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Coluna da Denise

NU COM A MÃO NO BOLSO

27 de abril de 2008, nº 03, ano I

Tem bumbum de fora pra chuchu, qualquer dia é todo mundo nu. Esse verso do samba-enredo da Caprichosos de Pilares contagiou o público da Sapucaí no carnaval da democracia. Afinal de contas, aquele ano era um ano decisivo na história do Brasil, já que ele começava uma fase de transição de um regime ditatorial ao democrático, culminando com o Estado Democrático de Direito, almejado em nossa Constituição da República promulgada em outubro de 1988.

Carnaval é a festa da carne. E foi a partir da década de 70, ainda em regime ditatorial e com censura, que passou a se permitir no desfile de escolas de samba a nudez, primeiramente feminina.

É certo que já na década de 50, as passistas da comunidade já mostravam sua sensualidade, requebrando os quadris, geralmente acompanhadas por um ritmista e seus malabarismos com os pandeiros.

Na década seguinte, pessoas de fora da comunidade começaram a “invadir” o samba e conseguiram seu destaque, entre elas, talvez uma das precursoras do chamado reinado da bateria, a saudosa Nega Pelé da Portela, e pela Mangueira, a passista loira e de olhos verdes, diretamente de Ipanema para o mundo das escolas de samba, conhecida por Gigi da Mangueira.

Mas foi por meio de Joãosinho Trinta que beldades femininas foram erigidas a posição de destaque em carros alegóricos, bem mais à vontade de que os destaques tradicionais, cujo grande expoente é Isabel Valença do Salgueiro, a eterna Chica da Silva. Nos novos tempos, novas musas. E a mais famosa até hoje é Pinah, a “cinderela negra que o príncipe encantou”.

As musas então começaram a proliferar em nosso carnaval. Se a mulata Adele Fátima representou “coisas de comer” no enredo do Salgueiro, a partir de então o que se viu foi um festival de exibição de corpos femininos, primeiramente nos desfiles da Beija-flor, seguidas de perto pela Mocidade Independente de Padre Miguel e Imperatriz Leopoldinense.

É lógico que a nudez veio de uma forma velada. Primeiramente debaixo de panos transparentes, mais tarde protetores e armações para os seios foram deixando-os à mostra, e o biquíni, cada vez mais minúsculo, foi cedendo lugar ao fio-dental que deixou à mostra a abundância das pastoras do rebanho do carnaval carioca. Tudo a ver com a Tropicália Maravilha, que retrata com maestria a nossa aldeia carioca.

Afinal, Joãosinho Trinta já descobrira que o Paraíso é aqui na Sapucaí.  E isso ficou muito claro na Lapa de Adão e Eva, sendo Eva, a belíssima Márcia Porto, a primeira Garota de Ipanema, e Adão, o bonitão Paulo César Grande, o primeiro malandro carioca, tentados por um andrógeno Madame Satã, o saudoso Jorge Lafond. Sem contar o casal sensação da época: Claudia Raia e Alexandre Frota no melhor de suas performances carnavalescas.

Mas a década de 80 foi realmente um divisor de águas para as musas do carnaval carioca. A aproximação da bateria de beldades (como a da falecida Wilma Dias, a mulher da banana, e Adele Fátima, a mulata exportação) realmente abriu, mesmo que de forma tímida, espaço para o posto de rainha da bateria, que passou a ter destaque no carnaval carioca.

Enquanto Sônia Capeta brilhava à frente da bateria da Beija-flor, a Mocidade, pelas mãos do magnífico Fernando Pinto, abriu espaço e imortalizou o posto, dando destaque para  a “titia” Monique Evans. A musa não desfilou só beleza, mas se incorporou aos excelentes enredos produzidos por Fernando Pinto, seja como uma colombina futurista, com antenas na cabeça, uma satânica criatura, deixando a mostra suas tatuagens impagáveis (tatuagem ainda era um tabu na época e não era sinônimo de arte), ou uma índia tupinicopolense. Ela fez tanto sucesso a ponto de ser execrada por críticas obtusas ao seu destaque no carnaval. Afinal quem seria aquela modelo, de fora da comunidade, que ousava sambar como a mais genuína mulata a ponto de seduzir a atenção do público e fotógrafos?

