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Coluna da Denise

50 ANOS EM 5

12 de outubro de 2011, nº 41, ano V

Nesse mês de outubro de 2011 comemora-se o cinquentenário da São Clemente, escola representativa da Zona Sul, que, desde 1961, materializou o sonho do saudoso visionário Ivo da Rocha Gomes e até hoje o mantém por meio de sua tradição, bom humor e irreverência, marcas registradas dessa agremiação que fez história nos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro.

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Desde sua estreia nos desfiles oficiais, ocorrida em 1962, na Avenida Rio Branco, a escola assumiu o compromisso de levar enredos que representassem nossas riquezas, mas foi em 1964, que a escola conquistou seu primeiro título, ao retratar o período de 45 anos do vice-reinado na cidade do Rio de Janeiro. 

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Rio de Janeiro, aliás, que sempre ilustrou os desfiles da escola, do Rio de Antanho, dos tempos dos lampiões a gás, ao Rio atual, do choque de ordem. E não é por menos, pois sua ligação com o Rio está impregnada como tatuagem, haja vista que um dos maiores símbolos da cidade maravilhosa – o pão de açúcar - vem estampado em sua bandeira.

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Entretanto, foi retratando o folclore brasileiro, no carnaval de 1966, que a escola conquistou o seu lugar ao sol na elite do carnaval. Naquele ano, a escola conquistara mais um título, no desfile apoteótico que versou sobre lendas, cultos e manifestações regionais brasileiras.

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Após a estreia no Grupo Especial em 1967, em que exaltou as festas e tradições populares do Brasil, a escola voltaria a desfilar no grupo de elite por mais 12 vezes, sendo a última a do carnaval de 2011, no qual, mais uma vez, exaltou as paisagens da cidade maravilhosa.

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Um fato triste ocorreu em 1969, quando, devido a atrasos, os jurados abandonaram o palanque e não julgaram a escola, que concorria a uma vaga no Grupo Especial, com o enredo Assim Dança o Brasil. O samba-enredo desse desfile, aliás, foi o primeiro a ser reeditado na história do samba, pois seria novamente apresentado pela escola em 1981.

Os anos seguintes foram anos difícieis, em que a escola manteve-se em boa parte da década de 70 no segundo grupo, chegando a ser rebaixada para o terceiro grupo em duas ocasiões: em 1978 e em 1980.  Essa dura realidade, agravada com a perda de seu fundador, Ivo da Rocha Gomes, após o carnaval de 1980, entretanto, não retirou da escola a doce ilusão de ver sua história transformada para melhor nos anos seguintes.

Assim, a virada da São Clemente começou a se desenhar a partir do carnaval de  1982, quando atravessou o arco-íris, as intocáveis tempestades e a escuridão da noite, para inaugurar a passarela do samba, no carnaval de 1984, concorrendo a uma vaga no Grupo Especial.

Se o sambodrómo constitui um divisor de águas para o carnaval carioca, para a São Clemente, ele foi a mola precursora do encontro com seu estilo: o de apresentar-se antenada com os anseios do povo brasileiro, através de enredos críticos e de cunho social. Foi assim com o enredo "Não Corra, Não Mate, Não Morra: O Diabo Está Solto no Asfalto", sobre o caos e a violência no trânsito, através da figura carismática de Zeca Passista, que encantou as arquibancadas e a trouxe de volta ao Grupo Especial.

Foi no Grupo Especial, alías, que a escola viveu sua fase áurea, nos anos 80. E logo na estreia da Liesa no comando do carnaval, a escola apresentou o inesquecível “Quem casa quer casa”, uma inteligentíssima sátira que retratava o sério problema do déficit habitacional no Brasil. Como era de se esperar, a escola arrebatou dois prêmios estandarte de ouro: de enredo e de comissão de frente. Tanto esforço, entretanto, não foi suficiente para mantê-la na elite, mas o destino ainda a reservria muitas emoções.

No ano seguinte, de volta ao acesso, a escola encantou público e jurados com o enredo "Muita saúva, pouca saúde, Os males do Brasil são", abordando o descaso com a saúde no Brasil, enredo vencedor do Estandarte de Ouro e que carimbou seu passaporte para mais uma oportunidade no Especial.

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E que oportunidade. 1987 pode ser considerado como um marco do crescimento da escola. Com o inspiradíssimo enredo Capitães de Asfalto, uma réplica análoga à obra de Jorge Amado, Capitães da Areia, a escola saiu na vanguarda, ao tocar na ferida do ineficaz política do Estado para o menor abandonado que perambula pelas ruas das grandes metrópoles. A escola capitaneou o público e a crítica, que pararam para ver, apreciar e refletir sobre o enredo da escola. Na apuração, o 7º lugar honrou o desfile da escola e mais uma vez a escola arrebatou o estandarte de ouro de melhor comissão do Grupo Especial. 

O honroso 7º lugar lhe trouxe a gana de disputar posições melhores, ao tempo que lhe trouxe a responsabilidade de se firmar entre as grandes escolas de samba cariocas. Nos anos seguintes, mais críticas, seja através de um grito de alerta contra a violência nos centros urbanos ou por meio da denúncia acerca da influência norte-americana na vida econômica e cultural brasileira. 

