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QUEM GOSTA DE MISÉRIA É INTELECTUAL 6 de maio de 2008, nº 04, ano I A célebre frase atribuída a Joãosinho Trinta, quando perdeu o tetracampeonato pela Beija-flor de Nilópolis nos idos de 1979, veio consolidar o processo pelo qual estava passando as escolas de samba naquela década, em que a Beija-flor quebrou a hegemonia das quatro escolas que revezavam as melhores posições no carnaval carioca – Portela, Mangueira, Império Serrano e Salgueiro. É certo que, bem antes da Beija-flor, duas escolas provindas de Parada de Lucas chegaram de forma bem mais tímida a tentar furar o bloqueio dessas quatro escolas super-poderosas. São elas: a Unidos da Capela e a Aprendizes de Lucas, duas tradicionais escolas de samba do subúrbio da Leopoldina. A Unidos da Capela chegou a ser campeã por duas vezes: em 1950, quando, por causa de desentendimentos entre as escolas, institucionalizou-se a divisão no mundo do samba, que chegou a contar com três entidades; e em 1960, quando após tumultuada apuração, os dirigentes resolveram dispensar o quesito cronometragem e declararam as cinco escolas melhores classificadas como campeãs. Já a Aprendizes de Lucas jamais foi campeã, mas teve uma trajetória marcada por excelentes desfiles, chegando por duas vezes ao vice-campeonato (1950/1951), no chamado grupo oficial do carnaval, em que o Império Serrano sagrou-se campeão. Com o crescimento do número de escolas que redundou na criação do grupo 2, e, posteriormente, do Grupo 3, e o enxugamento do número de escolas do Grupo 1, oriunda da profissionalização dos desfiles, foi ficando cada vez mais difícil a sustentação de ambas na elite do carnaval, fazendo com que a Unidos da Capela, que detinha menor poderio financeiro em relação à Aprendizes de Lucas, viesse a protagonizar alguns rebaixamentos. Assim, em 1966, essas escolas se uniram para formar a Unidos de Lucas, o “Galo de Ouro da Leopoldina”, que nasceu com a promessa de se consolidar como a quinta força do carnaval carioca (e nos dois primeiros carnavais – 1967 e 1968 - isso se confirmou) e, nessa condição, furar o bloqueio imposto pelas quatro forças do samba. E tudo levava a crer que a escola conseguiria o
seu intento. Suas cores, o vermelho e o ouro, foram sugeridas
pelo carnavalesco Clóvis Bornay. A escola teve como padrinhos a
Divina cantora Elizete Cardoso e o poeta maior Vinicius de
Moraes, que acabou não concretizando o batismo, passando a
batuta para Hermínio Belo de Carvalho. O final dos anos 60 era uma época difícil politicamente no Brasil. Greves, ditaduras, passeatas... No mundo, uma série de transformações políticas, éticas, sexuais e comportamentais estava em voga no ano de 1968. E a escola nos brindou, naquele ano, com um enredo polêmico para a época (a condição do negro e o fim da escravidão), com um samba que é considerado como um dos melhores de todos os tempos, conhecido como “Sublime Pergaminho”. Mas a escola, talvez, não estivesse preparada
para a mudança radical, que também seria sentida nos desfiles
que viria a ocorrer após os anos rebeldes. A escola não tinha
poder aquisitivo para apresentar carnavais à altura das
chamadas “grandes” escolas, que a cada ano tendia para
o luxo e gigantismo, uma espécie de anestesia alienante à dura
realidade política pela qual estamos passando. Muitos ainda apregoam que o crescimento da
Imperatriz Leopoldinense foi mais um fator a minar os planos da
Unidos de Lucas. Fato é que a escola não se tornou uma escola
de resultado, e assim a escola foi perdendo espaço e no ano de
2009 estará desfilando no Grupo C, na Intendente Magalhães. Mas ninguém pode negar que a Unidos de
Lucas seja uma escola de ponta. Apesar de não ter a seu favor
resultados, dificilmente ao se falar sobre escolas de samba, o
nome da escola deixa de ser citado, mesmo não tendo conquistado
nenhum campeonato de ponta no carnaval. Uma espécie de “Viúva
