Coluna da Denise
À
ESPERA DE GODARD
10 de junho de 2008, nº 07, ano I
Em meio ao marasmo que tomou
conta do período carnavalesco desde o resultado do desfile de
2008, aos poucos vão se desenhando aqui e ali as escolhas das
escolas para os enredos de 2009.
E é triste constatarmos que o carnaval de 2009 será igual ao
que passou, que foi igual ao do ano retrasado e assim vai...
A década atual é uma década perdida. Desde que a Imperatriz
descobriu, em 1995, o caminho para enredos patrocinados, com
sucesso, a maioria das nossas escolas, ditas especiais, que vez
ou outra, ensaivam seguir a mesma trilha, acabaram na atual década
colocando à venda seus enredos, como se seguir tal receita de
bolo as credenciasse ao feito da Imperatriz.
Quem dera se nosso carnaval voltasse um dia a ser vanguardista e
polêmico, como as obras do cineasta francês Jean-Luc Godard.
Por falar em França, assim como o ano passado, a Prefeitura
acena com uma subvenção maior para escolas que a elegerem como
mote em seus desfiles.
Neste ano, São Clemente e Mocidade Independente, que abriram os
desfiles, respectivamente, domingo e segunda, foram agraciadas
com patrocínio para abordarem os 200 anos da vinda da Família
Real para o Brasil.
Para 2009, entretanto, o incremento poderá não engordar a conta
de Império Serrano e Unidos do Porto da Pedra, já que tem
escola com a mão estendida para abocanhar o tal patrocínio e,
é lógico, sem ter que dar a contra-partida de abdicar do
sorteio e abrir os desfiles.
Nesse compasso, a Liesa também acena com uma subvenção maior
para aquelas escolas que aceitarem reeditar sambas-enredos (mesmo
que não seja delas), o que já causou uma imensa confusão
envolvendo a Unidos do Viradouro, que não satisfeita em levar um
enredo da Unidos de São Carlos em 2004, pretendia mais uma vez
levar o samba de uma outra escola, Bahia de Todos os Deuses -
Salgueiro 1969, mais uma vez para a avenida.
A inusitada e comentada oposição de Luma de Oliveira à presidência
da Viradouro, além de atrair mídia para a entresafra
carnavalesca, serviu pelo menos para que o Presidente da agremiação
de Niterói, Marcos Lira, agora eleito, refletisse e abandonasse
a idéia descabida de reedição.
Enquanto esperam por patrocínios, muitas escolas ainda nem
definiram o enredo. Aliás, essa é uma realidade cada vez mais
presente.
Hoje o enredo de uma escola só começa a ser traçado após a
captação de recursos. Nem interessa se o enredo vai dar samba
ou não, o jeito é abrir espaço para todo e qualquer
patrocinador que assegure recursos para o desfile.
E o desfile cada vez mais vai se tornando chato e monótono.
O que seria do carnaval, se no passado, as escolas se acomodassem
e limitassem a liberdade de criação?
- Se a Portela não introduzisse alegorias, a comissão de frente
e destaques;
- Se a Mangueira não criasse a ala de compositores, mantivesse
suas tradições, suas cores e bateria características;
- Se a Unidos da Tijuca não apresentasse o primeiro
samba-enredo;
- Se o Império Serrano não apresentasse os desfilantes
fantasiados, em alas;
- Se o Salgueiro não fizesse uma revolução estética nos
desfiles, se não levasse temas não lidos na história do
Brasil;
- Se a Vila Isabel não variasse as cores nas fantasias;
- Se a Mocidade não inventasse a paradinha, não investisse em
novas fórmulas;
- Se a Beija-flor não verticalizasse suas alegorias, impussesse
o luxo, o nu, a criatividade elevada a enésima potência;
- Se a Imperatriz não imprimisse seu estilo barroco, a
teatralização nos carros, e criasse o primeiro departamento
cultural;
- Se a Estácio não levasse seus desfiles soltos, valorizasse
seu chão e caprichasse na sua batida;
- Se a Ilha não inventasse um novo estilo (Bom, Bonito e Barato)
de comunicação direta com o povo;
- Se a Caprichosos, não acrescentasse suas críticas políticas;
- Se a São Clemente não levasse a crítica social?
O carnaval carioca já foi muito diversificado. Durante décadas,
as escolas eram conhecidas pela sua personalidade, pelas suas
cores, pelo som de sua bateria, pelo seu estilo, pela sua forma
de desfilar...
É tão bom conviver com vários estilos. Mas a nova década
chegou ao ápice da padronização exacerbada dos desfiles. Nem
mesmo surpresas estéticas, como as promovidas por Paulo Barros,
que já foi considerado pelo Capitão Guimarães, patrono-mor da
padronização enfadonha dos desfiles, como a maior revelação
do carnaval dos últimos tempos, foi suficiente para que as
outras escolas tentassem novos rumos e caminhos.
Se antes presas por enredos históricos, com cunho nacionalista,
hoje as escolas estão rotuladas e estigmatizadas a somente
poderem ter sucesso com desfiles milimetricamente pradonizados,
corretinhos, concebidos por meio de captação de recursos que
influenciam diretamente na escolha do samba, do enredo, do
desfile...
E quem ganha com isso tudo? Os sambas-enredos não tem a mesma
força e divulgação como dantes, o público mantem-se estático,
gélido, anestesiado por ver um contingente de desfilantes se
preocupando com coreografias marcadas, uma bateria obrigada a
buscar pseudo-inovações, sem sucesso; uma comissão de frente
cada vez mais dispersa do conjunto do desfile; desfiles
esteticamente iguais; exclusão dos passistas, que passaram a ter
a única função de tapar o buraco da bateria, quando do recuo,
carnavalescos presos à abordagem carimbada dos desfiles;
arquibancadas vazias bem antes da passagem das últimas
escolas...
Será que tudo isso tem a ver com os tempos modernos? Em que tudo
é veloz, efêmero e descartável? Será que éramos felizes e não
sabíamos? Será que o apogeu artístico é coisa do século
passado? Por que a sensação de vazio, do descrédito, de impotência?
Há como retroceder, fazer uma viagem de volta ao passado e
ressuscitar os enredos inteligentes, de vanguarda, de opinião,
de respeito ao público consumista de escolas de samba?
A atual década está chegando ao fim. Temos ainda dois carnavais
pela frente e as escolas continuam à procura de renovação, de
libertação, de novas estéticas, novas concepções, novos
ares...
Até quando esperar?
denisefatima@gmail.com