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Coluna da Denise

A DIMENSÃO DOS ENREDOS ATRAVÉS DAS SINOPSES

11 de agosto de 2010, nº 34, ano III

Com todas as sinopses divulgadas, que materializam a divulgação dos enredos, o carnaval de 2011 das escolas do Grupo Especial deu seu pontapé inicial. Se outrora, as sinopses serviam não só para ajudar os compositores dos sambas, mas também para qualificarmos o enredo (bom ou ruim) e até apontarmos possíveis favoritas, hoje a sua dimensão está mitigada. No carnaval cada vez mais competitivo, excessivamente padronizado, outros fatores, com peso oficial ou não, sobrepõem a essa primeira criação artística, tais como: as concepções de fantasia, alegorias, coreografias. sambas-enredos e, principalmente, a concretização de ideias impactantes e inovadoras no dia do desfile.

Uma grata surpresa dos enredos escolhidos foi o fato de lembrarmos de uma tradicionalíssima agremiação que há um bom tempo não se faz presente no Grupo Especial: a Unidos do Cabuçu. Dois dos enredos escolhidos por duas campeãs da última década, já foram levados pela escola de Lins de Vasconcelos: Beija-flor e Unidos de Vila Isabel.

A Beija-Flor, que encerra o desfile do Grupo Especial prestando uma homenagem ao Rei da MPB, Roberto Carlos, possui uma sinopse caprichada e repleta de poesia, que reconta a trajetória do cantor em seus 50 anos de profissão. Pela sinopse, percebe-se que a escola de Nilópolis vai apostar em um estilo diferente do que estamos acostumados a ver passar em seus desfiles, especialmente o dos últimos anos. O foco, é lógico, é voltar a vencer na avenida, já que os jurados vêm sinalizando mudanças na tendência do julgamento da nova década. De plano, já podemos constatar o sucesso da investida, já que o enredo proporcionou um recorde de sambas inscritos e nos parece ser o campeão da mídia carnavalesca do próximo ano.

A Unidos de Vila Isabel, a despeito dos fatos externos ao carnaval que envolvem a presidência da agremiação, parece não ter sido afetada por esse inconveniente. A escola traz o inusitado enredo sobre os cabelos. Pelas mãos da carnavalesca Rosa Magalhães, que faz sua estreia na agremiação, a sinopse viajou através dos tempos e da cultura de diversificados povos (hindu, incas, chineses, russos, egípcios, franceses, africanos, romanos, americanos e brasileiros). Tudo do jeitinho que a carnavalesca gosta e sabe fazer. O enredo passa pela história das civilizações, com destaque para registros bíblicos e do mundo infantil, e termina nas marchinhas carnavalescas, com as figuras pitorescas decantadas por Lamartine Babo. De um enredo classificado precipitadamente como ruim, a escola do bairro de Noel pode demonstrar em desfile exatamente o contrário, uma vez que nos parece que o enredo escolhido pode proporcionar a leveza que a escola tanto necessita, evidente sua ausência no desfile de 2010.         

O Rio de Janeiro, tema recorrente do carnaval, é personagem principal ou pano de fundo de três agremiações do grupo: São Clemente, Salgueiro e Portela.

A São Clemente tenta mais uma vez sua sorte no Grupo Especial, motivada pelo bem sucedido resultado favorável da União da Ilha em 2010, que assim como ela, veio do acesso e abriu o desfile do Grupo Especial. A Ilha quebrou o tabu de as escolas ascendentes serem rebaixadas na quarta-feira de cinzas. Se por um lado esse fato pode ser um estímulo, a escola da Zona Sul deve estar consciente de que a estatística ainda não lhe é nada favorável. Talvez por isso, escolheu um enredo de fácil comunicação com o público, que tem um apelo direto, já que o Rio de Janeiro seduz não só aos cariocas, mas a todos os cidadãos do mundo. A luta da São Clemente é tão heroica quanto a do Conselho Deliberativo da Criação Divina do enredo, responsável pela criação da Cidade homenageada. O enredo é dividido em 7 quadrantes que tenta passar por todos os grandes fatos marcantes da nossa cidade, entre eles:  a criação divina, numa licença poética que inclui São Sebastião e São Clemente; as invasões estrangeiras; a transmigração da família Real; as obras de Pereira Passos que deu ao Rio um ar de Paris dos Trópicos; a musicalidade desde o samba boêmio do Centro da cidade à bossa nova da Zona Sul; os problemas característicos do crescimento desordenado da cidade; e, por fim,  o maior patrimônio da cidade, o CARIOCA. O grande desafio da escola é juntar todos esses fatos, que dariam vários desfiles, em um único, de forma coesa e linear. A depender da sinopse, acredito que a escola conseguiu tal encadeamento. Nessa luta incessante para permanecer Especial, a escola foi buscar um dos carnavalescos mais promissores da atualidade, Fábio Ricardo, que faz sua estreia solo no Grupo Especial.

