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Coluna do Fábio Fabato

Coluna do Fábio Fabato

HABEMUS CARNIVALE

O carnaval está muito chato. E não é implicância ranzinza não. Muito pelo contrário. É só o olhar de opinião, ou talvez de sensação, de quem enxerga aquele espetáculo da avenida muito além da baboseira falsamente objetiva de quesitos, micro pentelhésimos de décimos, campeonatos e afins. Pode até parecer discurso-chavão de ex-carnavalesco que virou comentarista frustrado de televisão. Não, não é. E muito menos um olhar meramente saudosista de "Ah! Naqueles tempos era tudo tão melhor..." Nananinanão. Nada disso. Nem cheguei a viver os tempos em que as escolas desfilavam DE FATO. Aliás...Uma pena. Mas, convenhamos, não é muito difícil perceber que as coisas estão fora da ordem mundial. E faz tempo.

No momento em que ficamos, em 2005, mendigando as novidades de Paulo Barros e seu exército adestrado para conseguirmos vislumbrar alguma mera nova coisinha que nos motivasse, percebe-se que há algo de muito podre neste reino da Dinamarca. Nada contra as surpresas propostas pelo carnavalesco, que tem o mérito de haver sacudido a viciada estrutura estética dos desfiles. Pelo menos desferiu um impiedoso chute na mesmice da trupe de Ilvamares, Borrielos e afins, no mercado há milênios, e que estão deitados no berço esplêndido do marasmo não-criativo. Palmas para a Tijuca, minha gente!

Mas, sinceramente, não dá para acreditar (e aceitar!) que a mais popular das festas deste planeta esteja resumida a um baralho gigante inteiramente coreografado e um bando de vampiros careteiros entrando e saindo de caixões. E o pior de tudo: será que os sambistas de outrora chegaram a imaginar que as agremiações por eles construídas com amor e dificuldade se submeteriam ao apelo do luxo fácil através de patrocínios castradores? Acho que não. Mas os restos mortais da folia são estes. Abocanham-se vultosas quantias às custas, justamente, do esquecimento daquele que seria o principal motivo para colocar um ponto nesta tamanha falta de rumo: samba-enredo de verdade.

O fato é que o povão é movido pela palavrinha mágica da novidade. Uma espécie de cultura popular nacional mesmo. Seríamos loucamente tolos se fechássemos os olhos para esta característica. Joãosinho Trinta nunca deixou de ousar, e, por tal razão, sempre haverá de ser o rei do carnaval A questão do novo, do diferente, inegavelmente, exerce força na engrenagem do desfile das escolas. Ainda mais nesta época em que carnavalescos são superstars semi-hollywoodianos. Fetos "eneonzados", astronautas voadores, carros humanizados, mexem com o imaginário coletivo e realçam o caráter de metamorfose da festa.

Agora... Esta constante busca pelo novo notadamente estético, que fez a folia cair na apelação de se render a coreografias de toda espécie, luzes e néons, muito além de uma tendência atual, é o resultado da carência do tal certo elemento básico dos desfiles. Elemento este que, como já disse, poria ordem, ou melhor, desordem (no melhor dos sentidos...) nesta pasmaceira moderna toda. As pessoas, infelizmente, desviaram seu olhar para o impacto visual. E o carnaval acabou ficando uma autêntica chatice luxuosa. 

Ou seja, samba bom hoje em dia virou raridade. E novidade. Uma novidade que poria a locomotiva novamente nos trilhos. Precisou que viessem as polêmicas reedições para que tivéssemos a prova irrefutável desta teoria. Pelo menos neste aspecto, elas, as reedições, foram geniais. Mostraram que muito além de um festival de efeitos especiais, o público quer e clama por samba. De verdade. De fato. E não o festival de marchas e de obras de baixa qualidade que têm desacatado a memória do mais brasileiro dos ritmos. Muito além da repetição de temáticas passadas, as releituras tinham seu foco claro e quase total no canto que as escolas trariam. E é esta onça que iremos cutucar.

O que de novo trouxe o Império Serrano em 2004? O que de novo trouxe para o atual modelo de desfiles? Por incrível que pareça, a novidade foi a de ter trazido um samba de verdade. A "novidade" foi um samba que possuía 40 anos de idade. Dá para acreditar? Mas foi. Independentemente de destaques voadores, bumbos gigantes a perseguirem nobres senhores na comissão de frente, astronautas, DNAs, pavões do rabo humano, peguem uma escola de samba e façam-na desfilar com um samba de qualidade. Verás que ela não fugirá à "luta", com a licença do empréstimo tomado junto ao Império já citado.

Entretanto, a mera opção por reeditar aclamadas obras antigas não pode ser entendida sob outro prisma que não o da correção paliativa. Em 2004, até existia a coincidência do aniversário de vinte anos do Coliseu do Niemeyer, (Uma coisa na linha... "Ok, vale pela comemoração...") mas a função deste túnel do tempo folião já foi cumprida. Trocando em miúdos, ficou provado que a estética do choque não faz e nunca fará frente àquilo que os grêmios, surpreendentemente, passaram a ignorar e que, simplesmente, está escrito na denominação de todos eles: as escolas são escolas de SAMBA, ó pai! Fim de papo.

Mas não deixemos de olhar para frente. Vamos dar asas a novos bons profissionais do batuque, tal qual a plástica realizou na parte que lhe coube neste latifúndio. Afinal de contas, a renovação faz parte de qualquer show, inclusive do carnaval. Os manda-chuvas que comandam o grande espetáculo pensam terem feito o bastante com o espocar das releituras. Estão enganados. Lavam as mãos como covardes Pilatos. E aí, lá vamos nós com mais um ano de reedições liberadas. Porteira aberta. O que apenas deveria servir de alerta acabou por perder o seu sentido, tornando-se praga epidêmica. 

O ideal é motivar os compositores, trazer de volta os que se afastaram, preparar o amanhã. Promover concursos de sambas de quadra, freqüentes grandes rodas, trocas de experiências entre os músicos, o estímulo constante da mais importante das alas das agremiações. Re-desenvolver a consciência de que o futuro do samba está e sempre estará na arte de fazer belas (e inéditas!) composições. Eis aí a receita do verdadeiro carnaval que sonhamos novamente contemplar. Sem modismos passageiros, sem a falsa e ordinária energia (com seus múltiplos "desafios"...) de alguns patrocínios. 

É pena que interesses de toda ordem e a profusão dos escritórios de confecção de obras venham complicando e fazendo pairar a burocracia sobre um dos mais belos ofícios da grande festa. A quarta-feira de cinzas, com os seus envelopes e mapas de apuração, é apenas um mero detalhe quando, na avenida, o espetáculo privilegia o autêntico ziriguidum, e, conseqüentemente, os amantes de todas as gerações. 

Olhar romântico? Pode até ser, meus caros pragmáticos de plantão. Mas somente assim, de fato, "Habemus Carnivale!".

Fábio Fabato