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Editorial Sambario

Edição nº 53 - 28/02/2014

30 Anos de Sapucaí - 30 Momentos - Os tamborins estão esquentados. Os sambas todos na ponta da língua. A dita TPC (tensão pré-carnaval) atinge o seu ápice, à medida em que se aproxima a hora do início da apoteose. Os últimos ajustes são feitos nos barracões. Chegou o momento que todos os foliões aguardam ansiosamente há mais de um ano. E o Carnaval de 2014 é especial. Marca as três décadas da Passarela do Samba, inaugurada num distante março, mesmo mês em que as principais escolas adentrarão a pista a partir da madrugada de sábado. Eu particularmente me considero um contemporâneo do querido palco de ilusões, pois completei 30 anos no último dia 6, momento em que o Sambódromo recebia os retoques derradeiros para os desfiles do mês seguinte. Pra celebrar este Carnaval especial, eis trinta momentos inesquecíveis que a Marquês de Sapucaí presenciou, um de cada ano. Aproveito antes para sugerir a série de colunas fabulosas do meu amigo e jornalista Fred Sabino no site Ouro de ToloSambódromo em 30 Atos, em que ele recorda com detalhes e precisão todos os desfiles na Sapucaí desde 1984. Toda segunda-feira, tem um texto novo na página. Leitura mais do que obrigatória!

 

1984: A Apoteose da Mangueira - Não é novidade pra muitos que o primeiro desfile da história da Sapucaí recebera o boicote da Rede Globo por não concordar em transmitir o espetáculo em duas noites. Tampouco que a então novata Rede Manchete obteve a exclusividade e deixou a Vênus Platinada a ver navios em termos de audiência. Que foi o único Carnaval com duas campeãs, uma no domingo (Portela) e outra na segunda (Mangueira, a supercampeã) já é um fato manjado. Pode parecer clichê eu optar pela volta da verde-e-rosa na novíssima Praça da Apoteose ainda exalando cimento fresco e recomeçar o desfile no sentido contrário, atraindo todo mundo para a pista. Mas é inevitável. Foi um acontecimento único na história recente do Carnaval e, para muitos, o maior momento que a Marquês de Sapucaí presenciou.

1985: Bumbum de Fora pra Chuchu -  Uma Nova República iniciava, um novo horizonte se abria. Após Cazuza entoar "Pro Dia Nascer Feliz" num Rock in Rio esfuziante no mesmo dia em que o povo celebrava a vitória indireta de Tancredo Neves, a Caprichosos de Pilares virou o traseiro para os já decadentes censores e cantou pra Deus e o mundo que "tem bumbum de fora pra chuchu", pedindo a volta das eleições diretas e bradando que "tem muita gente no lugar errado" sem receio algum. Num ano marcado pelo inovador Carnaval futurista de Fernando Pinto, que fez a Mocidade alcançar sua segunda estrela maior, a Caprichosos também marcou época e deixou seu recado.

1986: A Beija-Flor contra a chuvarada - Era ano de Copa do Mundo. A Beija-Flor homenagearia o futebol com o enredo "O Mundo é uma Bola". No instante em que a agremiação nilopolitana iniciou sua apresentação, um dilúvio inundou a Sapucaí, na maior chuvarada em desfiles que se tem notícia. A forte precipitação, porém, serviu para inflamar ainda mais os componentes que, com muita garra, sustentaram um espetáculo inesquecível. A pista inundada não foi qualquer empecilho, muito pelo contrário. Joãosinho Trinta, extasiado, celebrava o toró. "É uma dádiva dos deuses", festejava o carnavalesco.

1987: Eis aqui a grande Tupinicópolis - Um ano marcado pelo nivelamento muito pra cima das escolas. Nenhuma se sobressaiu sobre as outras e várias agremiações foram postulantes ao título, conquistado pela Mangueira de forma contestada por muitos. Vale destacar a originalidade de Fernando Pinto e sua "Tupinicópolis", a utópica metrópole indígena que exaltava a "Boate Saci e o Shopping Boitatá" e fechava o Carnaval daquele ano já com o dia claro, alfinetando a inflação vigente afirmando que um guarani valia mais do que 500 cruzados. Era a despedida do carnavalesco, que morreria num acidente de carro no novembro seguinte.

