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Coluna da Denise

A BOA TRILHA SONORA DO GRUPO ESPECIAL

2 de novembro de 2010, nº 36, ano III

As gravações oficiais ainda não foram divulgadas, mas estou muito feliz com as escolhas dos sambas das escolas do Grupo Especial para 2011. Com algumas exceções, acho que a trilha sonora do carnaval 2011, embora não tenha um samba que se destaque, está muito boa e aqui vão os parabéns para os compositores, que souberam extrair o que havia de melhor das sinopses, a despeito de alguns enredos, à primeira vista, mostrarem-se bem frágeis para sustentar um bom desfile.        

SOU CARIOCA E SÃO CLEMENTE

O desfile começa com um samba muito bom da escola São Clemente. A escola nem precisava fazer fusão de sambas, pois tinha uma excelente safra. Afinal, falar do Rio de Janeiro sempre rendeu bons sambas e em 2011 não vai ser diferente. O refrão principal atende ao apelo popular, mexe com os brios dos componentes da escola, numa auto-afirmação necessária, e impulsiona a escola a se superar para conseguir o objetivo de ficar no Grupo Especial. A melodia e a letra do samba, apesar da fusão, encaixaram-se com perfeição e representam dignamente o enredo, que pode ser sintetizado como um hino de amor à Cidade Maravilhosa. A história da cidade do Rio de Janeiro, concebida no enredo, está toda ali: a paisagem divina, a cobiça estrangeira, a urbanização, a civilização e a musicalidade e a preservação. Ou seja, o samba conseguiu dois objetivos: contar o enredo originariamente concebido e comunicar-se com o público interno e externo da escola.

É VERDE E BRANCO O DNA DA IMPERATRIZ

Se a Imperatriz não vem logrando boas colocações nos últimos carnavais, isso não se deve a sua ala de compositores, que mais uma vez foram muito felizes, conseguindo produzir uma excelente obra de um enredo não tão brilhante quanto o samba. Na viagem do tempo para contar a história da medicina, o samba passa pelos rituais africanos, renascimento e iluminismo para chegar ao carnaval e concluir que o prazer de sambar faz bem a saúde.  A parte do enredo que fala do período das trevas que antecede ao período do renascimento foi desprezado pelo samba, acredito até pelo inexorável necessidade de citar a Igreja Católica. Também no samba não há uma melhor descrição dos avanços da medicina, que é a base do enredo. Tal fato, a meu ver, prejudica a análise do samba, que como disse, é magnífico, mas que não conta a sinopse como ela foi concebida.

A MOCIDADE COLHE O QUE PLANTA

Com o compromisso de superar a difícil fase que vem passando há algum tempo, a Mocidade mais uma vez se preocupa em um levar para a avenida um samba mais apelativo, que procura uma comunicação imediata com o público, de forma a deixar os componentes “acesos” durante toda a trajetória na avenida. O intento pode até dar certo, mas, para nós amantes do carnaval e da escola, fica uma pontinha de decepção, pois o samba poderia ter optado por um caminho mais consistente. O enredo está contado no samba, o problema é que a concepção do samba o deixou quase como uma mensagem subliminar, sem destaque. Assim, a despeito de alguns setores da escola terem sido reproduzidos no samba (geleiras, a adoração aos deuses, a festança ancestral do carnaval e a opressão da religião), o samba se enveredou, mais uma vez, para exaltar a época áurea da Mocidade, que não se encontra descrita no enredo. Resta conferir se a alegria dos componentes podem compensar esses pequenos deslizes do samba.

O JOGO DE CENA DA TIJUCA

Em excelente fase, a Unidos da Tijuca brinca mais uma vez com o tema proposto e escolhe um samba propício para fazer o seu jogo de cena na Marquês de Sapucaí. O truque dessa vez é ser provocativo com as demais co-irmãs, que vão ter de literalmente “rebolar” para acompanhar a criatividade da equipe de criação da escola do Morro do Borel. E sobrou para todo mundo, até para a própria Tijuca, que terá de se superar, para continuar dando as cartas na avenida. O samba tem uma melodia ascendente e uma construção muito interessante, brincando com as sensações de medo e de prazer do desconhecido, tendo por pano de fundo os filmes, especialmente os “B”, da tela de cinema. Exatamente por representar sensações indescritíveis, o samba há de ser conjugado com o visual da escola apresentado no desfile. Só assim poderá ser avaliado se ele é funcional. Por isso, qualquer análise do samba nesse momento se torna precipitada.

O BRILHO, A RAIZ E A SEDUÇÃO DA VILA ISABEL

De um tema aparentemente frágil, a Vila Isabel da excepcional Rosa Magalhães conseguiu fazer um enredo bem entrelaçado, que resultou num dos melhores sambas do carnaval de 2011. Por lógico, o samba aproveitou o ensejo para deixar bem claro que a instituição Vila Isabel não se confunde com a situação pessoal de qualquer de seus dirigentes, por isso deve ser respeitada. Tal qual Penélope, que fiava à espera de Ulisses, a Vila carrega seus fios de libertação pela história da humanidade, tendo por pano de fundo o poder, a sedução e a beleza em torno dos cabelos. Tal como concebido na sinopse, o samba faz um enlace perfeito dos episódios históricos contados no enredo, com uma melodia pra lá de inspiradora, que dá vontade de cantar.

