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SAMBA EM TEMPOS DE PANDEMIA
 
Edição nº 106 - 14/03/2024

SAMBA EM TEMPOS DE PANDEMIA


O samba venceu, como sempre
Crédito: Daniela Maia/RioTur

Parece que foi ontem. O pesadelo que vivemos completou quatro anos neste mês de março. Foi um momento em que a incerteza reinou em todos os aspectos, enquanto os ataques à cultura popular se intensificaram. Em meio ao caos daqueles tempos ainda recentes, marcado por um governo nefasto que propagou mentiras e descaso, o Carnaval foi rotulado como bode expiatório. Ou seja, recebeu uma responsabilidade por ter "espalhado" a pandemia pelo país.

Foi mais uma provação pela qual o samba teve que passar, entre tantas que o gênero enfrentou e superou nos últimos 100 anos. O ódio contra o maior espetáculo audiovisual do planeta proliferou, mas a resposta triunfal como sempre seria na base da arte, da inspiração, da poesia e da melodia.

Durante o nada saudoso 2020 sem vacina marcado por tantas perdas, as agremiações não pareciam ter esperança de que haveria Carnaval no ano seguinte. A perspectiva negativa proporcionou lançamentos de concursos de samba tardios, sem pressa para suas conclusões. Afinal, não havia a permissão da saúde pública para os eventos. O público se acostumou com as lives no YouTube, que passaram a ser companheiras no período de reclusão. O SAMBARIO e outros canais do meio carnavalesco traziam debates e entrevistas, enquanto as transmissões de musicais das escolas de samba ajudavam a angariar doações.

A Unidos de Padre Miguel seria pioneira ao disponibilizar toda a disputa de samba em tempo real no seu canal na plataforma de vídeos, com os concorrentes defendidos a cada eliminatória para uma quadra vazia. O samba-enredo que representaria o tema Iroko - É Tempo de Xirê foi escolhido ainda em meados de 2020, sem qualquer garantia se o Carnaval voltaria um dia. Eram tempos tão confusos que, logo após o cancelamento do Carnaval 2021, o Paraíso do Tuiuti chegou a eleger uma música vitoriosa para o enredo Soltando os Bichos, mesmo depois da desistência de sua utilização na Sapucaí.

As dores causadas pela pandemia ajudaram a gerar alguns grandes hinos com a capacidade de justificar o contexto daquele "novo normal" que hoje se tornou datado. Com a certeza de que não haveria desfile das escolas de samba em 2021 na Sapucaí, as agremiações foram lançando os sambas concorrentes na virada de 2020 para 2021, ao invés da metade do ano como de praxe. Num expediente único na história do Carnaval, os sambas-enredo para o Carnaval 2022 foram comunicados durante as gravações do programa da Globo Seleção do Samba, com os resultados divulgados simultaneamente nas respectivas quadras.



O samba-enredo desafiaria o coronavírus e algumas obras se tornaram o reflexo daquela página infeliz de nossa história. A Unidos do Viradouro anunciou, ainda nos primeiros dias da pandemia, o enredo Não há Tristeza que possa Suportar tanta Alegria. Baseado no livro Metrópole à Beira-Mar do escritor Ruy Castro, o tema abordaria o Carnaval de 1919 realizado durante o surto da gripe espanhola, similar ao que acontecia com a covid-19. Entretanto, os sambas dos compositores não agradaram à escola, que mandou voltar as obras.

Em entrevista para a LIVE SAMBARIO, Felipe Filósofo surpreendeu ao se declarar aliviado com o "recall" promovido pela Viradouro. Com a pouca repercussão de seu primeiro samba para o tema, o compositor "sentiu o lirismo" e ficou à vontade para aplicar suas conhecidas ousadias ao propor o histórico samba-carta. Recentemente, a presente epístola escrita pelo pierrot apaixonado que "tirou a máscara no clima envolvente" completou 105 anos no último dia 5 de março. Com o agradecimento à saúde e o clamor por Obaluaê no terreiro, assim como na folia do longínquo ano de 1919, no Carnaval no atípico abril de 2022 "se afastou o mal que nos separou".



Outra obra aqui lembrada perderia na final, que foi a da parceria de Samir Trindade para o enredo Igi Osè Baobá da Portela. Aclamada pela bolha carnavalesca, o samba era melancólico em muitos trechos, ao mesmo tempo em que alfinetava o então governante do país. "Mito é Paulo Benjamin / Por todo portelense que nos deixou / Clamo às raízes, resistência ao ditador" resumia o pensamento dos sambistas na época, de tristeza por quem partia, mas sem se resignar por quem debochava das dores alheias. Em São Paulo, a Rosas de Ouro cantaria no Anhembi, enquanto mostrava na última alegoria o futuro inelegível fugindo da vacina: "Que a ciência seja a fonte do saber". Composto ainda em 2020, a letra do hino suspirava: "Saudade de te abraçar".



Na mesma linha, a tão esperada homenagem a Martinho da Vila pela Vila Isabel trouxe versos mais otimistas, que felizmente acabariam proféticos. "Tão bom cantarolar porque o mundo renasceu / Me abraçar com esse povo todo seu". Vale registrar o período da gravação da vibrante versão concorrente da obra (num dos melhores registros dos compositores do gênero), num começo de 2021 em que a vacina CoronaVac desenvolvida pelo Instituto Butantan devolvia a esperança aos brasileiros. Mais do que nunca, faria sentido o verso "A vida vai melhorar", que, segundo André Diniz para a LIVE SAMBARIO, teria uma terceira repetição ao invés das duas na passada final do refrão.


Como num conto de fadas ou numa novela com final feliz, o ódio seria suplantado por uma declaração de amor: "Carnaval, te amo, na vida és tudo pra mim".

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Marco Maciel
Twitter:
@marcoandrews