1988: E a Vila Kizombou - Era ano do Centenário da Abolição da Escravatura. Algumas escolas desfilaram com sambas marcantes referentes ou que faziam menções ao tema, como Mangueira, Portela e Beija-Flor. Mas ninguém superou a Unidos de Vila Isabel. A escola de Noel proporcionaria uma verdadeira Kizomba na Sapucaí. Não foi apenas uma festa da raça negra, sinônimo do termo, mas uma celebração que emocionou a todos. Num chão de dimensões poucas vezes vistas, a azul-e-branco realizou um desfile irrepreensível, apesar da crise financeira que passava e por estar sem quadra na época. O que faltava de plástica, sobrava de garra e energia, reconhecida na leitura das notas. Para muitos, o maior desfile da história da Passarela do Samba. Um momento cuja singularidade foi tão acentuada que uma enchente no sábado seguinte impediu o Desfile das Campeãs daquele ano e, consequentemente, a repetição do épico espetáculo. 

1989: O Cristo Mendigo é eternizado - Meu amigo e compositor Aloísio Villar certa vez disse: "A Imperatriz fez o melhor desfile do ano. A Beija-Flor, da história". Impulsionada pelo samba antológico "Liberdade, Liberdade", a verde-e-branco da Leopoldina ergueria o caneco numa disputa nota a nota com a Beija-Flor de Joãosinho Trinta, cujo desempate sendo definido no descarte de notas nove. Mesmo com a atuação impecável da Imperatriz, o vice nilopolitano com o antólogico "Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia" é até hoje um dos resultados mais comentados e contestados entre os simpatizantes. Ninguém imaginava que a censura da Igreja Católica ao abre-alas do Cristo Mendigo proporcionaria talvez a foto mais famosa da história dos Carnavais da Sapucaí, uma imagem inesquecível até para quem é mais leigo no assunto. A lona preta com a faixa "Mesmo Proibido, Olhai por Nós" até hoje causa um impacto impressionante. A lona fora arrancada por componentes no Sábado das Campeãs ao longo do desfile, que também revelou protestos contra o julgador João Máximo pelo desconto no samba-enredo, por ele não ter entendido o refrão principal.

1990: Vira Virou - O começo do reinado "high-tech" de Renato Lage na Mocidade. Ao lado de Lílian Rabello, o carnavalesco recém-chegado promovia uma revolução estética no Carnaval Carioca. O impactante abre-alas de neon e luzes verdes era a tônica do que a verde-e-branco de Padre Miguel nos ofereceria durante toda a década de 90. O enredo que contava a história e a "virada" da Mocidade proporcionaria lindas homenagens a saudosos baluartes da agremiação, como Mestre André, Arlindo Rodrigues, Fernando Pinto e Ney Vianna.

1991: A exuberância da banana d'água - A Mocidade conquistaria o merecido bicampeonato com um fantástico desfile sobre as águas acompanhado de um samba vibrante. Por falar em água, um banho é o momento marcante do ano, com a modelo Melissa Benson atraindo todos os holofotes para si na apresentação da Imperatriz, ao se banhar praticamente nua em pelo na alegoria da banana d'água. Depois daquele Carnaval, nunca mais se ouviria falar dela.

1992: O fogo consome o sonho da Viradouro - No ano em que a Paulicéia Desvairada e o trem do caipira da Estácio de Sá impediram o tricampeonato considerado certo da Mocidade, um acontecimento triste deve ser destacado. Em seu segundo ano no Grupo Especial, a Unidos do Viradouro, que já havia chamado atenção positivamente no ano anterior, fazia um belo desfile sobre os ciganos, se credenciando às primeiras colocações, até as chamas consumirem de forma meteórica e chocante uma alegoria sobre a Rússia. Em pleno desfile, dois caminhões de bombeiros passaram ao lado das alas em evolução para deter o fogo. Ao mesmo tempo em que o carro se encontrava completamente carbonizado, o então presidente da LIESA, Capitão Guimarães, exclamava com toda a frieza que a escola seria penalizada pelo estouro do tempo. Apesar do desastre, a Viradouro terminaria a apuração em nono lugar, sem correr riscos de rebaixamento.

