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Coluna da Denise

E NÓS? AONDE VAMOS?

24 de maio de 2009, nº 23, ano II

O carnaval 2009 se findou e, no momento, estamos acompanhamos os preparativos para o último carnaval da primeira década do terceiro milênio. E não estão faltando novidades para o próximo carnaval, que tem uma missão muito importante, que é traçar o caminho da festa para a próxima década e o futuro das nossas escolas de samba.

A atual década representou uma ruptura no estilo de se fazer carnaval. Se na década de 90, ficamos órfãos de Arlindo Rodrigues e Fernando Pinto, a atual década anunciou um possível fim do reinado de Joaosinho Trinta. A valorização do espetáculo em detrimento de desfiles mais solos, leves e espontâneos já era anunciado na década de 90, quando a Imperatriz começou a desenhar na história dos desfiles os chamados carnavais técnicos, certinhos, e, por vezes, frio. As demais escolas seguiram, nesta década, tal estilo, valorizado pela política de gestão da festa, implantada pela Liesa, acrescentando, porém, uma pitada de grandiosidade, com os desnecessários e cada vez mais presentes acoplamentos de alegorias, os excessos de alas coreografadas e a busca incessante e paranóica de “tapar buracos” e achar erros (um complexo de “Onde está o Wally?”).

Em termos políticos, vimos um investimento cada vez mais maciço do Poder Público, que com a criação da Cidade do Samba, deu asas ao empreendimento escola-espetáculo. Na contramão desses investimentos, a Liesa implantou sua política de segregação, afastando as escolas ditas “acomodadas”, que na verdade, eram as escolas que não haviam se incorporado à nova sistemática de desfile. O resultado foi o afunilamento do acesso de novas e renovadas escolas.

Até as mais tradicionais escolas, como Mangueira e Portela, quebraram várias “tabus” e se renderam a “modernidade dos desfiles”.  É bem verdade que, para a Mangueira, foi muito mais complicado. Se a escola começou a década adaptada às novas regras, com a perda de muitos baluartes e vencidos alguns focos de resistência, mostrou-se cada vez mais adepta a algumas modernidades. Algumas mudanças – rainhas de bateria de fora da comunidade, mudanças na bateria e patrocínios questionáveis – colocaram a escola na berlinda, fato que está servindo de motivação para que a nova presidência dê uma nova cara para a Mangueira (ou melhor, estabeleça a verdadeira face da escola), na próxima década, resgatando sua essência. Só o fato de se retratar com Beth Carvalho, já demonstra que a escola vai rever seus erros.

Já a Portela, que, já na década anterior, ensaiava lentamente mudanças no desfile, precisou ir quase ao fundo do poço – quem não se lembra do vexatório desfile de 2005? – para encontrar o caminho que novamente a projetasse no mundo do samba. Nesses tempos modernos, a Portela parece ter entendido que não bastam a tradição e a hegemonia de títulos para a competição. Sem alardes, com muita mídia a favor, a escola vem traçando o novo voo da águia. Talvez a grande expectativa para a Portela seja o investimento em uma equipe de carnaval mais duradoura, que sobreviva a mais que um simples desfile de carnaval e que crie uma identidade com a escola.

Isso nos faz refletir em relação àquelas escolas que ainda resistem às inovações do carnaval. O Império Serrano é um belo exemplo. Escola respeitadíssima no mundo do samba e tão pouco prestigiada nos julgamentos. Fica claro para nós, amantes do mundo do samba, que o “sistema” vem sinalizando há tempos que o Império só será bem-vindo à elite do samba, caso se renove. Custe o que custar.

Apesar de sempre estar à frente de seu tempo, a Mocidade Independente de Padre Miguel é outra escola que precisa se encontrar na nova década. A morte de Castor aliada à saída anos mais tarde do carnavalesco Renato Lage tiveram um peso imenso para a escola, que até hoje, sente seus reflexos. A verdade é que, na atual década, a Mocidade passou quase despercebida e isso é preocupante, pois nas décadas de 70 e 80 e principalmente na de 90, a escola chegou a dar as cartas na avenida e ser uma das responsáveis pela evolução dos desfiles.

A morte de Monassa também pesou para a Unidos do Viradouro. A escola que já estreou no carnaval da elite com pinta de campeã, até tentou outros caminhos, depois do fim da era Joãosinho Trinta. Até a contratação do carnavalesco-sensação da década, Paulo Barros, foi prenúncio de dias melhores para a escola de Niterói. Mas, ao final da década, fica para o grande público a esperança de renovação.

Com o fim do casamento duradouro e promissor entre Rosa Magalhães e a Imperatriz, responsável pelo inédito tricampeonato de ambas, a Imperatriz é outra que desfila em 2010 de olho no futuro. A escola resgatou Max Lopes, responsável pelo campeonato de 1989, considerado um marco no carnaval. Mas, assim como Rosa, Max, que também começou a década em alta, foi ficando para trás, na classificação, a partir da segunda metade desta década, o que nos leva a questionar os motivos pelos quais levou a Imperatriz a fazer a troca.

