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Coluna da Denise

O CÉU, A TERRA E O SUBTERRÂNEO

13 de setembro de 2010, nº 35, ano III

Depois de muita indefinição acerca da filiação das escolas do Grupo B, o carnaval de 2011 dos grupos de acesso pode ser classificado em dois grandes pólos: aquele das escolas filiadas à Lesga, que desfilam na Sapucaí, palco das escolas da elite do samba, e o das demais, filiadas à Associação, que participam do desfile na Intendente Magalhães. Essas últimas, com o afunilamento dos grupos, precisarão de muito esforço, visão administrativo e persistência para galgarem a longínqua trajetória a caminho da luz.  

Comecemos nossa abordagem pelo Grupo A, porta de entrada para se chegar ao Grupo Especial. A surpresa desse grupo é a presença da Viradouro, que após 20 anos consecutivos no Grupo Especial, reestréia no Grupo de Acesso. A escola de Niterói, sob nova direção, tenta afastar a crise com o enfoque na comunicação como forma de unificação dos povos, para concluir que o amor é a força motriz do universo. E é com a força do amor da comunidade que a escola de Niterói espera carimbar sua volta ao Grupo Especial. É cedo para prognóstico, mas se o enredo, na sinopse, soou repetitivo, a favor da escola contam a coragem de mudar, a contratação do carnavalesco Jack Vasconcelos, campeão recentemente no grupo pela União da Ilha - que pode ser o diferencial para o desenvolvimento do tema - e a grande expectativa dos amantes do carnaval pelo pronto restabelecimento da escola.

Também tentando afastar a crise, que volta e meia bate a sua porta, o Império Serrano, também sob nova direção, resolveu homenagear a vida e obra do poeta Vinicius de Morais em detrimento de um enredo inédito, que a mídia carnavalesca chegou a sugerir: Dona Ivone Lara. A sinopse pareceu-me algo muito aquém das enormes possibilidades sobre o tema, limitando-se a registrar a biografia do poeta. De qualquer forma, com o apoio da comunidade da escola, que em tempos de crise possui uma força arrasadora, o Império promete. Espero que os compositores consigam ser mais felizes na concepção do hino da escola.

A Caprichosos, outra tradicional escola que precisa se restabelecer, repete a linha saudosista em sua abordagem ao subúrbio carioca. A sinopse deu muita ênfase às transformações estéticas, comportamentais e a ausência de políticas governamentais para os suburbanos, mas deixou escapar a parte nostálgica e bucólica dos versos da música Gente Humilde, fonte de inspiração para o título do enredo. A despeito disso, o enredo pode ser considerado como o melhor do grupo.

Também na mesma linha do enredo passado, a Renascer continua seu mergulho no universo das águas, desta vez trilhando o caminho geográfico de Águas de Lindóia. Confesso que fiquei um tanto decepcionada com o enredo, haja vista que a escola de Jacarepaguá pode ser considerada como a mais promissora da atual década. No mais, o desfile da escola é uma ótima oportunidade para conferir a criatividade de Paulo Barros sem o excessivo rigor técnico que permeia o desfile do carnavalesco no Grupo Especial.

Já a Rocinha mudou o estilo. É o que eu especulo, após a saída de Mauricio Mattos e a contratação de Luiz Carlos Bruno. Parece-me que a escola tende a apresentar um estilo semelhante ao levado pela Renascer, com um diferencial importante, uma vez que a escola traz um inédito e interessante tema sobre o vidro.

Na linha de renovação, o velho e ótimo Estácio aposta em um jovem talento lapidado nos grupos de acesso, Marcus Ferreira, para conduzir o enredo mais romântico do grupo - uma exaltação às rosas. De concreto, a promessa de dar ênfase à estética da escola, já que nos outros quesitos, a Estácio vem provando ano a ano que está em plenas condições de voltar a desfilar no Grupo Especial.

Por falar em mudanças, as comportamentais, científicas e tecnológicas vivenciadas pelo Brasil e o mundo na década de 60 virou tema da Santa Cruz. Fugindo um pouco de sua linha tradicional de desfile, especulo que a escola venha muito colorida e mais solta em relação aos desfiles passados. O tema, pelo menos, promete alegria, descontração e irreverência, que podem dar o tempero especial que a escola precisa para afastar a utopia e concretizar o sonho de voltar a conquistar espaço no carnaval.