1993: O Ita faz os corações explodirem - O Acadêmicos do Salgueiro não imaginava, mas a partir do samba-enredo "Peguei um Ita no Norte", iniciava uma nova era no gênero. A Academia então fugia da sua característica de enredos densos, muitos de temática afro, que geravam sambas de melodias primorosas. Optou por uma obra cuja tônica era a animação, cujo desempenho no desfile foi esplendoroso, com a alegria dos componentes transferida para os espectadores. Um vídeo gravado por um turista coreano mostra como o samba contagiou e fez os foliões explodirem de felicidade. Foi o ano em que a empolgação bastou para que a taça fosse entregue à vermelho-e-branco da Tijuca.

1994: Flagra no camarote - Rosa Magalhães inaugurava sua série de vitórias na Imperatriz e a fase dos desfiles tachados de "técnicos e frios, pra jurado", tão perseguidos pelos amantes do samba. Mas nada gerou mais bafafá do que a acompanhante do presidente Itamar Franco, aquele que é mais lembrado pelo topete e pela volta do Fusca do que por ser o governante do Plano Real, no camarote. Os flashes que registraram a ausência da calcinha da modelo Lilian Ramos marcaram época não só nos veículos de fofoca...

1995: Deixem a Portela passar - "Pode preparar o seu confete, que nesse ano na avenida tem Manchete". Só o jingle da saudosa Rede Manchete naquele Carnaval já seria motivo para registros. Mas o sacode portelense com seu "Gosto que me Enrosco" é inesquecível, além de marcar pelas pazes de João Nogueira e Paulinho da Viola com a Águia de Madureira. Entrando no amanhecer da primeira noite, a Portela fez um desfile alegre, excelente plasticamente, além de apresentar um carro de som histórico, com Rixxa tendo como auxiliares Carlinhos de Pilares, Celino Dias e Rogerinho. Até hoje a derrota para a Imperatriz por apenas meio ponto não é digerida pelos portelenses.

1996: O combalido Império emociona - O Império Serrano há muitos anos sofria com problemas financeiros e vinha de duas passagens seguidas pelo Acesso, além de amargar as últimas colocações nos dois anos anteriores. O baluarte imperiano Jorginho do Império puxou a escola sem receber salários. O torcedor da escola também lamentava a recente perda da voz de Roberto Ribeiro, atropelado por um carro um mês antes. O enredo "Verás que um Filho teu Não Foge da Luta", que contava a luta contra a fome, trazia como homenageado o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. Mesmo já bastante debilitado pelo vírus HIV, ele compareceu ao desfile, emocionando os espectadores. Apesar dos visíveis problemas estéticos, o Império mostrou muita garra em seu desfile e, embalado por um samba magnífico, obteve uma honrosa sexta posição.

1997: Caindo na gandaia com a paradinha funk - Quando abriu a segunda noite de desfiles seis anos antes, a então estreante no Grupo Especial, a niteroiense Unidos do Viradouro, já tinha entrado para a história ao realizar um excelente desfile homenageando Dercy Gonçalves, que exibiu os seios octagenários devido ao desconforto com a fantasia. A escola poderia brigar nota a nota com Estácio e Mocidade em 92 não fosse o triste incêndio já relatado. A contratação de Joãosinho Trinta a partir de 94 firmava a Viradouro como emergente potência, que seria confirmada três Carnavais depois. O enredo "Trevas! Luz! A Explosão do Universo" gerou um espetáculo plasticamente primoroso e o samba foi embalado pela mítica paradinha funk de Mestre Jorjão, que levantou o público.