O prenúncio da dissolução do casamento entre Rosa e a Imperatriz vinha se desenhando há alguns carnavais, desde que a “certinha de Ramos” se afastou das primeiras posições, muito em razão dos novos desafios do desfile, que cada vez mais se tornou megalomaníaco. Em termos de alegoria, realmente, Max já demonstrou que tende para a suntuosidade. Talvez esse fator tenha influenciado na escolha da Imperatriz. Mas será que os enredos de Max são tão bem construídos e concatenados como o de Rosa?

Mas, para o bem do carnaval carioca, teremos Rosa Magalhães em dose dupla em 2010. A carnavalesca tem uma das missões mais importantes do carnaval carioca. A primeira delas é proporcionar um desfile convincente de boas-vindas à simpática União da Ilha do Governador. A atual década não foi feliz para a Ilha. Logo no primeiro ano, a escola foi rebaixada para o grupo de acesso e somente retornará à elite do samba no último desfile da década. E a ausência da escola no Grupo Especial não foi ruim só para os insulanos. O Grupo Especial, a Liesa e o carnaval perderam muito com a ausência da Ilha. Os desfiles perderam a alegria, a simpatia e a espontaneidade. Espera-se que Rosa consiga, na Ilha, resgatar essas três premissas, que deveriam ser básicas para um desfile.

No Império Serrano, Rosa terá a função de trazê-lo de volta à elite e preparar a escola para a próxima década. A esperança é boa, já que Rosa pretende trazer um enredo autoral e fazer com que o Império enfrente as concorrentes com o olho no presente e no futuro. Não que o passado não tenha importância, mas o Império precisa cortar esse cordão umbilical e se impor pela competitividade e não pelas glórias do passado.

Um bom exemplo a ser seguido vem lá de Vila Isabel, que expurgada da elite, penou por quatro anos no grupo de acesso até romper radicalmente com suas origens – noticiou-se inclusive uma criação de nova escola para os insatisfeitos com as mudanças geradas a fórceps. Mas o resultado falou mais alto. Com o recorde de um campeonato almejado há décadas, conseguiu resgatar a comunidade e hoje encontrou o equilíbrio. Se as pessoas pensavam que a Vila iria “se vender” aos patrocínios, o enredo sobre o centenário do Municipal e o anunciado enredo sobre o centenário de Noel Rosa são provas viva de que a escola não se divorciou de seus princípios, embora tenha deixado a inocência para trás.

Além da Mangueira, outras escolas estão correndo atrás de mudanças estratégicas, mas dentro do previsível. Na Grande Rio, a vinda de Ciça promete dar continuidade ao excelente trabalho de Mestre Odilon, talvez dando um tempero mais ousado à bateria da escola de Caxias. Aliás, se a década foi promissora em termos de resultado para a Grande Rio, para mim, entretanto, a escola ainda não convenceu. O precipitado anúncio do possível enredo sobre os 25 anos do Sambódromo e de um camarote nos leva a refletir que a escola não pretende mudar a sua visão de desfile, que, a meu ver, é equivocada.

O carnaval da década termina com o renascimento de um mestre. Depois de incomodo jejum, Renato Lage e, por tabela, o Salgueiro fizeram a paz com a vitória. Mesmo com a morte de Miro, o Salgueiro manteve sua forma de fazer carnaval, parece-nos não ter se abalado estruturalmente como aconteceu com a Viradouro e a Mocidade. Talvez outro rumo a escola poderia ganhar se tivesse prolongado uma disputa de poder.                      

Quem na verdade criou um estilo nesta década foi a Unidos da Tijuca. Seu novo jeito de fazer carnaval, orquestrado por Paulo Barros, persistiu mesmo com a saída do carnavalesco, que após algumas tentativas frustradas em outras escolas, foi buscar refúgio em 2010 naquela que o projetou. E a Tijuca, que de boba não tem nada, já assegurou para essa nova viagem, o passo de Marquinhos e Giovanna, o casal nota 10 de mestre-sala e porta-bandeira.

O carnaval dessa década também vai ficar registrado pela hegemonia da Beija-flor. Escola antenada com o futuro, a Beija-flor mantém a sua base, mas faz trocas setoriais para continuar voando alto no carnaval. Foi assim com a contratação de Alexandre Louzada, que deu mais leveza a escola, e assim será com a mudança na bateria, que, embora competente, promete ser mais ousada nos próximos desfiles.

A nova década promete uma nova visão de carnaval. A própria Liesa já sinalizou da necessidade de limitar as alegorias acopladas. A Prefeitura, ao que nos parece, não vai se contentar com o papel de coadjuvante da festa, tanto é que vem anunciando que pretende fazer licitação para a gestão do desfile. Espera-se, inclusive, que seja corrigido o equívoco que foi a redução do número de escolas do Especial e dos critérios de ascensão e decesso desse grupo. Cabe registrar que a promessa do Condomínio do Samba, para abrigar as escolas dos grupos de acesso ainda caminha a passos lentos, se é que tal projeto não se perderá com o tempo.

