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Coluna da Denise

SAL E ILHA, MAS O CARNAVAL NÃO ESTÁ UMA MARAVILHA!

27 de fevereiro de 2009, nº 22, ano II

O carnaval de 2009 ainda não acabou. Por uma cisão que desde o nascimento se mostrou divergente, não sabemos como ficarão compostos os grupos do carnaval carioca. Sim, os grupos. Pois essa indefinição na Lesga coloca em risco toda a estrutura do carnaval desde o Especial até o Grupo E. O Especial porque o Império Serrano não pode ser culpado pela zorra que se abateu entre a Lesga e a Associação. E se a Estácio entrar mesmo na justiça, pode ser que o Império fique no Especial. Por sua vez, não havendo rebaixamentos no Grupo de Acesso A, como ficariam os grupos posteriores. O “B” passaria a ter somente 12 escolas? Ou a Associação vai promover mais duas das divisões inferiores, respectivamente, C, D e E? E A Unidos de Padre Miguel e a Acadêmicos de Cubango onde desfilarão, se a Inocentes de Belford Roxo e a Caprichosos de Pilares bateram o pé e não querem seguir a trilha que os jurados, escolhidos por elas, lhe ofereceram?

Vamos amenizar um pouco tentando fazer um resumo positivo do que foram os desfiles das escolas de samba. Desfile esse prestigiado pela autoridade máxima do país, o presidente da República, que não dava as caras na avenida desde 1994, quando o titular de então foi flagrado em fotos comprometedoras com uma destaque sem calcinhas. Lula prestigiou todo o primeiro dia de desfiles na Sapucaí.

O desfile principal também foi marcado pela emoção. Antes da apresentação da Beija-flor, Neguinho, o eterno puxador da escola de Nilópolis, casou-se em plena Sapucaí, tendo convidados ilustres, como o cantor Roberto Carlos. Mesmo após a retirada de um tumor maligno, Neguinho, superando todas as expectativas, puxando o samba do começo ao fim pela sua Beija-flor, que contou as origens históricas do banho.

Tentando o tricampeonato, a Beija viu suas pretensões se esvaziarem ao toque de um tambor orquestrado pelo ressurgimento do mago do high-tech, Renato Lage. O Salgueiro apresentando a importância do instrumento para manifestações artísticas e religiosas e seduziu o público da Sapucaí, que teve seu clamor atendido pelos jurados, que, após 15 anos, voltaram a colocar o Salgueiro no seleto time das campeãs da nova era.

Em 2009 também foi possível presenciar outro casamento, além do de Neguinho. O casamento perfeito entre os estilos diversos de dois carnavalescos em ascensão no grupo – Paulo Barros e Alex de Souza – que fizeram, pela Vila Isabel, do centenário do Theatro Municipal do Rio de Janeiro um grande acontecimento de bom gosto e de criatividade. É certo, que houve excessos de coreografias, mas a festa da Vila foi mesmo prejudicada pelo rigor dos jurados, que foram tão ou mais criteriosos com ela quanto que com o Império Serrano, que, pelo terceiro ano consecutivo, engrossou a lista de agremiações que sobem de grupo e abrem o carnaval e são massacradas pelos jurados.

E a pergunta que fica é a seguinte: o Grupo Especial não está fechado? Pelo regulamento não, mas é público e notório que o grupo se fechou em 11 escolas. A 12º serve apenas para dar satisfação à sociedade, seguindo a política de inserção de cotas. Assim, as demais escolas do Rio se revezam na cota destinada pela Liesa. Esperamos que nos próximos carnavais a Prefeitura aumente pelo menos o número de cotistas, para ver se pinta alguma novidade para o bem do carnaval carioca.

Nunca fui favorável à apelação do Império de reeditar sambas, espero que a União da Ilha, a nova contemplada pela cota, não caia na mesma arapuca de Império e Estácio, mas com certeza, o Império fez um desfile correto, não deixando nada a desejar a algumas de suas concorrentes. A Mocidade, por exemplo, que tinha um belíssimo enredo nas mãos -  a vida e a obras de Machado de Assis e Guimarães Rosa – talvez tenha feito o pior desfile de sua belíssima história.

Em se tratando de Mocidade, há alguns anos está perceptível a crise de identidade pela qual a escola passa, sem, entretanto, visualizarmos a curto prazo uma solução para tais conflitos. Crise superada mesmo é a da Mangueira. Todos os caminhos poderiam levar à escola a mais um desfilo indigno de suas tradições, mas a comunidade verde-e-rosa chamou a responsabilidade para si e mandou muitíssimo bem, ofuscando as alegorias incompletas e mal acabadas, e mostrando a cara no enredo sobre a formação do povo brasileiro.