1998: Arrepiando os paralelepípedos - Contestado na época da escolha, o samba que homenageava Chico Buarque, enredo mangueirense, era assinado por compositores paulistanos e parecia limitado poeticamente. Porém, na voz de Jamelão, rendeu lindamente na avenida. Chico emocionou ao entoar o verso "Vai passar nessa avenida um samba popular" no esquenta, acompanhado por um piano. O título daquele Carnaval seria dividido com a Beija-Flor, mas muitos críticos estão de acordo que, se o caneco ficasse apenas com a verde-e-rosa, seria mais merecido.

1999: Os bambas descem do céu - Um Carnaval inesquecível, com direito ao espetacular desfile da Unidos da Tijuca no Acesso e seu antológico samba "O Dono da Terra", a grande apresentação da Mocidade sobre Heitor Villa-Lobos, Quinho esquentando no Salgueiro com "Erguei as Mãos" e as vaias para a campeã Imperatriz no Sábado das Campeãs, que se acentuaram com uma pane no sistema de som. Mas nada supera aquela Comissão de Frente mangueirense trazida por Carlinhos de Jesus. Para o enredo "O Século do Samba", o coreógrafo "ressuscitou" baluartes do naipe de Cartola, Carlos Cachaça, Clara Nunes, Noel Rosa, Candeia, Nelson Cavaquinho, Ismael Silva, Carmen Miranda, Tia Ciata, Pixinguinha, Natal da Portela, Clementina de Jesus e Sinhô. Máscaras de látex (semelhantes às do filme "Uma Babá Quase Perfeita") reproduziam perfeitamente as respectivas feições. Os integrantes da comissão, encarnados nos saudosos sambistas, interagiam perfeitamente com os espectadores, imitando fielmente os trejeitos de cada um. A Mangueira teria problemas no restante do desfile, não se classificando para o Sábado das Campeãs, mas pouco importava. Aquela comissão já estava na história.

2000: Outros quinhentos - Desde 1965 não havia um Carnaval temático no Rio de Janeiro, quando na ocasião todas as escolas homenagearam os 400 anos da capital carioca. Em 2000, as 14 agremiações do Especial trouxeram enredos referentes aos 500 anos do descobrimento do Brasil. A iniciativa limitou os temas e, principalmente, os sambas naquele ano. A Imperatriz conquistaria o bicampeonato, dessa vez sem muitas contestações.

2001:  O homem pode voar - O primeiro Carnaval do novo milênio é simbolizado pelo homem voador, que deixou os presentes na Sapucaí boquiabertos. Como integrante da comissão de frente da Grande Rio, o dublê de astronauta norte-americano Eric Scott, treinado pela Nasa, sobrevoou a Passarela, através de um dispositivo movido à propulsão de nitrogênio. Ele voltaria no ano seguinte e em 2010, porém sem causar o mesmo impacto. Também chamou atenção a Globo transmitir a íntegra do desfile da Tradição, que trazia Silvio Santos como enredo. Foi um festival de SBT na Vênus Platinada, com direito até a entrevista com Lombardi, isso dias depois do Vasco ser campeão brasileiro estampando a emissora do Baú na camisa, numa clara provocação de Eurico Miranda. O jogo do título, é claro, foi exibido pela Globo.

2002: Nove ponto... nove - A Mangueira fez história falando do Nordeste com um samba inesquecível, enquanto a Beija-Flor estava determinada a interromper a série de três vices consecutivos tendo a aviação como enredo. As duas agremiações assumiram a dianteira na apuração, disputando o título nota a nota, com a verde-e-rosa sempre em ligeira vantagem. A adrenalina atingiu seu auge na leitura das notas do último julgador, Mário Jorge Bruno, no quesito Bateria. Um 9,8 ou menos do lado da Mangueira, acompanhado de um 10 da Beija-Flor, faria a taça parar em Nilópólis. A nota máxima ecoa a favor da azul-e-branco da Baixada. Na hora da nota mangueirense, tensão no ar. Jorge Perlingeiro anuncia: "NOVE PONTO...". O torcedor da Manga prende a respiração. A esperança do nilopolitano resplandece. Um milésimo de segundo que parece milênios. Até que Perlingeiro completa: NOVE. Era a única nota além do dez que servia para a verde-e-rosa, que assim festejou seu último título até então.

