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NU COM A MÃO NO BOLSO 27 de abril de 2008, nº 03, ano I Tem bumbum de fora pra chuchu, qualquer dia é
todo mundo nu. Esse verso do samba-enredo da Caprichosos de
Pilares contagiou o público da Sapucaí no carnaval da
democracia. Afinal de contas, aquele ano era um ano decisivo na
história do Brasil, já que ele começava uma fase de
transição de um regime ditatorial ao democrático, culminando
com o Estado Democrático de Direito, almejado Carnaval é a festa da carne. E foi a partir da
década de 70, ainda em regime ditatorial e com censura, que
passou a se permitir no desfile de escolas de samba a nudez,
primeiramente feminina. É certo que já na década de 50, as passistas da
comunidade já mostravam sua sensualidade, requebrando os
quadris, geralmente acompanhadas por um ritmista e seus
malabarismos com os pandeiros. Na década seguinte, pessoas de fora da comunidade
começaram a “invadir” o samba e conseguiram seu
destaque, entre elas, talvez uma das precursoras do chamado
reinado da bateria, a saudosa Nega Pelé da Portela, e pela
Mangueira, a passista loira e de olhos verdes, diretamente de
Ipanema para o mundo das escolas de samba, conhecida por Gigi da
Mangueira. Mas foi por meio de Joãosinho Trinta que beldades
femininas foram erigidas a posição de destaque em carros
alegóricos, bem mais à vontade de que os destaques
tradicionais, cujo grande expoente é Isabel Valença do
Salgueiro, a eterna Chica da Silva. Nos novos tempos, novas
musas. E a mais famosa até hoje é Pinah, a “cinderela
negra que o príncipe encantou”. As musas então começaram a proliferar em nosso
carnaval. Se a mulata Adele Fátima representou “coisas de
comer” no enredo do Salgueiro, a partir de então o que se
viu foi um festival de exibição de corpos femininos,
primeiramente nos desfiles da Beija-flor, seguidas de perto pela
Mocidade Independente de Padre Miguel e Imperatriz Leopoldinense. É lógico que a nudez veio de uma forma velada.
Primeiramente debaixo de panos transparentes, mais tarde
protetores e armações para os seios foram deixando-os à
mostra, e o biquíni, cada vez mais minúsculo, foi cedendo lugar
ao fio-dental que deixou à mostra a abundância das pastoras do
rebanho do carnaval carioca. Tudo a ver com a Tropicália
Maravilha, que retrata com maestria a nossa aldeia carioca. Afinal, Joãosinho Trinta já descobrira que o Paraíso é aqui na Sapucaí. E isso ficou muito claro na Lapa de Adão e Eva, sendo Eva, a belíssima Márcia Porto, a primeira Garota de Ipanema, e Adão, o bonitão Paulo César Grande, o primeiro malandro carioca, tentados por um andrógeno Madame Satã, o saudoso Jorge Lafond. Sem contar o casal sensação da época: Claudia Raia e Alexandre Frota no melhor de suas performances carnavalescas. Mas a década de 80 foi realmente um divisor de
águas para as musas do carnaval carioca. A aproximação da
bateria de beldades (como a da falecida Wilma Dias, a mulher da
banana, e Adele Fátima, a mulata exportação) realmente abriu,
mesmo que de forma tímida, espaço para o posto de rainha da
bateria, que passou a ter destaque no carnaval carioca. Enquanto Sônia Capeta brilhava à frente da
bateria da Beija-flor, a Mocidade, pelas mãos do magnífico
Fernando Pinto, abriu espaço e imortalizou o posto, dando
destaque para a “titia” Monique Evans. A musa
não desfilou só beleza, mas se incorporou aos excelentes
enredos produzidos por Fernando Pinto, seja como uma colombina
futurista, com antenas na cabeça, uma satânica criatura,
deixando a mostra suas tatuagens impagáveis (tatuagem ainda era
um tabu na época e não era sinônimo de arte), ou uma índia
tupinicopolense. Ela fez tanto sucesso a ponto de ser execrada
por críticas obtusas ao seu destaque no carnaval. Afinal quem
seria aquela modelo, de fora da comunidade, que ousava sambar
como a mais genuína mulata a ponto de seduzir a atenção do
público e fotógrafos? Pois é. Monique insistiu e conquistou a
comunidade, abrindo espaço para a simpatia de Luiza Brunet, na
Portela, e a sedução de Luma de Oliveira, na Caprichosos de
Pilares. Os tempos eram outros. A democracia tão duramente
conquistada não poderia conviver com qualquer tipo de censura.
