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QUEM PODE PODE... QUEM NÃO PODE SE SACODE 15 de maio de 2008, nº 05, ano I Tal qual a vovó do abre-alas do desfile
empolgadíssimo da União da Ilha em 1984, já não é de hoje
que as cifras de algumas escolas poderosas do carnaval falam mais
alto para atrair profissionais de outras concorrentes. Aliás,
essas ofertas tentadoras não se dão apenas no mundo do samba.
No futebol é assim, nas grandes empresas também o são. Quando
o dinheiro fala, tudo cala. Especificamente, no mundo do samba, essas trocas
saltam aos nossos olhos, uma vez que hoje em dia tudo pode ser
comercializado (puxadores, mestre-salas, portas-bandeira,
diretores de bateria, coreógrafos, diretores de harmonia,
compositores e por aí vai). Cada um por si, Deus por todos. Mas antes disso, o afastamento de personalidades
das escolas apenas aconteciam por desentendimentos internos. Não
envolvia cifras e sim desilusão ou mágoa com as escolas do
coração. Algumas escolas já geraram até outras concorrentes
por causa dessas insatisfações. Cada qual sabe onde lhe doem os
calos. Até então, apenas a figura do carnavalesco era
vista como passível de ser negociada entre as escolas e
suscetível ao apelo das cifras. O maior exemplo talvez tenha
sido, na década de Pois bem, com a “profissionalização”
dos desfiles, o que se viu a partir de então, não mais seria o
amor à camisa, e sim a possibilidade de uma escola menos
conhecida aproveitar-se de valores reconhecidos no mercado, para
se imporem e aparecerem na avenida e na mídia, e ganharem a
respeitabilidade dos setores do carnaval. Adotando-se a velha
máxima: Santo de casa não faz milagre. E o principal alvo foi o posto de mestre-sala e
porta-bandeira, explicável uma vez que a performance do casal,
isoladamente em relação ao conjunto da escola, é responsável
por várias notas “ A premiação aos melhores do samba, em especial o
Estandarte de Ouro, também tem sua parcela de contribuição na
valorização dos profissionais. É comum atrair mercado aqueles
profissionais que se destacam isoladamente e que sejam
merecedores do prêmio. Cria fama e deita-te na cama. Antigamente, o nome do puxador era associado à
sua escola de samba. Temos exemplos significativos: Neguinho da
Beija-flor, Dedé da Portela, Jorginho do Império, Dominguinhos
do Estácio (embora ele afirme que seu nome de deve ao Bairro e
não à São Carlos), Carlinhos de Pilares, Paulinho Mocidade
etc. Hoje isso não é mais comum, pois os puxadores também
passaram a ser frequentemente seduzidos pelas cifras e, à
exceção de Neguinho e de Jamelão, todos os demais já cantaram
em outras freguesias. Palavras não enchem barriga. Mas não só de puxador que vive a escola. É
preciso de compositores, para atrair as notas 10 para o quesito
samba-enredo (e existem aqueles que emplacam um sucesso atrás do
outro), e de um diretor de bateria de destaque e com prestígio
(que faça a diferença na apresentação do desfile). De graça
só relógio trabalha, e assim mesmo quer corda. A coisa foi se aprimorando tanto que já na
década de 90 se viu nascer o que conhecemos como “escola
montada”. Um patrocinador investe recursos financeiros
em escolas menores, ou “compra” seu lugar nos grupos de
acesso da Associação, recebem das escolas da elite ajudas
profissionais, e, quando chegam no topo (na Liesa), passarem a
investir nos profissionais das escolas já consolidadas. Algumas
escolas se enveredaram por este caminho e o resultado está aí
à vista de quem quiser ver. Nem é preciso citar nomes. A bom
entendedor meia palavra basta. A síntese perfeita da comercialização do samba se fez sentir no belíssimo samba e desfile da São Clemente de 1990. Há dezoito anos, a escola já constatara que o samba tinha sambado, mas, nós, amantes do samba e das escolas, ainda nos surpreendemos com algumas negociatas que são feitas sem nenhuma ética. Amigos, amigos; negócios, à parte. Recentemente, veio à mídia a reclamação de um
presidente de uma grande escola ao presidente de uma outra que
lhe levara o puxador por cifras gigantescas. Nem bem passou o
mês, o noticiário já indicava que o reclamão faria aquilo que
condenara com o presidente de outra agremiação. Quem tem
telhado de vidro não atira pedra no do vizinho. E os profissionais envolvidos nessas transações?
Até que ponto nós podemos culpá-os pela comercialização
desenfreada que tomou conta do mundo do samba? Num país
globalizado, em que valores aparecem e se esvaziam num piscar de
olhos, muitos têm mesmo é que aproveitar o momento e a
ocasião. A sorte bate uma vez à porta de cada pessoa. É certo que muitos profissionais já trocaram o
certo pelo duvidoso. Foram seduzidos pelas cifras, mas as
promessas nem sempre se cumprem, o ambiente, por vezes, torna-se
hostil. E o arrependimento, mais cedo ou mais tarde, bate forte,
caso o orgulho deixe. Quando a esmola é demais, o santo
desconfia. O foco dessas discussões em relação ao
troca-troca nas escolas deve-se voltar para as próprias escolas.
Pela ética (ou falta dela) nessas negociações. A Liesa poderia
estabelecer regras claras para que os dirigentes, respeitando-as,
pudessem frear essa busca insaciável pelas primeiras
colocações. Uma espécie de política contra as práticas
“anticompetitivas”, na qual se privilegia a
concorrência desleal entre as escolas, exorbitando os preços
mínimos e máximos de mercado desses profissionais, seduzidos
por vezes por pagamentos impróprios (ou por fora), completamente
contrários à legislação pátria. Pimenta nos olhos dos outros
é refresco. Com raríssimas exceções, eu me pergunto em quê
essas negociações na calada da noite ajudam uma escola a
conquistar resultados? Temos exemplos claros de que a
valorização da prata da casa tem ajudado, com muito mais
ênfase, algumas escolas a se consolidarem nas primeiras
posições. Essas negociações escusas e antiéticas têm
servido para inflacionar o mercado do samba e proibir qualquer
tipo de reação de escolas menos favorecidas economicamente, que
são julgadas de forma incorreta, por privilegiarem as pratas da
casa aos nomes estabelecidos no mercado do carnaval. Cada
cabeça, cada sentença. Não se está aqui querendo a proibição de uma
escola reforçar-se com nomes de peso no mercado em seus setores
deficitários. Identificar erros, trazer elementos externos para
conjugar experiências e inovações, é válido. Agregar valores
é diferente de comprar valores visando única e exclusivamente
um campeonato. Quanto mais se vive, mais se aprende. A política da valorização dos profissionais é
tão perniciosa inclusive para os tais profissionais, pois caso
eles não consigam um resultado rápido e almejado pela escola
patrocinadora, seu passe cai violentamente no mercado. Ele vai do
paraíso ao inferno. Um dia é da caça, outro do caçador. Agregar valores sim, mas com parcimônia, por
favor. Com desfiles cada vez mais pasteurizados, sem mesmo a
identificação daqueles profissionais que vestem realmente nossa
camisa, qual é a cara atual de sua escola de samba? Será que
alguém pode responder a essa simples e objetiva pergunta sem
pestanejar? Devagar também é pressa ou devagar se vai ao longe?
Quem somos? De onde vimos? Para onde vamos? “Nesse rio de
asfalto, o dinheiro fala alto, é a filosofia nacional”.
E caiu dos olhos da vovó uma lágrima sentida. Quem avisa amigo
é. |
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