2003: Um lindo samba assassinado - A Unidos da Tijuca tinha o melhor samba do ano e um enredo aclamado pela crítica. Porém, o desfile do Pavão azul-e-amarelo se tornaria uma sucessão de equívocos. De volta à escola depois de dez anos, Nêgo teria uma jornada infeliz. Com a bateria mais acelerada do que o normal, o intérprete inexplicavelmente berraria o samba (porque cantá-lo...), o entoando num tom muito acima do recomendado, além do cavaquinista também não acertar a mão, de maneira ao seu desempenho ter chamado a atenção de Ivo Meirelles, que comentava o desfile para a Globo, de forma negativa e insistente. O sambista por quase uma dezena de vezes citou o "cavaquinho desafinado". Além da péssima passagem do samba, um fato triste manchou a apresentação tijucana: a queda da atriz Neusa Borges de uma alegoria. A fratura da bacia mais as intervenções cirúrgicas causaram seu afastamento das produções seguintes na Globo. Ela ganharia na Justiça, em processo movido contra a escola, uma indenização de R$ 700 mil.

2004: Desponta Paulo Barros - Os contratempos do desfile recém-citado fariam a Unidos da Tijuca realizar um giro de 180 não só na sua trajetória como também na história recente do Carnaval Carioca. O carnavalesco Paulo Barros, que vinha de bons trabalhos no Grupo de Acesso, debutava no Especial e, de imediato, apresentaria ao mundo o seu estilo de fazer Carnaval: um espetáculo mais teatral, impulsionado por alas coreografadas. Admirado por muitos, contestado pelos mais conservadores, Paulo Barros assombrou os foliões com a alegoria do DNA, em que 127 componentes pintados de azul formavam uma pirâmide humana, cujos movimentos proporcionaram um efeito visual avassalador. A agremiação, então nunca cotada entre as favoritas e que vinha de colocações pífias nos anos anteriores, festejou um glorioso vice-campeonato. 2004 também foi o Carnaval das reedições, com direito ao clássico "Aquarela Brasileira" arrepiando os bambas e fazendo o Império Serrano rasgar o chão da Sapucaí. Os crônicos problemas estéticos tirariam a verde-e-branco da Serrinha do desfile de sábado.

2005: A águia sem asas e o desespero da Velha Guarda - Nilo Figueiredo assumia a azul-e-branco de Madureira prometendo uma "Nova Portela". No entanto, o que se viu foi um desastre ainda maior do que as já sofridas apresentações portelenses no inicio da década. Em virtude do prejuizo causado por um incêndio a 48 horas do desfile que consumiu o abre-alas, na reconstrução da alegoria, as asas da tradicional águia não encaixaram a tempo e ela foi para a pista sem as mesmas. A águia sem asas não seria a única incredulidade daquela apresentação. Outro carro com a ave de rapina, que trazia a Velha Guarda, quebrou ao sair da concentração. Para a escola não estourar o tempo do desfile, Nilo vetou a entrada do carro e, consequentemente, impediu os integrantes da sagrada Velha Guarda portelense de adentrarem a Marquês de Sapucaí. O choro dos baluartes, com alguns precisando de atendimento médico, comoveu o país. Minutos depois, já com o cronômetro paralisado, a Velha Guarda realizou um desfile simbólico no chão, sendo ovacionada pela plateia. A Portela escaparia do vexame do rebaixamento, ficando na 13ª colocação, apenas uma na frente da Tradição, que se despediu do Grupo Especial naquela oportunidade.