O Império da Tijuca trouxe uma descritiva sinopse para justificar o enredo sobre a diversidade do carnaval pelo mundo. A escola do Morro da Formiga vem a cada ano ganhando destaque no grupo, especialmente pelo desenvolvimento de seus enredos na avenida. A diferença para 2011, a meu ver, reside no fato de o enredo exigir um pouco mais de volume da escola, o que pode propiciar um belo conjunto e uma grata surpresa.

A Alegria da Zona Sul reestréia no grupo clamando por justiça, no enredo sobre Xangô, que se traduz numa ótima oportunidade de encarar a sempre difícil missão de abrir os desfiles. O enredo pode ser considerado como um dos melhores do grupo, o que exige da escola uma postura mais centrada e organizada de desfile.

Em meio a tantos enredos concretos, a Cubango investe no abstrato universo das emoções, com a missão de resgatar a auto-estima após o indesejado resultado do carnaval de 2010. Confesso que, pela sinopse, não consigo ver um enredo cronológico na avenida e talvez esse seja o principal entrave para a escola.

A Inocentes de Belford Roxo traz o enredo mais inusitado do grupo sobre o efêmero conjunto musical Mamonas Assassinas. Não se sabe ao certo qual é a verdadeira pretensão da escola, já que lutar por uma vaga no Grupo Especial com esse tipo de enredo parece algo (quase) impossível. Devido ao contestado vice-campeonato, acredito que o objetivo da temática é aproximar-se do público, numa linha mais solta, descontraída e de fácil leitura. Alguns enredos grotescos, como, em princípio, soa esse a ser apresentado pela escola, podem até surpreender na avenida, mas em sua maioria só confirmam a fama de ruim.

O Grupo B, como já dito, passará a ser administrado pela Lesga. Nesse grupo, coube a abertura à escola Difícil é o Nome, que comemora sua volta a Sapucaí com o inesperado enredo sobre aniversário. O encerramento ficou por conta do Tuiuti, que vem se especializando em enredos homenagens. Dessa vez o tema é Caetano Veloso. A favela se faz presente sobre duas óticas: a da Independente de São João de Meriti, que apresenta uma sinopse bem elaborada e consistente, e da Lins Imperial, que, pela sinopse, pretende ser mais direta, menos filosófica e mais concreta. São duas faces de um mesmo enredo que somente na avenida para saber qual das duas será mais feliz. O Sossego exalta o sol, já decantado em outras oportunidades na avenida, mas que sempre rende bons desfiles. O Sereno, sempre uma grata surpresa na avenida, conta a história do perfume, seguindo os passos do carnaval levado há alguns anos pela Estácio no Grupo Especial. A União de Jacarepaguá traz como tema a feijoada, com a responsabilidade de passar na avenida um desfile leve sem fugir do lugar comum que o tema proporciona. Em meio a alguns enredos bem elaborados, parece-me que a União se contenta em permanecer no grupo. O Arranco, que desfila no dia internacional da mulher, faz de sua reverência às mulheres um tema propício para apaziguar os recentes e péssimos exemplos de violência contra as homenageadas que tomam conta da mídia brasileira. A escola do Engenho de Dentro tem tudo para fazer um bom desfile e assegurar a esperada ascensão. O DNA do samba carioca passará pelas escolas União do Parque de Curicica e Unidos de Padre Miguel. Essa última, tendo por mote a vida de Tia Ciata, apresentou uma sinopse muito bem elaborada acerca das origens das escolas de samba, prenúncio de um belo desfile. Enquanto a Unidos de Padre Miguel está empenhada para bancar seu favoritismo, a Tradição, na data desta coluna, não tinha escolhido o enredo.