Assim, a libertinagem tomou conta da folia, sendo “liberada
e praticada pelo gosto geral”. As câmaras de TV começaram
a dar seus closes ginecológicos nas modelos, como se elas
tivessem a mostra num baile carnavalesco, ao ponto de Fernando
Pamplona ficar indignado nas transmissões da Rede Manchete. Mas foi a ousadia de Enoli Lara, que não
satisfeita em vir apenas pintada com a bandeira do Flamengo no
meio de uma ala da União da Ilha em 1988, que no ano seguinte
1989, causou frisson na avenida ao vir completamente nua,
“sem frescura, sem disfarce e sem fantasia”,
mostrando-se por completo em cima de um carro alegórico da
União da Ilha. Afinal, ela personificava a festa profana que é
o carnaval. Tal fato amplamente explorado nos noticiários,
fizera com que a Liga Independente das Escolas de Samba
proibisse, a partir da década de Durante a década de Mas a nudez também já foi castigada. Que o diga
a Beija-flor, que lhe valeu a sua retirada do desfile das
campeãs em 1992, já que o tapa-sexo de Torez Bandeira, destaque
de um dos carros da escola, caiu durante o desfile e o modelo
entrou para a história do carnaval como o primeiro nu total
masculino na avenida. O que dizer então das fotos comprometedoras de um
presidente da República junto a uma destaque de carnaval sem
calçinhas em 1994 em um dos camarotes. Mesmo distante do
desfile, a nudez continuava rondando o carnaval carioca. Por outro lado, o desfile acabou invadido por minúsculos tapa-sexos, por agenciadores de modelos, caçadores de “talentos”, por mulheres e homens cada vez mais marombados, tal e qual o enredo da Unidos da Tijuca de 1986: “cabrochas e ritmistas, passistas e vigaristas, artistas de revista e TV que não se importam com o que vocês vão dizer”.. A era do silicone chegara para ficar no carnaval
carioca. O que era natural, e por vezes, mesmo com excesso, belo,
passou a ser superficial e desarrazoado. E o posto de rainha de bateria? Bem, esse sofreu
nova transformação. Não bastava agora a dicotomia pessoa
famosa ou musa da comunidade. O posto passou a estar à venda em
algumas escolas, segundo especulações dos noticiários
carnavalescos. E talvez sem querer, a iniciativa tenha partido de
Luma de Oliveira, que, para ajudar a Tradição, em sua volta
cambaleante ao Grupo Especial em 1998, resolveu presentear os
ritmistas custeando suas fantasias. Dessa forma, não basta mais ficar nu na avenida,
tem de meter a mão no bolso se quiser se expor no carnaval
carioca. “Moça bonita não paga, mas também não
leva”. E a venda do posto de rainha da bateria pelas escolas
tradicionais seria reprovável? Se formos contar o que tantas
modelos e celebridades já lucraram com suas exposições no
carnaval carioca, acredito que essa polêmica é dos males o
menor em relação aos desfiles das escolas de samba. Será mesmo que a nudez é a responsável pela
descaracterização do carnaval carioca a ponto de merecer, de
imediato, a intervenção e punição da Liesa? E os outros males
do carnaval, até quando vamos ter de conviver pacificamente com
eles? Afinal, indecente é você ficar despido de cultura. |
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