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Coluna da Denise

ANÁLISE DOS SAMBAS DO GRUPO ESPECIAL 2013

23 de dezembro de 2012, nº 43, ano VI

Gostaria de propor uma análise diferente. Meu propósito aqui é dar minha primeira impressão dos sambas, sem me preocupar com notas e sim com a proposta de enredo de cada escola.

Quanto ao CD, acho que a capa e sobrecapa melhoram, mas ainda estão deixando a desejar. Será que é tão difícil colocar uma foto decente de uma alegoria ou de algum setor da escola no CD, como, por exemplo, aquelas qe ilustram o CD da Série A? Quanto à gravação dos sambas, alguns deles melhoram em relação à versão divulgada pelos compositores, mas outros tiveram uma ligeira decaída.

FAIXA 1 - UNIDOS DA TIJUCA – O enredo é muito bom, pois não me recordo de ter visto a Alemanha ser decantada na avenida. Pelo ineditismo, já nos chama a atenção, ainda mais com o pretexto de o ano da Alemanha no Brasil ser comemorado em 2013. O samba tem uma passagem maravilhosa “Metade do meu coração é Tijuca a outra metade Tijuca também”, um achado. A primeira parte remete ao poderoso Thor, fio condutor do enredo, uma opção inteligente, já que o estilo Paulo Barros promete muitas trovoadas da crítica especializada, uns contra e outros a favor. Mas um fato é unânime, a passagem da Tijuca, geralmente, provoca o público e não será diferente neste enredo. Não ficará pedra sobre pedra após a passagem da escola, isso me arrisco a dizer. O primeiro refrão, menos sedutor, fala das artes, uma referência ao cinema (o anjo azul Marlene Dietrich), literatura (Goethe) e a música (as sinfonias de Beethoven). A segunda parte do samba nos leva ao cenário infantil dos irmãos Grimm. Falta no samba, na minha visão, a parte do enredo dedicada à culinária alemã. Não podemos dizer que se trata de um grande samba, ainda mais de uma escola que já levou clássicos para a avenida, como “O Dono da Terra”, mas acredito que o samba cumpre seu papel em apresentar o enredo aos espectadores. Por lógico, esperava-se mais da atual campeã.

FAIXA 2 - SALGUEIRO – Um enredo criticado pelo patrocínio de uma revista de celebridades (Tá na capa da revista, o meu pavilhão. E na CARA dessa gente), mas que ganhou conteúdo nas mãos do casal Lage. O samba aborda os cinco minutos de fama de uma forma bem leve e irreverente, mas começa e termina revelando que os sambistas do Salgueiro é que são os verdadeiros artistas do enredo (Tenho fama de fazer história por ser diferente. Quem me ama é parte das páginas que escreviSou eu o artista, famoso sambista. Me chamo Salgueiro). O samba aborda personagens históricos – Alexandre, o Grande, Luis XIV, John Lennon (imagine teve gente se achando mais que Deus), os Beatles (Causar histeria, arrastar multidões), Che Guevara (Revolucionar com os seus ideais), que, com certeza, darão conteúdo ao desfile. E a parte final passa a retratar as desconhecidas celebridades instantâneas (Vida de celebridade é um vai e vem), ainda mais na propagação da Internet (cair na rede) e da infestação dos paparazzi (“Vem cá meu bem, ajuste o foco, vou nessa foto te revelar para o mundo inteiro). O samba é valente e os compositores conseguiram retratar a sinopse de forma bastante convincente, dando leveza e humor, armas mais que poderosas para seduzir os espectadores do desfile.

FAIXA 3 - VILA ISABEL – Quando o aparelho de CD sintoniza a terceira faixa, os ouvintes percebem logo a qualidade e a superioridade do samba da Vila. O enredo singelo, conduzido pela maestria de Rosa Magalhães, foi captado de forma excepcional pelos compositores, que fizeram uma grande obra. No CD, no entanto, a voz de Martinho da Vila dando uma de Barboza, personagem de Ney Latorraca na novela satírica “Fogo no Rabo” (em que repetia a última sílaba de cada palavra falada) chega a incomodar, mas nada que dificulte a compreensão do belo samba. O refrão do meio representa bem o interior brasileiro (Ô muié, o cumpadi chegou. Puxa o banco, vem prosear. Bota água no feijão, já tem lenha no fogão. Faz um bolo de fubá). Não bastasse essa identificação imediata, o samba, por inteiro, retrata o enredo de forma bem objetiva. Tá tudo ali no samba: o despertar cedinho (o Galo cantou), a dedicação e amor pela terra do homem do campo (arar e cultivar o solo) e o anoitecer (Cai a tarde, acendo a luz do lampião) ao som da viola e a festa no arraiá. E para arrematar, uma verdade absoluta, que merece bis: “Vila, chão da poesia, celeiro de bamba”. Parabéns, Vila Isabel.

