mais o desfile: o abre-alas da Imperatriz, que
viria a seguir, quebrou na concentração, impedindo a passagem
das demais alegorias. Foi então que o presidente do Império
Serrano, que estava todo armado na concentração do lado oposto,
próximo à Central do Brasil, aceitou desfilar antes da
Imperatriz, para a felicidade do coordenador geral do desfile,
Antônio Lemos. Passava um pouco das 4h30 quando a escola de
Madureira iniciou sua apresentação, com o enredo “Samba,
Suor e Cerveja – o Combustível da Ilusão”, dos
carnavalescos Renato Lage e Lilian Rabello. Para contar a
história do “líquido precioso” os carnavalescos
dividiram o tema em quatro partes. Na primeira, denominada
“A Descoberta”, a escola apresentou uma belíssima
alegoria representando os deuses Ísis e Osíris, que, segundo a
lenda, teriam sido os descobridores das delícias da cevada
fermentada. Sobre o carro, estavam Esther de Almeida e Evandro de
Castro Lima, que, infelizmente, viria a falecer dois dias depois,
com problemas no coração. Plasticamente, a escola desfilou
muito bem, retratando com competência e criatividade a
fabricação e o consumo da cerveja. As baianas, vestidas com a
predominância do dourado, estavam muito bonitas e evoluíram
lindamente, principalmente na Praça da Apoteose, onde fizeram
uma apresentação especial ao público ali presente. Na última
parte do enredo, os carnavalescos retrataram “A
Viagem”, apresentando um carro com belas fantasias. Apesar
do bonito visual, o samba, que era bom, não conseguiu empolgar e
o Império acabou fazendo apenas um desfile correto, sem a
explosão de alegria de anos anteriores. A escola terminou sua
apresentação com o dia praticamente claro e, mesmo sem
conseguir empolgar o público da forma esperada, deixou no ar a
sensação de que fizera um carnaval para estar entre as
primeiras colocadas.
IMPERATRIZ
LEOPOLDINENSE
– Mesmo invertendo sua posição de desfile com o Império
Serrano, a escola não conseguiu arrumar totalmente seu abre-alas
e a linda coroa espelhada da Imperatriz teve que ser puxada por
um guincho, mas, felizmente, desfilou majestosa pela Sapucaí. O
interessante enredo “Adolã, a Cidade-Mistério”, de
autoria de João Felício dos Santos, contava a história de uma
fictícia cidade na Ilha de Marajó, onde os habitantes tinham
poderes fantásticos e faziam rituais vestidos de forma
semelhante aos astronautas, usando objetos rudimentares. O
carnavalesco responsável pelo tema era José Félix, mas,
faltando menos de dois meses para o carnaval, Luizinho Drummond
mandou buscar Arlindo Rodrigues, que retornou à escola e operou
um verdadeiro milagre, transformando o barracão, que estava
atrasado por conta da falta de dinheiro, em uma usina de sonhos
extraordinários. Arlindo optou pelo uso de espelhos e de muito
acetato, obtendo um ótimo efeito, principalmente quando o sol
batia sobre o dourado dos carros e fantasias. A cerâmica
marajoara apareceu na terceira alegoria e o enredo, apesar de
não ser dos mais fáceis de serem compreendidos, foi bem
apresentado. Além do bonito visual, a escola destacou-se pela
excelente atuação de sua bateria e pela apresentação de sua
comissão de frente, que, para o meu gosto, foi a melhor do ano.
Os 2500 componentes, divididos em 28 alas, evoluíram bem, mas a
escola também não conseguiu empolgar e, na Apoteose, alguns
destaques sofreram muito com o calor, sendo que um deles chegou a
desmaiar, precisando ser socorrido às pressas. Para uma escola
em que ninguém acreditava na fase pré-carnavalesca, a
Imperatriz fez muito mais do que era esperado e se recuperou da
fraca apresentação do ano anterior com um belo desfile.
BEIJA-FLOR
DE NILÓPOLIS
– Pouco depois das 8h, cerca de seis horas além do horário
previsto para o seu desfile, a Beija-Flor, finalmente, conseguiu
iniciar sua apresentação. O alto investimento feito para
iluminar todas as alegorias foi por água abaixo, mas, mesmo
assim, os 3500 componentes da escola não se intimidaram e
entraram na Sapucaí cientes de que Joãosinho Trinta havia
preparado um de seus mais criativos desfiles. O enredo “A
Lapa de Adão e Eva” nasceu quando o carnavalesco tomou
conhecimento de que a pedra do Pão de Açúcar é uma das
formações rochosas mais antigas do mundo. Segundo o tema, Eva
teria sido a primeira Garota de Ipanema e Adão, o primeiro
malandro da Lapa. O casal deveria viver entre a divina trindade:
o Pão de Açúcar, o Corcovado e a Pedra da Gávea, mas,
descoberto o pecado, foram expulsos do paraíso Arcos da Lapa
afora, indo parar em Sodoma e Gomorra, cidades caracterizadas
pela Praça Tiradentes em um dos grandes carros da escola. Nesse
mundo louco carnavalizado pela Beija-Flor, os Tenentes do Diabo
lutaram contra assírios e babilônios, enquanto o Rio de Janeiro
transformou-se numa grande Torre de Babel, representada no
desfile por uma enorme alegoria. Colorida e rica, a Beija-Flor
encantou o público com seus carros alegóricos e suas fantasias.
