Coluna do Fábio Fabato
Coluna do Fábio
Fabato
FORDISMO NO SAMBA
Muito curioso ficar navegando pelos sambas
concorrentes que estão disponíveis nos melhores sites do ramo.
O padrão de dois refrões potentes e de poesia geralmente parca,
emoldurados por duas passagens, na grande maioria, sem o menor
indício de visita da palavrinha-mágica “inspiração”,
continua a dar as cartas nas disputas. Mas... O que, realmente,
me soa mais preocupante é o quanto determinados compositores têm
se especializado na prática do auto-plágio, repetindo receitas
já consagradas, e se dedicando à derivação de sambas de
outrora.
Se o grande Chaplin não tivesse tomado o caminho das “Luzes
da Cidade” celestial, certamente, pensaria em um novo “Tempos
Modernos”, só que desta vez totalmente voltado para muitos
de nossos compositores. Afinal de contas, assistimos a uma espécie
de prática fordista do fazer sambístico, (ui...) ou seja, um
tipo de confecção em série de obras para lá de semelhantes,
que atua de forma a dar asas a uma inexplicável padronização
musical, encaixotando a criatividade das composições.
A impressão que tem ficado é a de que os compositores viraram
meros apertadores de parafuso na engrenagem da construção dos
pleiteadores a hino das escolas. As melodias vêm requentadas de
outros carnavais, as letras ficam naquele rame-rame de rimar
“amor” com “calor”, para esquecer a “dor”
e aí... “é nessa que eu vou”! Ou melhor, que eles vão.
Haja chá verde para tanta gordura pesando contra!
Em boa parte dos casos, os sambas nem chegam a ser ruins. Mas...
Remetem tanto ao passado recente das agremiações, parecem tão
inseridos em um modelo pré-fabricado, que acabam deixando um
rastro de sensação déjà vu no ar, de filme de sessão da
tarde que poucos agüentam ver pela ducentésima vez.
Algumas escolas detêm o indiscutível know how da prática. Ou
melhor, determinados compositores, que, ano sim, ano também,
levam o caneco trazendo obras parecidíssimas com as de outros
carnavais. O fato é que foi sacramentada uma espécie de tendência
de construção para determinados hinos vencedores, quase que
sendo proibida a entrada de um novo “olhar” estrutural
nesta chacrinha.
Castra-se a ousadia, o que até pode desmotivar as alas de
compositores. E tudo em função da velha máxima de nosso
esporte bretão, aquela do... “Em time que está ganhando, não
se mexe”. Eis aí a desculpa oficial. Sabe-se lá se existe
alguma oficiosa. Para o carnaval de resultados, talvez a certeza
de uma nota 10. Para quem vê aquela festa muito além da
objetividade falseada dos mapas de apuração, só resta
lamentar.
Estou trazendo uma reflexão novamente romântica, confesso. Quem
sabe até mesmo fora da realidade em que folia acabou se
transformando. Mas, vamos combinar, não há nada pior do que
assistir ao destruir da inocência, ao torpe enquadramento do vôo
emocional que os grandes sambas proporcionam aos apaixonados pelo
carnaval. E não há como negar que até mesmo os carnavalescos têm
contribuído para tamanho podar estético-criativo das obras.
Vê-se um festival de sinopses versificadas pra cá, uma
mistureba de palavreados rimados a contar os enredos pra lá, e
tome as tais formuletas prontas para embasar o processo de criação.
Virou vestibular do samba-enredo. Decorou direitinho o caminho
das pedras, captou direitinho o que o “tio” quer, e o
“aluno” pode ter a garantia de sobrevida para o seu
samba. Claro que nem estou citando os outros fatores de sobrevida
que todos sabemos que existem...
Ou seja, a famosa figura do carnavalesco-estrela ficou obsoleta.
Agora a moda é a do
carnavalesco-estrela-metido-a-Carlos-Drummond-de-Andrade. E
muitos compositores acabam deitando nesta sopa de mediocridade,
contribuindo para desvalorizar a função que ocupam nas escolas.
Silas de Oliveira, no processo de composição das poesias que
criou para o Império Serrano, não se inspirava em pré-poesias
de carnavalesco algum.
Tinha o enredo em mãos, e era ele quem colocava o viés poético
na história descrita. Conservava uma paixão concreta pelo ofício
sobre o qual se debruçava, sabendo de sua importância e
nobreza. Sejamos sinceros: alguém acredita, ainda permanecendo
pelas bandas de Madureira, que a singularidade do samba
portelense "Lendas e Mistérios da Amazônia” seria
possível se houvesse um direcionamento castrador na descrição
do enredo?
Enfim... Fica o questionamento no ar e também o desejo de que a
arte da composição de sambas volte a receber o devido respeito
e amor. Para o bem e longevidade da maior de nossas festas.
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