FAIXA 4 - BEIJA-FLOR – Só mesmo uma escola da estirpe da Beija-Flor para levar um inusitado enredo sobre cavalo e construir dele um bom samba. Tirando os relinchos exagerados da faixa no CD, o samba retrata bem o enredo e tem uma melodia ascendente, muito gostoso de cantar. O samba passa pela antiguidade (Venho de longe de uma era milenar. Presente grego), mitologia (Com asas surgiu do infinito, tão claro mito), pela importância do animal em algumas civilizações (A joia rara de Alah! Cigano... Buscando a purificação!), no transporte e no comércio (É o bonde que vai, carruagem que vem...), para enfim contar a origem do Manga Larga Marchador e sua ligação com o Brasil, especialmente a região das Gerais. Qualidades do samba, sem dúvida, são as expressões que mexem com os brios dos componentes, tais como “Sou um puro sangue azul e branco... (...) Se a memória não me falha.. Chegou a hora de gritar é campeão!”).  Não é, por assim dizer, um grande samba, mas que cumpre bem o papel de contar uma boa história embalada por uma melodia de qualidade, ainda mais valorizada pela interpretação sempre eficiente e elegante de Neguinho da Beija-flor.

FAIXA 5 - GRANDE RIO – Um samba que impressiona pela sua simplicidade. Um tema um tanto quanto oportunista, mas que tem tudo a ver com a escola Grande Rio e com o Rio de Janeiro. Não é a primeira vez que o petróleo é decantado na avenida e talvez essa seja a tarefa mais árdua da escola de Caxias. Com um refrão de gosto duvidoso e com tendência a ser interpretado de forma pejorativa (Um Grande Rio de amor sou eu Vem cá, me dá, o que é meu, é meu), os compositores optaram pela linguagem direta (É o ouro negro nosso carnaval) e sem a preocupação de concatenar as ideias do enredo. Pois é, o termo "royalties", que é a tônica do enredo, sequer entrou no samba. Da mesma forma, ficaram de fora do samba a indústria do petróleo e os produtos e suas aplicações no nosso cotidiano. O samba tem passagens também desnecessárias como: Uma eterna paixão de enlouquecer. Minha escola é meu bem querer e Vem, me dar um beijo amor. Na praça ouvindo o sino tocar. Com todo respeito aos compositores, a Grande Rio merecia um samba melhor estruturado. 

FAIXA 6 - PORTELA – Mais uma vez, no quesito samba, a Portela não decepciona. Embora tenha gostado mais do samba na versão dos compositores nas eliminatórias, o samba do CD ainda é um dos destaques da safra de 2013. Nada melhor que nos 90 anos da escola dedicar um hino de amor à quatrocentenária Madureira, “a capital do samba que faz sonhar”. Melhor ainda se aproveitar o enredo para homenagear os 70 anos de vida de Paulinho da Viola (E lá vou eu cantando com a minha viola. O amor tem seus mistérios por onde me deixo levar). Daí, o samba cita as origens do bairro (No engenho da fazenda dos cantos de "canaviá"), a religiosidade (Bate o sino da capela. Que é dia de santo sinhá. Tem mironga de jongueiro, o tambor me chamou pra dançar), o Mercadão, Zaquia Jorge (a estrela brilhou no tablado), futebol (O Madura pisou no gramado), o carnaval, a co-irmã Império Serrano (surgiu a coroa imperial) e a Portela (o orgulho soberano que traz os poetas soberanos nesse trem para cantar). Ou seja, uma letra perfeita, uma melodia redondinha e um enredo pra lá de sedutor. Sem reparos. Parabéns, Portela.

FAIXA 7 - MANGUEIRA – Poderia ser mais um enredo geográfico. O enredo e o samba ainda têm os clichês de encaixar um baluarte da escola no enredo, dessa vez o grande Jamelão no ano de seu centenário de nascimento, o que poderia nos dar um sinal de déjà vu. Mas se trata de Mangueira e aí, “na dúvida, nem encosta”... Samba valente, tem de tudo para se valorizar mais ainda na avenida pela bateria Surdo Um, independentemente da polêmica duplicação da ala de ritmistas das escolas. A Mangueira pode tudo. O trem da Mangueira, apesar da crise que vive a escola, parece que percorrerá os trilhos da história de Cuiabá de forma bastante tranqüila, exaltando a história, a fauna, as lendas e mistérios, a arte, a culinária, ou seja, chavões comuns a todo enredo geográfico. Como a escola não é boba, procurou no samba exaltar o seu farto terreno, bem mais familiar que a longínqua capital de Mato Grosso. Assim, a Cuiabá ganhou tons verde e rosa, num surto imaginário dos compositores do samba (Bambas imortais, o eldorado dos antigos carnavais. Cidade formosa... verde... rosa). Apesar de algumas passagens confusas, o samba é bom.

FAIXA 8 - UNIÃO DA ILHA – Decantar o poetinha Vinicius de Moraes novamente na avenida não é tarefa das mais fáceis da União da Ilha. Nem mesmo o fato de ligar a vida do homenageado ao bairro, parece sair do lugar comum do enredo. O samba merecia versos mais elaborados, claro que sim, afinal se trata de um dos poetas, contemporâneos e versáteis, mais importantes do Brasil. O samba começa na infância do homenageado na Ilha do Governador e evolui para mostrar a pluralidade de Vinicius, diplomacia (Oh, pátria amada receba esse menestrel), teatro (Orfeu da Conceição), na música (bossa nova, parceria com Tom Jobim e na fase baiana Toquinho e Baden Powell), o amor (mulheres, garota de Ipanema) e a fase infantil (A Arca de Noé). Senti falta no samba da fase boêmia de Vinicius, que a meu ver tem tudo a ver com o estilo leve da Ilha (Hoje eu vou tomar um porre...) No mais, fica a sensação de que o samba poderia ser melhor, mas que está longe de ser um samba ruim. 