Desde o paradisíaco abre-alas – onde Adão e Eva eram
tentados por Madame Satã – até o final do desfile,
Joãosinho Trinta deu um show de criatividade. O sol forte acabou
não prejudicando e, em alguns momentos, fez reluzir ainda mais
os materiais brilhantes utilizados pelo carnavalesco. Mesmo não
tendo um samba muito bom, o desfile foi quente e a Beija-Flor
chegou à Praça da Apoteose deixando no ar um certo sabor de
vitória, mas a briga com a Mocidade seria muito difícil.
CAPRICHOSOS
DE PILARES –
Bem colocada no carnaval de 84, quando surpreendeu e acabou
chegando entre as seis primeiras, a Caprichosos pisou na Sapucaí
cercada de uma expectativa muito forte, pois seu samba fizera um
enorme sucesso na fase pré-carnavalesca. “E Por Falar em
Saudade”, enredo do carnavalesco Luiz Fernando Reis,
reviveu, com a irreverência costumeira da escola, tempos em que
o povo era mais feliz. “Saudadeando o que sumiu no
dia-a-dia”, a escola lembrou o tempo dos bons políticos e
das eleições diretas para presidente. Chorou saudade de um
Maluf criança e retratou Delfim como um cupido, mas mostrou que
ainda havia lugar para a esperança ao apresentar um carro que
trazia um sol sobre o Palácio do Planalto, numa clara
referência à eleição de Tancredo Neves. O abre-alas foi
composto por um imenso letreiro com a palavra ”saudade”
e por três destaques fantasiados de arlequim, pierrô e
colombina. As primeiras alas estavam simples, mas bonitas, pois o
carnavalesco utilizou cores suaves, que deram uma certa leveza ao
conjunto. Os carros iniciais também me agradaram, principalmente
o que representava as praças, mas, no geral, a escola não foi
bem nos quesitos plásticos. Muitas alegorias tinham formas
grosseiras e pecavam pela falta de acabamento e várias alas
serviam apenas para ilustrar o enredo, sem um compromisso maior
com a estética. O setor que eu mais gostei foi o dedicado aos
carnavais da época de Donga, Ismael Silva e Paulo da Portela. O
samba, apontado pelos críticos como marcheado, empolgou não
somente os mais de 4500 componentes da escola, mas, também, todo
o público, que elegeu a escola de Pilares como uma das melhores
do ano.
PORTELA – Campeã em 84, a Portela
enfrentou um sério golpe na preparação de seu carnaval: um
grupo de aproximadamente 1500 componentes decidiu se desligar da
escola para fundar a Tradição e, como se o baque não fosse
suficiente, quiseram os deuses que o abre-alas apresentasse
falhas poucos minutos antes da Portela iniciar seu desfile. Nada
disso, porém, tirou o brio da escola. Era meio-dia e a águia,
ainda com pequenos problemas, bateu asas rumo à Praça da
Apoteose. O enredo “Recordar é Viver”, do estreante
carnavalesco Alexandre Louzada, era um passeio pelas noites de
glória do Rio, evocando a magia dos cassinos e do teatro de
revista, assim como a emoção dos grandes desfiles da própria
escola. Na primeira parte, o carnavalesco apresentou uma visão
geral da noite carioca, com alas e adereços representando a
gafieira, a malandragem, as festas e os grandes bailes. Os
cassinos ganharam vida em alas vestidas com os naipes do baralho
e num grande carro, com direito à roleta e à mesa verde do
jogo. Uma bonita alegoria representou o teatro de revista e o
circo tomou conta do asfalto quando a Portela relembrou seus
grandes desfiles. Parecia até que tínhamos voltado a 1980, pois
a beleza das alas fantasiadas de palhaços era muito grande. Com
um samba forte, embora não muito bem cantado, e uma bateria
firme, os quase 4000 componentes fizeram uma apresentação
bastante correta. As plumas azuis, em seus mais diversos matizes,
brilharam sob o sol escaldante e a Portela encerrou sua aplaudida
apresentação como uma das melhores escolas do ano. Marcelo Guireli |
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