Foi também o ano da cinqüentenária Imperatriz Leopoldinense, que mostrou Ramos para o mundo, mas se inibiu quando resolveu homenagear a si própria, o que gera expectativas para o fim do belo casamento da competente Rosa Magalhães e a escola. Acho uma pena colocarem na Rosa a culpa pela falta de tesão da Imperatriz. Ela é tão vítima quanto os torcedores e amantes do carnaval, pois para fazer espetáculo ela precisa de investimento. Ademais, se os desfiles da Imperatriz ainda geram expectativa, muito se deve ao nome e fama da carnavalesca. Não que eu seja contrária à renovação, mas já vimos esse filme antes, os dirigentes culpando o casal de mestre sala e porta-bandeira, o puxador, o mestre de bateria, o coreógrafo da comissão de frente etc e pouquíssima repercussão teve nas notas as trocas efetivadas.

Se a Imperatriz parece estagnada, o mesmo não pode se dizer da Portela, que precisou quase ir ao fundo do poço (carnaval de 2005), para obter o gás necessário para voltar a sonhar alto na Sapucaí. E como toda caminhada, a escola vem passo a passo galgando posições para confirmar o seu tão esperado título e lembrar seus bons tempos. Nessa fila pela espera de um título, concorre com a Portela a Grande Rio, que nos parece ter percebido que dinheiro não ganha carnaval. A prova disso foi o desfile morno que conseguiu realizar sobre a França, apesar do patrocínio.

Para não fazer um desfile morno, a Viradouro até buscou a energia no seu confuso enredo de exaltação aos orixás da Bahia. Superando a expectativa de muitos que não acreditavam na sua força, a escola passou razoavelmente bem, mas nem os pontos turísticos e nem a alegria do povo baiano foram suficientes para que a escola voltar a desfilar entre as campeãs. Fora do desfile das campeãs também ficou a Unidos da Tijuca, que para falar sobre a influência do céu na mente das pessoas insistiu na fórmula criada desde 2004, mas sem o mesmo brilhantismo e criatividade.

Quem tentou um caminho diferente interrompido pelos problemas vivenciados no desfile foi a Porto da Pedra, que, por curiosidade, mais uma vez escapou do rebaixamento. É certo, entretanto, que dessa vez a escola ficou no grupo por mérito próprio, uma vez que o carnavalesco Max Lopes preparou um belo desfile para a escola acontecer, mas que infelizmente deve ficar para a próxima.

Para a próxima também, deve ficar a ascensão da Estácio de Sá. Mesmo arrebatando troféus e sendo a preferida de muitos pelo belo desfile, especialmente pelo visual que causou, a escola terminou a melancólica apuração do Grupo A em 5º lugar. Os jurados não foram nada bacanas com a escola do Morro de São Carlos, que contou a história da chita e revelou que Cid Carvalho merece estar no Grupo Especial.

Azar da Estácio e sorte da Ilha, que mesmo contrariando previsões, carimbou sua viagem de retorno à elite do carnaval. O desfile, embora não tenha sido correto, foi emocionante, seja pela bateria, seja pela alegria da escola que contagiou a Sapucaí. Mas a luta travada pela Ilha nos oito anos que esteve no grupo de acesso nem se compara ao que a espera em 2010. Para conseguir escapar da degola dos jurados da Liesa, a escola vai precisar do dobro de sorte e de muito investimento, já que a polícia do “bom, bonito e barato” não tem mais vez na elite do samba.

Mas a insatisfação da Estácio e a alegria da Ilha não foram as principais surpresas do carnaval da Lesga. No final da apuração, a Caprichosos de Pilares amargou o último lugar, que pelo regulamento da Lesga, a levaria de volta a AESCRJ.

Com relação ao regulamento da LESGA, é bom que se explique que ele é o pivô da divergência entre Lesga e a AESCRJ. Antes do desfile, a Lesga queria que apenas uma escola caísse para a AESCRJ, enquanto que a AESCRJ quer que o regulamento original seja cumprido: queda de duas e ascensão de duas entre os grupos A e B

Coincidência ou não, a Lesga resolveu antes da apuração declarar que não seguiria nem o regulamento da AESCRJ nem o seu próprio, anistiando suas escolas de sofrerem rebaixamentos.