E o Grupo C, que passou a ser a elite da AESCRJ, inexplicavelmente desfilará com 16 escolas em um único dia. É um dos grupos mais difíceis de fazer prognóstico, pois existem muitas escolas em igualdade de condições de furar o bloqueio e passar a desfilar na Sapucaí em 2012. Algumas dessas escolas, entretanto, não deram sorte no sorteio do desfile. É o caso do Unidos do Jacarezinho, que pagou um preço alto pela péssima escolha do enredo em 2010, que lhe valeu o rebaixamento. Coube-lhe abrir a maratona de desfiles da Intendente. Seguindo uma tendência que tem prevalecido nesse grupo, a escola optou por levar um tema infantil, que contou com uma apropriada e encantada sinopse. De igual modo, tentando apagar os erros cometidos em 2010, o Boi da Ilha foi buscar na lenda do guaraná a força vital para tentar sua volta à Sapucaí. Nessa fase inicial de trabalhos, destaca-se o empenho do Engenho da Rainha, que vem fazendo um excelente trabalho de bastidores, que pode render bons frutos no elogiável enredo em homenagem à grande Portela. Outras escolas se destacam no grupo pela organização, mas com propostas de enredos muito batidas. É o caso de Vila Kennedy, que traz o geográfico enredo sobre Itaguaí, Abolição, em mais uma exaltação à Bahia, e Vila Santa Tereza, cujo enredo é a tão decantada Amazônia. Tão recorrentes também são os enredos de Em Cima da Hora e Favo de Acari, porém ambos, por abordarem o carnaval, são sempre bem-vindos nos desfiles. Assim como o enredo da Villa Rica, mais uma visão sobre a formação do povo brasileiro, que sempre dá caldo no carnaval. Povo esse que será exaltado pela Flor da Mina do Andaraí, a escola que vem se caracterizando por boas passagens na Intendentes, mas que não se sai tão bem na Sapucaí.  exaltado pela Flor da Mina do Andarapaalesde a er, a canarnaval. favoritismo e lis,s da Vizinha Faladeirana,upo. Ainda temos enredos com propostas simples para o peso de suas escolas (as cartas da Vizinha Faladeira, o ritmo da Unidos do Cabuçu e os jogos da Corações Unidos do Amarelinho). Outros temas não se revelam por si mesmos, como o mistério da Rosa de Ouro, a abstração do Arrastão de Cascadura.  Não tenho notícias da Unidos da Ponte, escola que padece na Intendente, mas que sempre se espera a hora de sua virada.

No Grupo D, merecem destaque a bela homenagem do novato Império da Praça Seca ao grande Império Serrano, da Mocidade de Santa Marta ao bicentenário do bairro de Botafogo, da Unidos de Cosmos ao passado e  futuro do petróleo, na figura de Monteiro Lobato e o pré-sal, e da Mocidade Independente de Inhaúma, na interessante temática sobre o universo das jóias.  A Delírio da Zona Oeste, sob o pretexto de homenagear a madrinha Beija-flor, pega o rumo de Nilópolis e exalta o trabalhado social promovido pela família David, em especial ao &ldquopapai&rdquo Anísio.

Por fim, no Grupo E, a presença ilustre da Unidos de Lucas, que escolheu como tema o amor do trio mais famoso do carnaval &ndash pierrô, colombina e arlequim. Sob máscaras, confetes e serpentinas, espero que a escola reverta a ridícula trajetória recente que desonra a sua tradição. Não tão romântica, a promissora Matriz de São João de Meriti promete fazer da Intendente uma alegre brincadeira de carnaval. A despeito de duas temáticas sobre o fogo passarem pelo Boêmios de Inhaúma e pela Arame de Ricardo, o desfile promete muita diversidade: a africanidade da União de Vaz Lobo, a história do sorvete do Chatuba de Mesquita, a homenagem a Monteiro Lobato pela União de Guaratiba e a referência à realeza do Infantes da Piedade. Encerrando o carnaval no dia internacional da mulher, a Canários homenageia a presença feminina na história, prometendo uma abordagem atualizada da reedição do carnaval levado há 20 anos pela escola.

Essa nova definição de papéis do carnaval carioca, que se restringe a definir a entidade que administra determinados grupos, acentuou a enorme distância entre as zonas inferiores e os planos superiores de grupos de desfiles. Enquanto a política de passagem das escolas de um nível para outro for minimizada a uma mísera vaga, na maioria dos grupos, não vislumbro a retomada do prestígio e da importância cultural dos desfiles de escolas de samba no cenário nacional.


denisefatima@gmail.com