O FILHO FIEL DA ESTAÇÃO PRIMEIRA DE MANGUEIRA

A belíssima homenagem ao centenário de nascimento de Nelson Cavaquinho merecia da Mangueira um samba de maior identificação. Não estou dizendo aqui que o samba escolhido pela escola é ruim, mas, para mim, ele não se destaca na safra do carnaval de 2011. Penso até que, em algumas passagens, o samba me parece bem burocrático para a forma de concepção de desfile que estamos acostumados a presenciar da Estação Primeira. Em algumas passagens, o samba me parece um pouco melancólico, quando, na realidade, esperava-se um samba valente, pra cima, envolvente, como tantos já levados pela Mangueira. Assim, dou-me o direito de esperar a gravação oficial para melhor analisar esse samba.

A CELEBRAÇÃO DA VIDA PELA ILHA

O bom enredo desenvolvido pelo não menos excelente Alex de Souza também merecia um samba mais apropriado para o desfile da União da Ilha. A letra, a meu ver, comete algumas inconsistências de pronúncia, como as do refrão principal (Hoje eu quero brindar “QUA ILHA”), além de conter algumas rimas pobres e batidas, que comprometem a beleza do enredo como concebido na sinopse. A melodia também me parece marcheada, o que, de início, faz-me classificar o samba como o mais fraco do Grupo Especial, num primeiro momento.

A PROJEÇÃO DO RIO NAS LENTES DO SALGUEIRO

Detentor da sinopse mais criativa do carnaval de 2011, o Salgueiro até que escolheu um bom samba para representá-lo, mas que está muito aquém da brilhante sinopse. Para o cenário ficar perfeito, como alude o samba, que mistura personagens da cidade maravilhosa com o glamour hollywoodiano, falta a leveza e a naturalidade da tão decantada malandragem carioca, que está inteligentemente representada na sinopse. Por exemplo, Carlota Joaquina, que representa o marco da retomada do cinema brasileiro, emerge das águas da Guanabara, em busca do tesouro perdido e submerso de Atlântida. Tal tesouro também é objeto de cobiça de Madame Satã, outro ícone da nova fase cinematográfica brasileira, que tem na Lapa o cenário perfeito para o uso da malandragem. Essa bela sacada da sinopse, embora captada pelos compositores, foi reproduzida em versos picotados no refrão do meio que tiraram toda a mágica das citações. Orfeu, também revisitado pela atual fase do cinema brasileiro, ressurge do cenário de uma favela (não decantada no samba) que ainda é a paisagem do faroeste urbano, das tropas de elite, cidade de Deus e 174, não destacados também do enredo. De qualquer sorte, o samba se destaca e foi abraçado pela comunidade, o que dispensa maiores comentários.

O HORIZONTE AZUL DA PORTELA

A Portela tem o samba-enredo mais descritivo entre as escolas do Grupo Especial. Sem apelar para a fórmula de frases de efeito e de versos mais curtos e envolventes, a escola se destoa das demais. O samba da escola é o que pode ser chamado de legítimo samba-enredo. Retrata fielmente a trajetória marítima imposta pelo enredo da escola, do mitológico reino de Poseidon e suas criaturas fantásticas, do histórico comércio de especiarias, que levaram a era das grandes descobertas, do tráfico negreiro e finalmente a importância do Porto do Rio para a economia brasileira. À primeira vista, o samba da escola pode não parecer simpático, mas ele está longe de ser um samba mediano. É muito bom.

A MAGIA DA GRANDE RIO

Em linha oposta à Portela, a Grande Rio optou por um samba curto e de efeito, ressaltando os principais aspectos relacionados à ressaltando os principais aspectos relacionados ao efeito, elegendo os aspectos om o glamour hollywoodiano  amente despercebid cidade de Florianópolis, patrocinadora do enredo. A letra do samba peca exatamente pelos cortes abruptos, que acabam por prejudicar a melodia também. Se a letra fosse um pouco mais trabalhada, procurando encadear as ações propostas pelo enredo e evitando as frases soltas sem qualquer conectivo, poderia melhorar a compreensão do samba pelos ouvintes.

A TRANSFORMAÇÃO DA PORTO DA PEDRA

O enredo supostamente infantil da Porto da Pedra tem um propósito muito “claro”. A escola quer deixar a estagnação que a mantém no Grupo Especial e pretende alcançar sonhos mais altos. Por isso que a palavra de ordem na escola é TRANSFORMAÇÃO. Não é à toa, que ela é repetida no samba escolhido. A inspiração veio da obra de Maria Clara Machado, que rendeu boa sinopse e um bom samba. O samba tem uma excelente melodia, crescente, e uma letra que o mantém fiel à obra da autora, mas não ficou “claro” para o público a conexão da obra de Maria Clara com os propósitos transformantes da escola, objetivo do enredo.

A SUPOSTA SIMPLICIDADE DA BEIJA-FLOR

A sinopse mais poética do carnaval rendeu um bom samba. A aparente simplicidade proclamada pela escola se faz sentir na letra do samba, que ao contrário da sinopse, é clara, objetiva, nada rebuscada e se peca é exatamente pelo excesso de simplicidade. De positivo, é o samba que remete a uma imediata comunicação com o público. A melodia do samba é excelente. Resta saber se o samba escolhido servirá ao propósito de desfile da escola, haja vista que a suntuosidade da Beija-flor e a própria trajetória do Rei Roberto Carlos, à primeira vista, de simples não tem nada.

Agora é aguardar a divulgação do CD e rever, como de costume, todos os posicionamentos iniciais dos sambas, haja vista que a magia em torno das escolhas vai se delineando com o tempo, especialmente nos ensaios a céu aberto das escolas.