PRINCIPAL    EQUIPE    LIVRO DE VISITAS    LINKS    ARQUIVO DE ATUALIZAÇÕES    ARQUIVO DE COLUNAS    CONTATO

Coluna da Denise

QUEM PODE PODE... QUEM NÃO PODE SE SACODE

15 de maio de 2008, nº 05, ano I

Tal qual a vovó do abre-alas do desfile empolgadíssimo da União da Ilha em 1984, já não é de hoje que as cifras de algumas escolas poderosas do carnaval falam mais alto para atrair profissionais de outras concorrentes. Aliás, essas ofertas tentadoras não se dão apenas no mundo do samba. No futebol é assim, nas grandes empresas também o são. Quando o dinheiro fala, tudo cala.

Especificamente, no mundo do samba, essas trocas saltam aos nossos olhos, uma vez que hoje em dia tudo pode ser comercializado (puxadores, mestre-salas, portas-bandeira, diretores de bateria, coreógrafos, diretores de harmonia, compositores e por aí vai). Cada um por si, Deus por todos.

Mas antes disso, o afastamento de personalidades das escolas apenas aconteciam por desentendimentos internos. Não envolvia cifras e sim desilusão ou mágoa com as escolas do coração. Algumas escolas já geraram até outras concorrentes por causa dessas insatisfações. Cada qual sabe onde lhe doem os calos.

Até então, apenas a figura do carnavalesco era vista como passível de ser negociada entre as escolas e suscetível ao apelo das cifras. O maior exemplo talvez tenha sido, na década de 70, a saída repentina do bicampeão Joaosinho Trinta do Salgueiro para uma quase desconhecida Beija-flor de Nilópolis. É claro que o carnavalesco não foi sozinho, não foi ele o primeiro carnavalesco a mudar de escola, mas naquele tempo, ele reinava absoluto na mídia e pouco se dava valor ao diretor de carnaval, podendo ser este considerado o primeiro “pulo do gato’ das escolas de samba. Onde o ouro fala, tudo cala.

Pois bem, com a “profissionalização” dos desfiles, o que se viu a partir de então, não mais seria o amor à camisa, e sim a possibilidade de uma escola menos conhecida aproveitar-se de valores reconhecidos no mercado, para se imporem e aparecerem na avenida e na mídia, e ganharem a respeitabilidade dos setores do carnaval. Adotando-se a velha máxima: Santo de casa não faz milagre.

E o principal alvo foi o posto de mestre-sala e porta-bandeira, explicável uma vez que a performance do casal, isoladamente em relação ao conjunto da escola, é responsável por várias notas “10”. Na época, mais presente aos acontecimentos, a Riotur retirar no carnaval de 1980 o quesito do rol de julgamento, já que as escolas estavam comprando o “passe" dos melhores premiados e pontuados nesses quesitos.  Roma não se fez num só dia.

A premiação aos melhores do samba, em especial o Estandarte de Ouro, também tem sua parcela de contribuição na valorização dos profissionais. É comum atrair mercado aqueles profissionais que se destacam isoladamente e que sejam merecedores do prêmio. Cria fama e deita-te na cama.

Antigamente, o nome do puxador era associado à sua escola de samba. Temos exemplos significativos: Neguinho da Beija-flor, Dedé da Portela, Jorginho do Império, Dominguinhos do Estácio (embora ele afirme que seu nome de deve ao Bairro e não à São Carlos), Carlinhos de Pilares, Paulinho Mocidade etc. Hoje isso não é mais comum, pois os puxadores também passaram a ser frequentemente seduzidos pelas cifras e, à exceção de Neguinho e de Jamelão, todos os demais já cantaram em outras freguesias. Palavras não enchem barriga.

Mas não só de puxador que vive a escola. É preciso de compositores, para atrair as notas 10 para o quesito samba-enredo (e existem aqueles que emplacam um sucesso atrás do outro), e de um diretor de bateria de destaque e com prestígio (que faça a diferença na apresentação do desfile). De graça só relógio trabalha, e assim mesmo quer corda.