Porcina”, aquela que foi sem nunca ter sido. De igual modo, outra escola que seu nome pesa mais que sua trajetória de resultados é a Em Cima da Hora. A escola do subúrbio de Cavalcanti, que já figurou no grupo de elite por algumas vezes, ganhou notoriedade por ser considerada a escola dos intelectuais. É certo que a escola contou desde sempre com a simpatia dos jornalistas, dentre eles o Sérgio Cabral pai. Hoje pode ser considerada também como a escola do atual governador do Rio de Janeiro. Mas essa torcida fiel e declarada não tem ajudado na trajetória da simpática Em Cima da Hora, mas lhe deu a condição de ser uma das mais respeitadas pela crítica especializada em carnaval carioca. Muito se deve aos belos sambas-enredos escolhidos pela escola, em especial o de 1976, "Os sertões", de Edeor de Paula, considerado um dos melhores de todos os tempos, senão o melhor. Paradoxalmente, 1976 foi um divisor de águas para a escola. Enquanto o samba tenha carimbado seu nome definitivamente como uma das grandes do carnaval carioca, a profissionalização das escolas de samba, o apelo para um carnaval luxuoso, e um pouco de falta de sorte, traçou definitivamente o destino da agremiação, confirmando o rebaixamento de grupo, que já poderia ter ocorrido no ano anterior. A escola até esboçou uma reação nos anos 80, chegou a se reintegrar na elite no ano de criação da Liesa, 1985, mas logo a seguir voltou a enfrentar altos e baixos, indo parar no terceiro grupo. Em meados da década de 90 mais uma reação. A escola voltou a ficar a um passo de ser especial, e por pouco, em 2000, quase se confirma, depois de conseguir empatar com o Paraíso do Tuiuti em 2º lugar na grupo de acesso A. Com a mudança de regras de ascensão do grupo especial, com o peito amargurado, baldeando por aí entre os grupos de acesso, a escola entrou em vertiginosa decadência e em 2009 desfilará no Grupo D, na Intendente Magalhães. Embora no documentário “Em Cima da Hora”, que retrata a vitória da escola no Grupo D em 2006, Sérgio Cabral, o Pai, revela sua certeza de que a escola ainda vai conseguir se incorporar ao grupo de elite do carnaval carioca, a verdade é que sem apoio financeiro aliado ao competente amor dos seus integrantes à agremiação, dificilmente isso possa vir a acontecer. Mas como sonhar não custa nada, ou quase nada...fica aqui a torcida para que a Em Cima da Hora volte a reagir na próxima década. Mas o que Unidos de Lucas e Em Cima da Hora possuem em comum? Marcadas pela própria natureza, falta-lhes recursos financeiros para estarem no verdadeiro lugar em que merecem no carnaval carioca. Mas não se pode negar que são duas grandes escolas de samba do carnaval carioca. Não há quem não tenha simpatia por elas, até mesmo os mais jovens, todos a respeitam como grandes escolas, mesmo que, lá no fundo, se observamos apenas o carnaval de resultado, os números possam nos contestar. Mas são verdadeiras escolas especiais, que aproveitaram seus parcos momentos de fama para escreverem uma bonita história no carnaval e deixaram, através de seus sambas, seus nomes imortalizados no carnaval carioca. Agora, será mesmo que o povo gosta só de luxo? Para o carnaval de resultado, poderemos até considerar que os jurados confirmam tal tese, ao guardarem suas maiores notas às escolas que apresentam o luxo pelo luxo. Mas se formos buscar a essência do samba, será impossível deixar de incluir as escolas Unidos de Lucas e Em Cima da Hora no rol seleto das grandes escolas cariocas. Como disse Fernando Pamplona, essas escolas souberam tirar da cabeça o que do bolso não deu. Talvez elas estejam acostumadas com que o destino lhe reservou, mas estão longe de serem amansadas. Por isso, resistem, não enrolaram a bandeira, e continuam firmes rumo à conquista e à procura de dias melhores, quiçá aguardando um sublime pergaminho que traga a real libertação das amarras impostas pelo status quo reinante há algum tempo em termos de escolas de samba. Quem sabe se os governos despertem dessa letargia e amanheçam com propostas concretas para inserir essas e outras escolas excluídas na grande festa novamente. Oxalá! E que cantos e batuques anunciem: “Meu Deus! Meu Deus! Está extinta a segregação de escolas de samba no Rio de Janeiro”. Afinal, não é mole não almejar a regalia e o progresso da nação. |
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