O Salgueiro, na minha opinião, possui a sinopse mais criativa do carnaval de 2011. O enredo, que nasceu com o propósito de mostrar a visão cinematográfica do Rio de Janeiro, ganhou contornos inteligentes e sequenciais dignos de uma produção hollywoodiana. Está tudo ali, na Atlântida do Salgueiro, cruzam-se Carlota Joaquina, Madame Satã, Carmen Miranda, Orfeu e tantas outros personagens fictícios ou reais que emolduraram a história do nosso cinema e levaram para o mundo as belezas naturais e os problemas sociais da nossa Cidade Maravilhosa. A sinopse é clara, objetiva e concisa. Espera-se que o desfile seja tão espetacular quanto promete a sinopse.

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A Portela, ao que parece, fez as pazes com enredos de bom gosto, e para exaltar o Porto do Rio, lança-se na história das grandes navegações, desde o mitológico reino de Poseidon, para resgatar a descoberta do comércio marítimo envolvendo Ocidente e Oriente. A contratação de um grande carnavalesco, Roberto Szanieski, também é prenúncio de que a escola tende a superar sua estética, tão criticada no desfile de 2010. Falar do mar, cujo azul está presente no manto da escola, é sempre prenúncio de sucesso para a Portela, pois nos remete a sambas e enredos inesquecíveis, eternizados pela Águia de Madureira.

As homenagens, entretanto, não param por aí. A Mangueira vai encerrar a primeira noite dos desfiles, reverenciando o centenário de nascimento de um dos seus maiores baluartes, Nelson Cavaquinho. A grande crítica à divulgação da sinopse foi o fato de faltar poesia e lirismo nas linhas traçadas pelos elaboradores. Mas seria preciso? Ou os próprios trechos da obra do homenageado já não cumpriram com esse papel? Por lógico, da trajetória do homenageado será destacada a sua aproximação com mangueirenses ilustres, como Cartola e Beth Carvalho, num desfile que promete muita emoção a todos que acompanham escolas de samba. Mais uma vez, a Mangueira confirma sua reaproximação com suas raízes, o que, independentemente de resultado, é algo a ser sempre digno de elogios.

A sinopse do Porto da Pedra sinaliza que a escola virá bem mais leve que de costume. Com o intuito de se reinventar, o carnavalesco Paulo Menezes recorreu à figura de Maria Clara Machado para falar de sonhos. Paulo, aliás, já deu uma prévia de bom gosto no idêntico enredo assinado por ele em 2003 na União da Ilha, que rendeu um desfile maravilhoso no Grupo de Acesso. O grande desafio da escola de São Gonçalo é ser a penúltima escola a desfilar (a escola costuma vir entre as primeiras do dia) e ainda por cima desfilar entre duas grandes potências do carnaval atual – Beija-flor e Grande Rio. Mas quem tem como mote o sonho e superação, é a oportunidade única de a escola mostrar a que veio e reafirmar sua condição de escola especial.

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A Grande Rio tem a missão de falar de Santa Catarina e, assim como a Viradouro o fez em 1999, enveredou-se pela magia que envolve o arquipélago. A escola de Caxias, ao que parece, está se notabilizando por ser a escola que consegue aliar patrocínio a bons desenvolvimentos do enredo. E a prova está no carnaval de 2010, que conseguiu fazer um bom desfile mesmo com um enredo altamente criticado na fase de divulgação. Bruxas, lobisomens, boitatás e outros bichos da atual vice-campeã carioca estarão presentes no desfile, mas quem promete mesmo causar medo na avenida é a atual campeã do carnaval carioca.