Houve problemas na organização do desfile? Lógico que houve. Mas a escola mais prejudicada foi a São Clemente, que se já não bastasse o fato de ter que abrir o desfile, começou sua exibição com atraso considerável por problemas na concentração. É lógico que isso não pode servir de desculpa para a falta de “vontade” da São Clemente, que tinha em mãos o melhor enredo do grupo, a história do primeiro palhaço negro Benjamin de Oliveira. Mas mesmo com problemas externos, a São Clemente fez um desfile correto, o que nos leva a crer que qualquer escola que viria posteriormente também teria obrigação de o fazer.

Assim, é injustificável as falhas cometidas pela Inocentes de Belford Roxo, que após o seu desfile em homenagem a Brizola, já era apontada como futura rebaixada pelos problemas enfrentados na avenida (número insuficiente de baianas, falhas em evolução, carros mal acabados),

Também é injustificável a Caprichosos reclamar de ter de desfilar de dia - ora o fim do horário de verão estava programado há tempos. E não rebaixando nenhuma escola, ano que vem, com certeza mais escolas desfilarão de dia. Ademais, a Santa Cruz também desfilou de dia e não teve problemas com evolução e nem dificuldade na apresentação de seu enredo para o público e os jurados. A escola da Zona Oeste não fez um desfile brilhante, mas não se comprometeu ao abordar a importância da preservação da natureza.

O certo é que não se tem motivação para virar a mesa a esta altura do campeonato. Para o público, fica a sensação de que a medida é para beneficiar quem não fez o seu dever de casa. Já que as escolas preteridas do grupo, Império da Tijuca e Paraíso do Tuiuti, mesmo com todas as dificuldades, passaram bem com os enredos, respectivos, sobre Mestre Vitalino e Cassino da Urca.

Surpresa também foi a colocação da Renascer de Jacarepaguá. É certo que existia uma autoconfiança para o título, mas, na avenida, a escola deixou a desejar em muitos quesitos, perdendo-se na fórmula repetitiva de Paulo Barros, apesar de o enredo ter sido contado de forma clara, em que se destacou a comissão de frente.

A Rocinha, mais uma vez, repetiu alguns erros dos carnavais passados e deixou escapar o título, no qual parecia certo em virtude do luxo apresentado no enredo sobre a obra do artista J. Carlos.  

Assim, esta atitude arbitrária da Lesga de não rebaixar a Inocentes de Belford Roxo e a Caprichosos de Pilares esbarrou na ascensão de duas escolas pelo Grupo de Acesso B, que empataram em número de pontos, sagrando-se campeãs: a Unidos de Padre Miguel – que deve se juntar ao grupo tardiamente, pois já deveria estar no Grupo A em 2009 – e a Acadêmicos de Cubango, escola tradicional de Niterói que retorna ao grupo após ter sofrido rebaixamento em 2008.

Seria muito mais digno de Inocentes de Belford Roxo e Caprichosos de Pilares se espelharem na Acadêmicos de Cubango, que foi rebaixada, cumpriu o regulamento, e voltou, esperamos, fortalecida para disputar em igualdade com as co-irmãs da LESGA. Mas se esta não for a vontade dos dirigentes e das escolas, espera-se ao menos que a LESGA reconheça o direito legítimo de Unidos de Padre Miguel e Cubango de filiação, pois colocar água no vinho da Unidos de Padre Miguel ou nas oferendas da Cubango somente vai azedar mais ainda os bastidores do carnaval e expor de forma desnecessária a  LESGA, ao ponto de nos questionarmos o porquê de sua existência.

Também não concordo que a Estácio vá à justiça para anular o resultado. O que ela ganharia com isso? Prejudicaria a Lesga, que ela ajudou a fundar, e a Ilha, que também se preparou o ano inteiro para voltar a ser Especial. Não é correto isso. Salgueiro foi injustiçado em 2007 e hoje é o atual campeão carioca. Dar tempo ao tempo e ter paciência é a medida que os estacianos devem ter. Vocês são grandes, são ótimos e outras oportunidades virão. Tentem crescer na adversidade e a vontade fica bem mais sólida para novas conquistas.

Por fim, convenhamos. Nós reclamamos tanto de os jurados serem estritamente técnicos, não é? Então vamos aplaudir Sal e Ilha, que foram sim, as escolas que mais mexeram com o público.


denisefatima@gmail.com