Aliás, as escolas do acesso terminam o ano de forma melancólica. A virada de mesa da Lesga, entidade criada para dar visibilidade a essas escolas, soou muito mal. É certo que não podemos analisar uma gestão por apenas um carnaval, mas o mínimo que se espera da entidade é cumprir as regras estabelecidas.

A atitude gerou um inchaço descomunal para o desfile de 2010. E mais uma vez as escolas da Associação vão pagar a conta por esta medida. Anunciou-se que apenas uma escola do Acesso B subirá para o grupo A. Isso, sem dúvida, para preservar as escolas fundadoras da Lesga. É uma pena. Pois se tem um lado positivo na política de segregação da Liesa, implantada nesta década, foi o crescimento do grupo A, que passou a contar com escolas especiais.

Desse grupo, existem aquelas escolas que sempre ganham a oportunidade de estarem na elite. A Estácio de Sá é uma das que faz muita falta no Grupo Especial, mas provou, nesta década, que tem força o bastante para superar crises. Depois de chegar a ser rebaixada para o Grupo B – terceira divisão carioca – a escola deu a volta por cima e pelo menos marcou presença em um ano no Grupo Especial. É muito pouco, se compararmos com as décadas de 70,80 e 90, mas seria bem pior se a década tivesse passado em branco para a Estácio.

Já a São Clemente foi a escola que mais conquistas obteve no grupo. De seus quatro campeonatos, desde a sua fundação, dois foram conseguidos na atual década. Sem contar que hoje a escola tem abrigo próprio para ensaio e para confecção de alegorias, sendo notório o crescimento e sua valorização no mundo do samba.

Alguns fatos tristes registram a trajetória de algumas escolas. E por falar em saudade...Ah, a Caprichosos... Ainda há tempo para que a escola de Pilares evitar traçar um caminho perigoso, no qual se perderam Tradição, Em Cima da Hora, Unidos de Lucas, Unidos da Ponte, Unidos do Cabuçu, Villa Rica e Leão de Nova Iguaçu. Todas essas escolas foram muito castigadas na atual década. No caso de Pilares, em razão do ocorrido em 2009, espera-se com ansiedade o seu desfile no carnaval de 2010.

Em contrapartida, outras escolas do acesso fizeram seus papéis nesta década. Uma delas, a Unidos do Porto da Pedra, começou a década ganhando o grupo de acesso, que lhe valeu a permanência no grupo de elite durante toda a década. É bem verdade que a escola não teve o brilhantismo da década passada, quando “tomou de assalto” os desfiles, sendo a grande surpresa da década de 90. Mas não deixa de ser louvável ter vencido o desafio de continuar no grupo Especial, mesmo com toda a política de segregação implantada na atual década.

A Rocinha é mais uma escola que tentou nesta década escrever uma trajetória mais abrangente. Nascida na década de 80 para ser uma grande escola, a agremiação viu sucumbir durante os anos esse sonho. Na década atual, a escola apostou alto, mas a termina sem ainda ter conseguido alcançar o seu objetivo. E olha que não faltou investimento. Com a conquista da maturidade e se confirmada, num novo mandato, a gestão empresarial da escola, quem sabe a escola não pode ver sua pretensão consolidada na próxima década?

Outra escola que vem crescendo é a Renascer de Jacarepaguá. A escola, que se orgulha de nunca ter sofrido rebaixamentos, vem montando uma estrutura para colocar Jacarepaguá na rota do samba carioca. A escola termina a década como favorita e, se compararmos que no grupo temos escolas de estirpe (Império Serrano, Estácio, Caprichosos, São Clemente e Santa Cruz), tal fator é muito relevante.

O último carnaval da década também se voltará para o desfile da Unidos de Padre Miguel. A escola termina a década no Grupo de Acesso A. Durante décadas, a escola se apagou para ver a estrela da Mocidade brilhar. Com a crise da Mocidade, a Unidos saiu do Grupo E  e foi galgando ano a ano, por meio de sólidas e irrefutáveis conquistas, o seu lugar ao sol. A escola chega com atraso no Grupo A, por julgamentos equivocados, mas tem tudo para mostrar a sua força e disputar com a Santa Cruz e a Renascer o favoritismo de ser a segunda força da Zona Oeste do Rio de Janeiro, de olho em ser a primeira, em muito breve, e se a Mocidade deixar.

Por fim, para a próxima década, a entidade que mais terá que rever seus conceitos é a Associação. Depois de perder o Especial na década de 80 e o Acesso A na atual década, a entidade deve se preparar para os novos rumos traçados para o carnaval carioca. Ceder aos caprichosos das demais entidades, não a levará a lugar nenhum. Permitir a irrisória mobilidade nesses grupos a apenas uma ou duas escolas, colocará a perder todo um projeto de renovação, que é indispensável no futuro das escolas de samba. Ela tem um produto promissor – o antigo Grupo B – e um carnaval que é realmente do povão – os grupos que desfilam na Intendente. Isso faz com que ela continue a ter uma importância significativa no mundo do samba. Espera-se que as autoridades invistam nessa base, que é o futuro para que o samba não morra e continue a entoar em todos os cantos da Cidade Maravilhosa.


denisefatima@gmail.com