A Unidos da Tijuca demorou mais de 70 anos, mas finalmente soltou o grito de campeã entalado na garganta. Aliás, não só a Tijuca, mas seu carnavalesco, que foi a sensação da primeira década dos anos 2000. Para 2011, a Tijuca propõe captar a alma dos expectadores e deixá-los indefesos e passíveis às mais variáveis formas de sobrenaturalidade, despertando diversas sensações ao longo do desfile, assim como nos filmes de terror, em que transitamos pelas sensação de medo e de maravilhados quando os letreiros sobem e as luzes do cinema se ascendem. Alguns críticos apontam certa familiaridade do enredo com o desenvolvido pelo mesmo Paulo Barros na Unidos do Viradouro em 2008, o do “arrepios”, que não teve uma concepção muito boa no desfile. Mas não acredito nessa semelhança. Pelo contrário. Se o carnavalesco quiser retirar algo de proveitoso do desfile da Viradouro de 2008 é exatamente o fato de não reproduzir nada que faça lembrar aquele desfile. E convenhamos, o cinema tem muitas cenas pitorescas e interessantes que ainda não foram recriadas na avenida. De quebra, ter como referência o cineasta brasileiro José Mojica Marins já demonstra aos críticos que a Tijuca não virá norte-americanizada, mas apenas globalizada.

Não é só o terror que vai envolver a Sapucaí, o estilo aventureiro está presente na União da Ilha do Governador, afinal ele tem rendido bons resultados (a obra de Julio Verne e Cervantes). Para 2011, a escola insulana completa essa tríade com os mistérios da vida, especialmente inspirada na teoria das espécies de Charles Darwin. A vinda do bom carnavalesco Alex de Souza pode ser um grande estímulo, pois na sinopse, já se imagina o jogo de cores e formas que esse enredo pode proporcionar a escola.  O enredo passa pelas criaturas que habitam terra, céu e mar, que formam a diversidade na fauna brasileira.           

A Imperatriz Leopoldinense é outra escola que vai em busca de um desafio. A escola que começou esse milênio como campeã (na verdade tricampeã), experimentou na década recente seu afastamento cada vez mais acentuado das primeiras posições. Hoje a escola vem lutando com dificuldade para voltar a desfilar no sábado das campeãs e para reescrever sua história de sucesso foi buscar na medicina a vitamina necessária para voltar a disputar títulos. O enredo passa pelo homem pré-histórico e demais civilizações: africana, hindu, semitas, mesopotâmios, chineses, gregos e egípcios, para concluir que desde os primórdios a cura estava relacionada a aspectos religiosos. Daí, a escola vai trazer o desenvolvimento científico através da criação do microscópio, dos estudos da genética e células, da homeopatia. Até aí a sinopse desenhou bem o enredo sobre a medicina, porém, ficou extremamente forçada a conexão da medicina com o samba. Há quem diga que quem não gosta de samba é doente do pé, mas mesmo assim a relação não ficou coesa e bem entendida e esse pode ser o grande complicador da Imperatriz. A favor o fato de o enredo ser assinado por um carnavalesco de peso, Max Lopes, que ainda tem muito a oferecer em termos de espetáculo.

A Mocidade Independente de Padre Miguel, sabedora que não pode eternamente colher os louros dos desfiles inesquecíveis do passado, verificou que é preciso plantar novas sementes para recuperar o prestígio perdido em desfiles recentes. Para tanto, pegou o mote da agricultura para exaltar as origens do carnaval que tem inspiração nas festas dionisíacas e nas saturnálias, em louvor aos deuses da agricultura.     Dessa forma, a sinopse da Mocidade descreve muito bem o enredo, que tem começo, meio e fim e pode render um visual muito bacana para o desfile. Cid Carvalho dá sequencia ao resgate dessa grandiosa escola, tendo a seu favor os bons desfiles desenvolvidos em 2008 e 2010 que quase levaram a Mocidade a visitar o sábado das campeãs.

Pelo exposto, com a divulgação das sinopses, a essência dos enredos das escolas de samba do Grupo Especial está caracterizada. O pontapé inicial foi dado com a divulgação dos enredos, mas, considerando que o visual dá uma dimensão muito maior que a escolha, não podemos classificar, ainda, como corretas ou não as opções de cada agremiação. É lógico que existem indícios de enredos que possam ou não dar certo na avenida, mas a história já nos mostrou que a lógica nem sempre se confirma na avenida, pois já presenciamos péssimas escolhas renderam bons desfiles e ótimas propostas passarem despercebidas no desfile. Que venham os sambas-enredos.


denisefatima@gmail.com