Mais o melhor estaria por vir. A última década do milênio se aproximava e a São Clemente, inspiradíssima, levou para 1990 o célebre enredo profético "E o samba sambou", sua mais ousada e criativa crítica acerca dos rumos cada vez mais comerciais que tomavam conta da nossa festa maior. Na apuração do desfile, a São Clemente chegou a ficar em primeiro lugar, prometendo ser a maior zebra do carnaval. Porém, no final da apuração, a razão prevaleceu e, com méritos, a Mocidade foi aclamada vencedora.

O sexto lugar no desfile de 1990 pode não ter sido justo, devido ao sucesso daquele desfile, mas o inesperado estaria por vir. O rebaixamento no carnaval 1991 talvez motivado por represália, não pôs um ponto final, mas aquele desfile apocalíptico interrompeu a trajetória ascendente da escola.

Vida que segue, a escola foi defender o pão de cada dia. Desfilou o descaso com a educação, pegou carona com os caras-pintadas do Governo Collor e retornou à elite, com contestação, em 1995, apostando na recuperação do orgulho brasileiro, após a sonhada conquista do tetracampeonato de futebol.

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A canoa voltou a virar, a escola foi mais uma vez rebaixada, mas a escola não deixou de remar, apresentando a enseada de Botafogo e um pouco da história do bairro e da escola no apoteótico desfile de 1997. Se a ascensão em 1994 tinha sido contestada pelas demais co-irmãs, a escola foi vítima de uma das maiores injustiças já cometidas no carnaval carioca. O desfiile de 1997 foi dos mais belos da história São Clemente e o sonho de voltar a ser Especial ruiu após empatar com mais duas escolas e ser preterida por meio de um injusto sorteio, cujo consolo foi ouvir os gritos de "é campeã" no desfile das campeãs, conquistado por meio de decisão judicial.

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Mordida, no ano seguinte, a escola clamou por justiça, dando voz ao povo em sua busca pelos direitos essenciais: saúde, educação, emprego, moradia. Com esse desfile, a escola conquistou uma das vagas do Grupo Especial, desperdiçada por sua modesta passagem em 1999, na discreta homenagem ao advogado, jornalista, político, diplomata e abolicionista Rui Barbosa.

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Mas foi no novo milênio, que a escola voltou a arrasar na avenida. O desfile de 2001 entrou para a história dos desfiles do Sambóromo e proporcionou um dos melhores momentos da história da escola de Botafogo. A São Clemente sacudiu a Sapucaí, que cantou junto e gritou "É campeã". Foi um dos momentos mais interativos da Sapucaí, desde o Ita do Salgueiro em 1993. 

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Nesse ínterim, seguindo as novas tendências do mundo do samba, a escola também se rendera aos chamados enredos patrocinados, especialmente os geográficos, que a fizeram percorrerer por Sergipe, Guapimirim e Mangaratiba. Esse último, aliás, valeu-lhe mais um campeonato no Grupo de Acesso.

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Seu compromisso com a irreverência que estava adormecido, ressurfiu na elite no desfile de 2004. Enquanto a ordem da Liesa era para que as escolas fizessem remakes dos grandes sambas históricos, a São Clemente revisitou sua tradição de carnavais bem-humorados, marcados pela crítica política e social, ao ponto de se envolver  em polêmica com o Presidente da Câmara dos Deputados, na época, João Paulo Cunha.  O desfile misturou épocas da história do Brasil, desde a invasão holandesa, para falar das maracutaias da política brasileira e do jeitinho brasileiro de querer levar vantagem, partindo da promessa do conde holandês Maurício de Nassau ao povo pernambucano de fazer um boi voar. O injusto rebaixamento, entretanto, confirmou a caretice de um Brasil na era do “politicamente correto”.

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De volta no acesso, a escola apresentou três belíssimo carnavais, em um desles prestou bela homenagem a Luiz Gonzaga e Gonzaguinha. Nos outros, cumpriu com seu papel social ao dedicar enredos à terceira idade e às minorias, esse último lhe valeu mais um campeonato e sua volta à elite do carnaval.

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Com muito luxo, em 2008, a escola voltou ao Especial para homenagear os 200 anos da transmigração da realeza portuguesa, soc a ótica da mãe do rei d. João VI, Dona Maria, "a Louca". A escola, entretanto, derrapou no menor tapa-sexo usado no carnaval, que deu 3,5 minutos de fama à modelo que o vestiu e mais dois anos de grupo de acesso à São Clemente.

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O quinto campeonato, entretanto, não tardou a chegar. Se o beijo moleque do primeiro palhaço negro do Brasil não seduziu os jurados, os xerifes na Fiel bateria  convocaram os desfilantes da escola para botaram ordem na folia, num desfile arrasador, onde se destacaram a evolução e a harmonia perfeitas, cuja meta foi atingida.

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Na volta ao Especial, no carnaval fatídico sem rebaixamentos, por causa do incêndio na Cidade do Samba que alijou da competição três grandes escolas, a São Clemente, pelas mãos do carnavalesco promissor, Fábio Ricardo, pode não ter vencido a resistência dos jurados, mas ganhou, com a tragédia, mais um ano para convencê-los. E é em 2012, madura, que a cinquentinha São Clemente planeja encontrar o sucesso e afastar a pecha de escola ioiô. Para tanto, a escola se aventura entre as grandes escolas do carnaval carioca, sem medo de ser feliz, afinal “the show must go on”.