A coisa foi se aprimorando tanto que já na década de 90 se viu nascer o que conhecemos como “escola montada”.  Um patrocinador investe recursos financeiros em escolas menores, ou “compra” seu lugar nos grupos de acesso da Associação, recebem das escolas da elite ajudas profissionais, e, quando chegam no topo (na Liesa), passarem a investir nos profissionais das escolas já consolidadas. Algumas escolas se enveredaram por este caminho e o resultado está aí à vista de quem quiser ver. Nem é preciso citar nomes. A bom entendedor meia palavra basta.

A síntese perfeita da comercialização do samba se fez sentir no belíssimo samba e desfile da São Clemente de 1990. Há dezoito anos, a escola já constatara que o samba tinha sambado, mas, nós, amantes do samba e das escolas, ainda nos surpreendemos com algumas negociatas que são feitas sem nenhuma ética. Amigos, amigos; negócios, à parte.

Recentemente, veio à mídia a reclamação de um presidente de uma grande escola ao presidente de uma outra que lhe levara o puxador por cifras gigantescas. Nem bem passou o mês, o noticiário já indicava que o reclamão faria aquilo que condenara com o presidente de outra agremiação. Quem tem telhado de vidro não atira pedra no do vizinho.

E os profissionais envolvidos nessas transações? Até que ponto nós podemos culpá-os pela comercialização desenfreada que tomou conta do mundo do samba? Num país globalizado, em que valores aparecem e se esvaziam num piscar de olhos, muitos têm mesmo é que aproveitar o momento e a ocasião. A sorte bate uma vez à porta de cada pessoa.

É certo que muitos profissionais já trocaram o certo pelo duvidoso. Foram seduzidos pelas cifras, mas as promessas nem sempre se cumprem, o ambiente, por vezes, torna-se hostil. E o arrependimento, mais cedo ou mais tarde, bate forte, caso o orgulho deixe. Quando a esmola é demais, o santo desconfia.

O foco dessas discussões em relação ao troca-troca nas escolas deve-se voltar para as próprias escolas. Pela ética (ou falta dela) nessas negociações. A Liesa poderia estabelecer regras claras para que os dirigentes, respeitando-as, pudessem frear essa busca insaciável pelas primeiras colocações. Uma espécie de política contra as práticas “anticompetitivas”, na qual se privilegia a concorrência desleal entre as escolas, exorbitando os preços mínimos e máximos de mercado desses profissionais, seduzidos por vezes por pagamentos impróprios (ou por fora), completamente contrários à legislação pátria. Pimenta nos olhos dos outros é refresco.

Com raríssimas exceções, eu me pergunto em quê essas negociações na calada da noite ajudam uma escola a conquistar resultados? Temos exemplos claros de que a valorização da prata da casa tem ajudado, com muito mais ênfase, algumas escolas a se consolidarem nas primeiras posições. Essas negociações escusas e antiéticas têm servido para inflacionar o mercado do samba e proibir qualquer tipo de reação de escolas menos favorecidas economicamente, que são julgadas de forma incorreta, por privilegiarem as pratas da casa aos nomes estabelecidos no mercado do carnaval. Cada cabeça, cada sentença.

Não se está aqui querendo a proibição de uma escola reforçar-se com nomes de peso no mercado em seus setores deficitários. Identificar erros, trazer elementos externos para conjugar experiências e inovações, é válido. Agregar valores é diferente de comprar valores visando única e exclusivamente um campeonato. Quanto mais se vive, mais se aprende.

A política da valorização dos profissionais é tão perniciosa inclusive para os tais profissionais, pois caso eles não consigam um resultado rápido e almejado pela escola patrocinadora, seu passe cai violentamente no mercado. Ele vai do paraíso ao inferno. Um dia é da caça, outro do caçador.

Agregar valores sim, mas com parcimônia, por favor. Com desfiles cada vez mais pasteurizados, sem mesmo a identificação daqueles profissionais que vestem realmente nossa camisa, qual é a cara atual de sua escola de samba? Será que alguém pode responder a essa simples e objetiva pergunta sem pestanejar? Devagar também é pressa ou devagar se vai ao longe? Quem somos? De onde vimos? Para onde vamos? “Nesse rio de asfalto, o dinheiro fala alto, é a filosofia nacional”.  E caiu dos olhos da vovó uma lágrima sentida. Quem avisa amigo é.


denisefatima@gmail.com