FAIXA 9 - MOCIDADE INDEPENDENTE – Um super desafio é o que se espera da Mocidade. A despeito de o regulamento proibir, a escola o driblou e traz a “marca” Rock in Rio, agora internacional, para a avenida, com o pretexto de falar do rock. De forma direta, clara e sem subterfúgios. Mais explícito que isso impossível. Nem mesmo o iogurte da Porto da Pedra chegou à tamanha ousadia. Como a Liesa não se manifestou de forma contrária, entende-se que a escola obteve a autorização da entidade para fazer o explícito merchan. Como a escola se preocupou com a marca e não com o rock em si, o samba não teve como fugir desse equívoco e aí passamos a ter de conviver com Da lama então, a flor se abriuA vida é um show, Maraca é vibração. É o samba-rock meu irmãoVou pra Lisboa, eu vou na boa e numa só voz ecoar... Muito mais que um som pra curtir, conquistei a arena de MadridUm mundo melhor... Que felicidade no Rock in Rio eu vou de Mocidade. Sem comentários. Para não ser injusta, vale destacar o melhor trecho do referido samba: Meu baticumbum é diferente. Não...Não existe mais quente. Saudade da Mocidade de Fernando Pinto, Arlindo Rodrigues e Renato Lage.

FAIXA 10 - IMPERATRIZ LEOPOLDINENSE  – A Imperatriz traz um tema recorrente no carnaval, o Estado do Pará. Nada de novo na sinopse, a não ser, talvez, a presença brega tupinambá de Gaby Amarantos. O samba também não sai do lugar comum: o ritual indígena, culinária, danças típicas, artesanato e religiosidade... Mas, cumpre bem o papel de exaltar as qualidades do Estado, sem grandes destaques isolados que mereçam alguma menção. Bem fez a Viradouro que, para falar do Pará, não se arriscou e trouxe o famoso samba da ex-São Carlos, hoje Estácio de Sá. Um clássico, diga-se de passagem.

FAIXA 11 - SÃO CLEMENTE – O enredo é bem interessante e de, certa forma, inédito e popular. Faltam citações a novelas de outras emissoras, lógico que sim, mas talvez não caibam na palma de nossa mão as novelas que tiveram destaque fora da emissora de Roberto Marinho. A fusão de dois sambas também fez com que a novela Roque Santeiro fosse exageradamente destacada na letra, perdendo-se preciosidades como a exaltação a Pai Herói e a sua ligação com Ivo Gomes, patriarca da família clementiana (embora no final do samba ele e D. Marina recebem uma feliz homenagem). Falta menção a Odorico Paraguassu, que na sinopse vive e mora no Congresso Nacional; Ravengar, que tem caso com a Rainha Valentine; Salomão Hayalla, as gêmeas Ruth e Raquel e o Beato Salu, todos presentes na sinopse, mas, com certeza, eles se juntam aos “milhões de imortais”: aos irmãos coragem (Roberto, Ricardo e Renato), à “viúva Porcina sambando igual mulata”, Roque e Sinhozinho Malta, Gabriela, Tieta e Pérpetua, Isaura, Jade, Dona Redonda, Odete Roitmann, Julia Mattos e Herculano Quintanilha. Esses personagens abrilhantam na segunda parte do samba, mais marcheada e popularesca, antecedida pela primeira parte, mais melódica que dá o seu recado (No espelho, a magia atravessa gerações, está no ar a mística das grandes emoções... coragem irmãos, que a viagem tem os dramas da vida que imitam a arte, as lutas de um povo e suas bandeiras, amores e risos por todas as partes). Agora uma coisa é unânime: gostem ou não do samba, Igor Sorriso mandou bem e é o melhor interprete da atualidade, digno de um estandarte na categoria principal. “Sim meus pretinhos”.

FAIXA 12 - INOCENTES DE BELFORD ROXO – A caçulinha da Baixada, depois de tanta polêmica, tem a tranquilidade de estrear no Especial. Escolheu o enredo geográfico, deixando que a Coreia do Sul decida sua sorte no grupo. Não tenho dúvidas de que o País tem algo a mostrar na avenida e que o competente carnavalesco pode nos aproximar mais da cultura do oriente. Para mim, no entanto, tanto o enredo com o samba retratam a calmaria do Rio Han, pois não se destacam e nem me provocam curiosidade. A escola não ousou, não procurou aproximar o enredo dos brasileiros e, na minha opinião, os melhores trechos do samba em nada tem a ver com o enredo e sim com a Cidade do Amor (Vim mostrar o meu valor. Inocentes, razão do meu viver. Avante Cidade do AmorChegou o grande dia ao despertar de um sonho especial).