2006: Cacófatos e quebras de eufonia - Apenas dois anos depois de voltar para o Grupo Especial, a Vila Isabel conquistava o título no desempate no último quesito (samba-enredo), após terminar a apuração com a mesma pontuação da Grande Rio. Depois da leitura das notas, as justificativas de algumas chamaria atenção, como a do ator Bemvindo Sequeira, que ao julgar harmonia retirou meio ponto da Unidos da Tijuca por considerar inadequados o cacófato "com a músiCAGAnha o coração" (outro jurado também percebeu isto) e a sílaba tônica no lugar errado da melodia (MINHÁ Tijuca), apontando pra quebra de eufonia. Depois desta polêmica, as escolas passaram a tomar mais cuidado com estas questões.

2007: O constrangimento de Beth Carvalho - A Mangueira se ajeitava para o desfile. Na alegoria com integrantes da Velha Guarda, uma ilustre torcedora da escola se preparava para subir no carro. De repente, uma revolta tomou conta do ambiente. Com gritos e xingamentos, a senhora ornamentada era impiedosamente expulsa da alegoria. A imagem da fúria estampada na face do diretor Raymundo de Castro, que agitava seu chapéu fazendo ríspidos gestos para que a pessoa se retirasse, era transmitida ao vivo. Ainda possessa, a excluída, já com os microfones lhe direcionados, balbuciava: "eles não deixaram eu subir". Até desabar em choro. A pessoa em questão trata-se de Beth Carvalho. Acusada de não colaborar com a escola no período pré-carnaval e também por não ser considerada baluarte com 40 anos de desfiles pela Mangueira, a consagrada sambista não só foi impedida de sair no carro alegórico como também sua exclusão foi bastante celebrada mais tarde por Raymundo, desfilante na escola desde 1958 e que protagonizou a insólita cena. Ele perderia a eleição de presidente da verde-e-rosa para Chiquinho da Mangueira em 2013. Já Beth recebeu um pedido de desculpas por parte de Ivo Meirelles, quando este assumiu a agremiação, com a cantora participando das faixas de 2011 e 2012 no CD.

2008: O último desfile de Jamelão - No ano marcado por mais um título da Beija-Flor, do show imperiano no Grupo de Acesso e pela punição à São Clemente por uma modelo ter desfilado com um tapa-sexo minúsculo, de maneira a implicar genitália desnuda, o samba e o Carnaval perderiam, em 14 de junho, José Bispo Clementino dos Santos, que entre 1949 e 2006 (apenas com o hiato de 1985) empunhou o microfone principal da Mangueira. Um dos últimos pedidos de Jamelão teria sido não virar enredo da verde-e-rosa (Jacarezinho lhe "desobedeceria" ao homenageá-lo em 2013 no Acesso). Antes do enterro, o caminhão de bombeiros que trazia o caixão com o corpo do cantor realizou um sublime tributo, ao promover o derradeiro "desfile" de Jamelão pela Marquês de Sapucaí, ao percorrer os 700 metros do Sambódromo. De arrancar lágrimas!

2009: A superação de Neguinho - O mundo do samba ficou apreensivo, às vésperas daquele Carnaval, com o estado de saúde de Neguinho da Beija-Flor. Diagnosticado com câncer no intestino, era grande a possibilidade do cantor desfalcar a azul-e-branco de Nilópolis pela primeira vez desde 1976. Tanto que, na gravação do samba-enredo no CD, antes do grito de guerra o intérprete pronunciou "agradeço a Deus e àqueles que rezaram e continuam orando pela minha recuperação". Efeito das sucessivas sessões de quimioterapia, Neguinho apareceu debilitado, de cabeça raspada e com uma tunica branca. Mas as chances de recuperação na época eram elevadas e seu sorriso e alto astral característicos estavam mais fortes do que nunca. Tanto que, minutos antes de começar a apresentação da Beija-Flor, ele se casou em plena concentração da Sapucaí com Elaine Reis, sob os holofotes da imprensa e com Roberto Carlos como ilustre espectador. Na avenida, nem parecia que Neguinho estava descontado: cantou o samba nilopolitano com a categoria de sempre, emocionando os presentes. Como todos sabem, Neguinho se curaria, para a felicidade de todos.