Pois é. Monique insistiu e conquistou a comunidade, abrindo espaço para a simpatia de Luiza Brunet, na Portela, e a sedução de Luma de Oliveira, na Caprichosos de Pilares.

Os tempos eram outros. A democracia tão duramente conquistada não poderia conviver com qualquer tipo de censura. Assim, a libertinagem tomou conta da folia, sendo “liberada e praticada pelo gosto geral”. As câmaras de TV começaram a dar seus closes ginecológicos nas modelos, como se elas tivessem a mostra num baile carnavalesco, ao ponto de Fernando Pamplona ficar indignado nas transmissões da Rede Manchete.

Mas foi a ousadia de Enoli Lara, que não satisfeita em vir apenas pintada com a bandeira do Flamengo no meio de uma ala da União da Ilha em 1988, que no ano seguinte 1989, causou frisson na avenida ao vir completamente nua, “sem frescura, sem disfarce e sem fantasia”, mostrando-se por completo em cima de um carro alegórico da União da Ilha. Afinal, ela personificava a festa profana que é o carnaval.

Tal fato amplamente explorado nos noticiários, fizera com que a Liga Independente das Escolas de Samba proibisse, a partir da década de 90, agenitália desnuda na Sapucaí.

Durante a década de 90, a proibição por vezes foi burlada. Quem não se lembra de Lafond em cima do vulcão no provocativo enredo da Beija-flor, Todo Mundo Nasceu nu? Ou então o famoso banho, hoje inocente e até bucólico, de Melissa Benson na Imperatriz de 1991? Ou a exploração comercial da marca Globeleza, imortalizada por Valéria Valenssa?

Mas a nudez também já foi castigada. Que o diga a Beija-flor, que lhe valeu a sua retirada do desfile das campeãs em 1992, já que o tapa-sexo de Torez Bandeira, destaque de um dos carros da escola, caiu durante o desfile e o modelo entrou para a história do carnaval como o primeiro nu total masculino na avenida.

O que dizer então das fotos comprometedoras de um presidente da República junto a uma destaque de carnaval sem calçinhas em 1994 em um dos camarotes. Mesmo distante do desfile, a nudez continuava rondando o carnaval carioca.

Por outro lado, o desfile acabou invadido por minúsculos tapa-sexos, por agenciadores de modelos, caçadores de “talentos”, por mulheres e homens cada vez mais marombados, tal e qual o enredo da Unidos da Tijuca de 1986: “cabrochas e ritmistas, passistas e vigaristas, artistas de revista e TV que não se importam com o que vocês vão dizer”..

A era do silicone chegara para ficar no carnaval carioca. O que era natural, e por vezes, mesmo com excesso, belo, passou a ser superficial e desarrazoado.

E o posto de rainha de bateria? Bem, esse sofreu nova transformação. Não bastava agora a dicotomia pessoa famosa ou musa da comunidade. O posto passou a estar à venda em algumas escolas, segundo especulações dos noticiários carnavalescos.

E talvez sem querer, a iniciativa tenha partido de Luma de Oliveira, que, para ajudar a Tradição, em sua volta cambaleante ao Grupo Especial em 1998, resolveu presentear os ritmistas custeando suas fantasias.

Dessa forma, não basta mais ficar nu na avenida, tem de meter a mão no bolso se quiser se expor no carnaval carioca. “Moça bonita não paga, mas também não leva”. E a venda do posto de rainha da bateria pelas escolas tradicionais seria reprovável? Se formos contar o que tantas modelos e celebridades já lucraram com suas exposições no carnaval carioca, acredito que essa polêmica é dos males o menor em relação aos desfiles das escolas de samba.

Será mesmo que a nudez é a responsável pela descaracterização do carnaval carioca a ponto de merecer, de imediato, a intervenção e punição da Liesa? E os outros males do carnaval, até quando vamos ter de conviver pacificamente com eles? Afinal, indecente é você ficar despido de cultura.


denisefatima@gmail.com