2010: É segredo, não conto a ninguém - A Unidos da Tijuca vinha desacreditada, após Paulo Barros fazer a escola bater na trave por diversas vezes na disputa pelo título em meados da década passada. Depois de dois anos na Viradouro e um na Vila Isabel, o carnavalesco retornava ao Pavão para desenvolver o enredo "É Segredo", sugerido por um jovem estudante. No Carnaval anterior, um constrangedor nono lugar para a agremiação. No entanto, Paulo Barros recuperou a autoestima da Unidos da Tijuca ao inovar mais uma vez, com a inesquecível Comissão de Frente em que, em truques de ilusionismo, trocava as cores das roupas das componentes, causando um alvoroço entre os espectadores. Com a apresentação que manteve o excelente nível até o fim, a agremiação conseguiria enfim quebrar o jejum que se perdurava desde 1936, ao conquistar o troféu distante da Tijuca há mais de sete décadas.

2011: Incêndio na Cidade do Samba - A exatamente um mês para o início do Carnaval daquele ano, a Cidade do Samba era vitimada por um grande incêndio, que consumiu os barracões de Grande Rio, Portela e União da Ilha. A agremiação de Duque de Caxias foi a mais prejudicada pelas chamas. Comovida com a tragédia, a LIESA determinou que nenhuma escola seria rebaixada em 2011, e as três escolas não entrariam no julgamento, sendo consideradas hors-concours. No desfile, Portela, Grande Rio e, principalmente, Ilha realizaram belas apresentações, demonstrando empolgação e garra, e com a parte estética qualificada, apesar do tempo reduzido para refazer os elementos. Fazendo menção ao incêndio, a Grande Rio desenvolveria um enredo sobre todas as formas de superação no ano seguinte.

2012: A Manga descompromissada - Motivada pelo sucesso do paradão da bateria, em que o Surdo Um silenciou os instrumentos durante uma passada inteira do samba de 2011 - levando o público ao delírio -, a Mangueira resolveu repetir a dose, mas de maneira exacerbada. Aproveitando sucessivos problemas no sistema de som da Sapucaí, a escola realizou diversos paradões, com direito até a revezamento de cantores no desfile: Dudu Nobre e Alcione chegaram a puxar sozinhos trechos do samba. Os intérpretes mangueirenses apareceram ora no carro de som, ora num tripé. Outra inovação foi a apresentação do casal de mestre-sala e porta-bandeira Marcella Alves e Raphael no meio da bateria, num expediente inédito. Foi uma apresentação no mínimo curiosa, com o número elevado de paradões fazendo o samba voltar atravessado algumas vezes, prejudicando a harmonia e impedindo a Mangueira de voltar nas Campeãs. Mas emocionou quem estava presente na Sapucaí.

2013: Festa no arraial é pra lá de bom - Talvez o último samba-enredo que tocara o público no Sambódromo, de maneira a embalar a escola diretamente para o título, fosse Mangueira 2002. Até despontar a "festa no arraial" da Vila Isabel, que fecharia os desfiles do ano passado. A expectativa para a execução da obra, de autoria de um verdadeiro dream-team de compositores, era imensa. E Martinho da Vila, André Diniz, Arlindo Cruz, Tunico da Vila e Leonel acertaram a mão como poucos. Quase que o velho Martinho José Ferreira não permitira sua assinatura no samba-enredo. Só cedeu após ver a palavra "partilhar" na letra, já que só topava entrar na parceria se o samba citasse a reforma agrária. Seu filho Tunico conta todo o processo de composição e sobre como foi difícil dobrar o velho Zé Ferreira neste link. Com um desempenho arrepiante, o já clássico samba tornou a leitura das notas uma mera formalidade para a confirmação do título para a Vila.

E que venham os próximos 30 Carnavais. O primeiro a partir desta sexta-feira. Um Feliz Carnaval da Família Sambario para todos os amantes do samba!

Marco Maciel
sambariobr@yahoo.com.br